Richard Simonetti sempre demonstrou objetividade e cultura em seus textos e palestras. Trago-lhes, amigo leitor, precioso conteúdo, inédito, que extraí de entrevista que ele me concedeu, gravada em vídeo. Abeberemo-nos dele, pois não encontrei, na literatura, semelhante clareza didática na abordagem do tema “justiça divina”.
Perguntei a Simonetti:
Compreendemos, com a Doutrina Espírita, que viemos ao mundo para evoluir. Temos missões e expiações em reflexo ao que fizemos em vidas passadas. Entretanto, Richard, como explicar que uma criança tenha uma doença grave ou terminal e aceitar essa situação, considerando que essa criança ainda não teve tempo para errar e pouco entende do sentido da vida?
Respondeu Richard:
A criança não está sendo castigada, nem punida, pois a lei divina não é punitiva e sim educativa. Quando praticamos o mal e nos comprometemos no vício, na irresponsabilidade, no crime e no suicídio, provocamos desajustes perispirituais violentos. O nosso corpo espiritual fica totalmente desequilibrado e desajustado. O mal praticado repercute no perispírito. Um espírito nessa condição reencarna muito fragilizado. Seu corpo físico terá graves deficiências, em razão dos desajustes do corpo perispiritual, porquanto ele é a “fôrma” da forma física. Se o reencarnante tem um perispírito comprometido por desvios do passado, como se estivesse com o corpo astral doente, essa doença vai se refletir no corpo físico, dando origem a males variados, que é o que acontece com todos nós. Mas, às vezes, com esses comprometimentos que o espírito traz do passado, o novo corpo não resiste. E então, surge uma doença mais grave e de repente a criança desencarna.
Ah! Mas, que pecado — alguém poderá dizer —, como é que Deus faz isso com uma criança?
Nós estamos vendo o presente da criança, não estamos considerando aquele espírito que veio com comprometimentos do pretérito. Essa breve existência vai representar uma espécie de escoamento dos desajustes perispirituais que aquele espírito acumulou no passado, para que, numa próxima encarnação, ele possa vir em melhores condições.
André Luiz, em um caso muito interessante, relatado no livro “Entre a Terra e o Céu”, de um cidadão que se suicidou. Ele ingeriu uma forte dose de veneno, corrosivo, que provocou violento desajuste em seu corpo espiritual. Se alguém pegar um revólver e me der um tiro, meu perispírito não será atingido. Mas, se eu pegar um revólver e me der um tiro no peito, o meu perispírito será atingido. Os desajustes do indivíduo que se mata são muito grandes. Aquele indivíduo que tomou o veneno apresentou-se no plano espiritual com uma extensa ferida na garganta, passando muito mal, com muito sofrimento.
Reencarnou, numa breve existência para que pudesse fazer — digamos assim — uma limpeza de suas máculas (o que André Luiz chama de carvão milagroso, referindo-se ao corpo físico, capaz de absorver os tóxicos e resíduos de sombra que o espírito traz no corpo substancial). Desencarnou, criança ainda, tornou a reencarnar, voltou a desencarnar ainda como criança, e só na terceira reencarnação é que passou a ter um corpo em melhores condições para seguir adiante, sem ter que passar novamente pela circunstância de desencarnar em tenra infância.
Aquelas duas encarnações anteriores, em que teve vidas breves, não funcionaram como castigos. O espírito não estava sendo castigado e sim tratado. A carne funcionou como veículo de escoamento dos desajustes que ele provocou com o suicídio.
Não pensemos que uma criança que morre em tenra infância ou um rapaz que enfrenta uma situação precária e terrível estejam sendo castigados por Deus. Deus a ninguém castiga. Nós nos castigamos. Quando praticamos o mal, nós nos desajustamos. O desajuste representa o resgate de nossas dívidas com o sofrimento.
O mesmo ocorre com um pai que está lidando com um filho, criança ainda, e lhe diz: “Meu filho, tome cuidado com essa faca, você pode ser cortar! ”
O filho não leva em consideração a recomendação do pai e sofre um talho no braço, secciona alguns nervos e vasos, num ferimento muito sério. É preciso levá-lo para o hospital. O pai vai abandoná-lo? Vai dizer assim? “Eu avisei você para não brincar com a faca. Agora você se vire sozinho...”
Absolutamente! O pai o levará ao pronto-socorro e o tratará com muito carinho, com o melhor médico possível, que precisará fazer uma cirurgia para religar os músculos, nervos e vasos que foram cortados. A criança vai sofrer o resultado da sua inconsequência. Ela vai aprender, à custa das próprias lágrimas e sofrimento, que deve tomar cuidado quando mexe com uma faca.
O pai castigou o filho? Não! O filho aprendeu, com o seu erro e consequente sofrimento, que deve tomar cuidado ao lidar com uma faca.
Assim acontece com a justiça divina: nós fomos programados para o bem e para o equilíbrio. Se nós não correspondemos àquilo que deve ser feito, cumprindo as leis divinas, se fazemos as coisas erradas e nos comprometemos no vício e no crime, desajustamo-nos perispiritualmente. E o sofrimento surge como veículo de despertamento, para a gente ver que deve mudar o rumo da vida, sem que isso esteja representando uma justiça punitiva.
Deus não usa a justiça punitiva e sim educativa. E a educação parte das próprias reações do nosso espírito, que foi criado para o bem.
Essa ideia de que Deus castiga é bobagem. Deus não castiga ninguém. Ele instituiu as leis. E, se nós as infringimos, colhemos os resultados na própria alma. Se fui criado para o bem e me comprometo com o mal, vou colher as consequências. O meu próprio espírito vai reagir nesse sentido.
Fiquemos com Emmanuel:
A existência terrestre é o bom combate. Defeito e imperfeição, débito e culpa são inimigos que nos defrontam. Aperfeiçoamento individual é a única vitória que não se altera. E, em toda parte, o verdadeiro campo de luta somos nós mesmos.
Em matéria, pois, de castigos, depois da morte, reflitamos, sim, na justiça da Lei que determina realmente seja dado a cada um conforme as próprias obras.
A Doutrina Espírita não apenas explica que a alma, depois da morte, se vê mergulhada nos resultados das próprias ações infelizes, mas também esclarece que, na maioria dos casos, a estação terminal do purgatório é mesmo a Terra, onde reencontramos as consequências de nossas faltas, a fim de extingui-las, através da reencarnação.
Fontes consultadas: Vídeo com entrevista de Richard Simonetti; Entre a Terra e o Céu, de André Luiz, e Justiça Divina, de Emmanuel.