O EGOÍSTA BERTRAM PINCUS
Bertram não tinha amigos. Nem fazia questão de tê-los. Sentia aversão às pessoas, preferia a solidão e desprezava todos com quem tinha contato. Egocêntrico, dispensava a convivência com a humanidade.
Ao submeter-se a uma anestesia geral para uma colonoscopia, vivenciou uma EQM — experiência de quase morte. Quem passa por essa situação, isto é, morre e volta para contar a sua história, geralmente retorna completamente mudado. Entende que Deus lhe deu uma nova oportunidade e trata de modificar seu modo de viver.
ECLOSÃO DA MEDIUNIDADE
Com Bertrum ocorreu outro fenômeno: começou a ver e ouvir os mortos. Fantasmas que vagavam pela Terra detectaram a sua faculdade e passaram a assediá-lo, com o objetivo de obter sua ajuda, para resolver algumas questões que ficaram pendentes no plano físico.
Egoísta, a princípio recusou-se a ajudá-los, até que sua vida começou a se complicar. Aconselhado por um amigo, Bertram começou a reavaliar seus paradigmas e passou a lutar contra o seu egoísmo e a ajudar as pessoas. Será que assim Bertram conseguiu voltar a ter paz na vida?
ISSO PODE ACONTECER?
Antes que o amigo leitor pense que este escritor está criando uma história absurda, devo esclarecer que o texto acima nada mais é do que a sinopse do filme Ghost Town, dirigido por David Koepp, que retrata as experiências do mal-humorado dentista Bertram Pincus. É possível mesmo que alguém, de uma hora para outra, passe a ver e a ouvir espíritos desencarnados? Todas as pessoas estão aptas a ver espíritos? Como surge esse dom? Um egoísta pode ser médium?
Trata-se de obra ficcional, mas que apresenta situações bastante próximas ao preconizado pelo Espiritismo, como se tem visto em muitos filmes e livros, embora os autores estejam distanciados do conhecimento espírita.
UM EGOCÊNTRICO PODE SER MÉDIUM?
A faculdade mediúnica independe do desenvolvimento moral do médium e não é proporcional a ele. Várias obras básicas nos ensinam que a mediunidade relaciona-se com o organismo.
Sabe-se, assim, que, embora as causas do dom da mediunidade não sejam perfeitamente conhecidas pelo homem, há determinada característica física que desempenha papel preponderante.
O psiquiatra Sérgio Felipe Oliveira, professor de medicina e espiritualidade da Universidade de São Paulo, atribui à glândula pineal a função sensorial capaz de converter ondas eletromagnéticas em estímulos neuroquímicos. Médiuns ostensivos seriam aqueles que têm na pineal quantidade maior de cristais, responsáveis pela interatividade com o mundo dos espíritos.
SÚBITA FACULDADE MEDIÚNICA
Uma EQM – Experiência de quase morte pode fazer eclodir a mediunidade? Com o dentista Bertrum Pincus isso aconteceu e ele passou a ver e ouvir espíritos. Embora tenhamos que admitir situações fantasiosas, na literatura espírita encontramos casos em que se manifesta subitamente a faculdade mediúnica. De uma hora para outra, pessoas que não têm mediunidade ostensiva presenciam aparições espontâneas, mesmo na ausência de médium que poderia produzir essas manifestações.
DOENTES E MORIBUNDOS
Se o indivíduo estiver tenso, doente ou nervoso, em face de seus problemas existenciais, poderá passar a perceber o mundo espiritual. Isso também pode ocorrer com pessoas que experimentaram doenças de longo curso ou mesmo quando se aproximam do desencarne. Não distinguem mais desencarnados de pessoas vivas. Com o afrouxamento dos laços que as prendem ao corpo, sua percepção espiritual se amplia, a ponto de passarem a ver familiares desencarnados, que as acompanham no retorno à vida espiritual.
VIVA OU MORTA?
O escritor Marcel Souto Maior narra cena a que assistiu, na Comunhão Espírita Cristã de Uberaba, em que Chico Xavier teria perguntado a uma senhora bem idosa que dele se aproximou:
— Desculpe perguntar, mas a senhora está viva ou morta?
Ela, às gargalhadas, teria respondido:
— Viva, Chico, viva!
E ele:
— Graças a Deus!
TODOS SOMOS MÉDIUNS
É claro que espíritos encontram em certos indivíduos facilidade maior para se comunicar. Isso não significa, todavia, que outros não venham a passar por essa experiência, principalmente se considerarmos que todos portamos, em grau mais alto ou mais baixo, o dom da mediunidade.
Não é raro encontrar pessoas que passam a agir, falar ou mesmo escrever, espontaneamente, sem que efetivamente o queiram. Esse fenômeno, diga-se de passagem, pode ocorrer com praticante de qualquer credo religioso, sem distinção de cor, classe social, orientação sexual ou origem étnica.
CICLOTIMIA
Por que artistas, escritores ou compositores às vezes não se sentem inspirados para suas produções?
— Quando a inspiração não vem, é que o inspirador não está presente ou não julga conveniente inspirar, ensina-nos Allan Kardec na Revista Espírita de 1859.
Condição orgânica, familiaridade, disponibilidade e vontade do espírito comunicante e assimilação mais ou menos fácil de fluidos perispirituais são alguns dos múltiplos fatores para que ocorra a comunicação com os espíritos.
Há, no entanto ainda outro elemento importante a ser considerado: a faculdade mediúnica nem sempre é permanente. Muitas vezes ela se apresenta como móbil e fugidia. Há casos, inclusive, de suspensão da mediunidade, ora como prova, ora como proteção promovida pelo espírito protetor do médium que esteja passando por algum momento de fragilidade.
MEDIUNIDADE NAS RELIGIÕES
Moisés e os profetas teriam recebido mensagens de espíritos superiores; Maomé teria recebido mensagens do Anjo Gabriel para compor o Alcorão; as comunidades primitivas cristãs teriam recebido os dons do Espírito Santo, assim como ocorre hoje entre católicos carismáticos e protestantes pentecostais; nossas origens indígenas e africanas estão fortemente ligadas à mediunidade. Trata-se, pois de faculdade entranhada, principalmente no povo brasileiro, cuja maioria — em torno de 90% da população — aceita a comunicação com os mortos.
MEDIUNIDADE E INTERESSE
A mediunidade independe da moral. Isso quer dizer que pessoas inescrupulosas podem ser dotadas de grande sensibilidade mediúnica. Embora seja suspeito eventual ganho obtido pela faculdade, não quer dizer necessariamente que a aptidão do médium não seja real.
Sabe-se da aversão dos espíritos por tudo que denote cobiça, egoísmo e apego às coisas materiais. Os bons não se prestam a auxiliar os que negociem sua presença. Quando o médium começa a fazer mau uso de suas faculdades, mentores se afastam e os que ficam são desencarnados inescrupulosos.
Mas, e se o médium for de boa-fé? Há situações relacionadas com interesses materiais que somente contarão com a ajuda de espíritos levianos? Geralmente sim, mas há casos em que a espiritualidade permite importantes revelações.
ESPÍRITOS AJUDAM A JUSTIÇA?
— Não me conte nada sobre o caso!
Foi assim que Noreen Reiner recebeu o investigador Joe Uribe, que, depois de esgotados todos os recursos investigatórios, foi tentar obter informações sobre o assassinato de um auditor fiscal, ocorrido quatro anos antes.
Noreen, médium investigativa, pegou o cinto e o relógio que a vítima usava quando morreu, fechou os olhos, entrou em transe e vivenciou os seus últimos momentos. Quando voltou ao estado de vigília, ela soube descrever o rosto do assassino, o de sua mulher, o local da morte e o esconderijo da arma do crime.
Joe nunca acreditara nesse tipo de coisa, mas mesmo assim resolveu investigar. A médium havia acertado todos os detalhes, inclusive a cor da casa do assassino. O culpado confessou o crime.
CHICO E UM CASO DE ASSASSINATO
Em 1976, um jovem foi acusado de matar um amigo. Seus pais receberam uma carta psicografada por Chico Xavier, de autoria da vítima, dois anos mais tarde, inocentando o acusado.
— Fui eu mesmo quem começou a lidar com a arma!
A carta por intermédio de Chico, que morava em Minas Gerais, e não conhecia o caso, trouxe detalhes da cena do crime e falou da família da vítima, que morava em Goiás. A assinatura da carta, semelhante à do morto, chamou a atenção dos jurados. Numa sentença inédita, o réu foi absolvido
VOLTOU PARA AUXILIAR A VIÚVA
Quando os espíritos têm permissão, podem fazer extraordinárias revelações.
Vejamos mais um exemplo:
Uma senhora acabara de perder o marido após trinta anos de vida conjugal e se encontrava a ponto de ser expulsa de seu domicílio, sem nenhum recurso, por seus enteados, junto aos quais tinha feito o papel de mãe.
Seu desespero estava no auge quando então numa noite o marido lhe apareceu e lhe disse para segui-lo até seu escritório.
Lá, ele mostrou sua escrivaninha, que ainda estava com os lacres judiciais, e, por um efeito de segunda vista, fez com que ela visse seu interior. Indicando-lhe uma gaveta secreta que ela não conhecia e da qual explicou-lhe o mecanismo, ele acrescentou:
—Previ o que está acontecendo e quis assegurar teu futuro; nesta gaveta estão minhas últimas disposições: está assegurado o usufruto para ti desta casa e de uma renda mensal.
Depois disso desapareceu. No dia da abertura do testamento, ninguém podia abrir a gaveta; a senhora então contou o que lhe havia acontecido. Ela abriu-a, seguindo as indicações de seu marido, e encontrou o testamento, conforme o que lhe havia sido anunciado.
POR QUE EXISTE A MEDIUNIDADE?
Se bem utilizado, o intercâmbio com os mortos elimina a ideia do nada e fortalece a convicção de que a vida continua e descortina a vida além-túmulo, alentando e amparando os que ainda tateiam no desconhecido. Os mortos que voltam são esclarecidos e podem esclarecer.
Por que a mediunidade não se manifesta como um privilégio apenas para os homens de bem? Espíritos argumentam que pessoas indignas às vezes dela são dotadas, porque têm mais necessidade que outros de se melhorar.
BONS MÉDIUNS OU MÉDIUNS BONS?
O contato com os espíritos tornou o nosso personagem inicial, o egoísta Bertram Pincus, em homem de bem. E não é exatamente a essa conclusão que devemos chegar? Com a mediunidade podemos nos tornar úteis e nos instruir ao mesmo tempo.
Adverte-nos, no entanto, Kardec:
De que adianta sermos dotados de elevada sensibilidade se isso não nos torna melhores? Que importa acreditar na existência dos espíritos se esse contato não nos torna mais benevolentes, indulgentes e pacientes com o próximo? De que vale sermos médiuns bons se continuamos orgulhosos, invejosos e avarentos?
Todos os homens poderiam acreditar nas manifestações espíritas e ainda assim a humanidade permanecer estacionária.
Acima de tudo devemos entender que, mais importante do que nos tornarmos médiuns bons, será promovermos a renovação interior, continuar lutando para domar nossas más tendências e, finalmente, nos tornarmos pessoas dignas e espiritualizadas.
REFERÊNCIAS: O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas e Revista Espírita (1859), Allan Kardec; Estudo sobre a Mediunidade, Sílvio e Clarice Seno Chibeni; Mediunidade - tudo o que você precisa saber, Richard Simonetti; Superinteressante, Reportagem de Aryane Cararo.