A Ciclotimia Humana - Sidney Fernandes

E aconteceu que, estando ele só, orando, estavam com ele os discípulos; e perguntou-lhes, dizendo:

— Quem diz a multidão que eu sou?

E, respondendo eles, disseram:

— João o Batista; outros, Elias, e outros que um dos antigos profetas ressuscitou.

E disse-lhes:

— E vós, quem dizeis que eu sou?

E, respondendo Pedro, disse:

— O Cristo de Deus.

Lucas, 9:17-20

Não obstante o comprometimento da fidelidade dos textos bíblicos, provocado pelo tempo e pela imperícia dos copistas ou por conveniências políticas e religiosas, o estudo das palavras atribuídas a Jesus nos oferece preciosas reflexões, que somente agora, séculos mais tarde, podemos tentar entender e interpretar, mesmo assim, auxiliados por exegetas do evangelho do porte de Emmanuel, por exemplo.

Mais parecemos o querido missionário Chico Xavier, quando, com a idade de pouco mais de vinte anos, psicografou a monumental obra Parnaso de Além-Túmulo.

— Mas, eu sou um pobre rapaz do mato — dizia Chico no início do seu apostolado, sem entender direito o porquê de tantos comentários em torno da sua obra.

Assim ainda estamos nós, tateando, tentando entender Jesus, assim como Chico Xavier, no começo, procurava interpretar as complicadas comunicações dos eruditos literários portugueses e brasileiros que retornavam.

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 — Quem diz a multidão que eu sou? — indagou Jesus aos discípulos?

Não raramente Jesus era confundido com seu primo, João Batista, que viera para anunciá-lo. O interessante é que os interlocutores, em sua resposta, não apenas se referiram ao filho de Isabel, como também a outros, já mortos, como Elias, ou outros profetas. Sinal claro de que aceitavam a reencarnação.

— E vós, quem dizeis que eu sou? — ao que Pedro respondeu, sem vacilar: — O Cristo de Deus.

— É necessário que o filho do homem — disse Jesus, referindo-se a si mesmo, para deixar claro que não era Deus — sofra muitas coisas e seja rejeitado pelos anciãos, pelos príncipes sacerdotes e escribas, seja morto e ressuscite no terceiro dia.

Chegamos a um dos pontos mais críticos do evangelho. Se minutos antes, diante da decidida aceitação de Jesus como o enviado dos céus, Pedro havia recebido dele um rasgado elogio, pois trouxera a público o fruto de uma revelação divina, oriunda de entidades superiores, agora mudava de tom.

— Deus não o permita, Senhor. Isso de modo algum te acontecerá.

Pronto! Estava feito o estrago. Pedro não resistira ao impacto daquela infausta notícia e, consubstanciando a crença geral de que Jesus seria o Messias que viria virar a mesa, com a espada na mão, para exaltar o povo de Israel como dominador dos povos, reagiu peremptoriamente.

Não passava pela cabeça de Pedro, mesmo reconhecendo o Mestre o escolhido, o anunciado, e o ungido, que ele viesse exaltar a paz, o entendimento, o perdão e a renúncia.

— Afasta-te de mim! Tu és para mim pedra de tropeço, porque não cogitas das coisas de Deus, e, sim, das coisas dos homens — advertiu-o Jesus.

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Caracterizava-se, em Pedro, o que poderíamos chamar de ciclotimia do homem. Isto é, num instante, somos cordatos, pacientes, humildes e calmos. No momento seguinte, somos beligerantes, intransigentes e agressivos.

Para Jesus aquele contraste não era novidade, pois que conhecia muito bem as nuances que caracterizavam — e até hoje persistem — a figura humana, como das suas mais expressivas contradições.

Mudamos de ânimo, oscilando entre o bem e o mal, o entendimento e a discórdia, mais depressa do que trocamos de vestimenta. E essa fragilidade de comportamento caracteriza bem um dos maiores problemas de relacionamento entre os homens.

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— O orvalho num lírio alvo é diamante celeste, mas, na poeira da estrada, é gota lamacenta.

Neio Lúcio, em Jesus no Lar

Como está o nosso recipiente, diante das gloriosas exaltações da Doutrina Espírita, em sua missão de resgate das verdades cristãs?

Receptivo, guardando com cuidadoso zelo em nosso íntimo as revelações divinas, para o uso adequado nos momentos bons e nos tropeços das dificuldades? Ou misturado com nossas imperfeições, que, nos momentos mais críticos, contaminam a pureza dos bens recebidos da espiritualidade?

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Emmanuel faz o diagnóstico do comportamento ciclotímico humano, chamando-o, n’ O Livro da Esperança, de meio bem.

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— Portadores do meio bem, diz Emmanuel, são aqueles que admiram o amor ao semelhante, mas continuam com o apego próprio. Ajudam na administração, mas exigem favores e privilégios. Financiam tarefas beneficentes, mas cobram gratidão e criam problemas. Alimentam necessitados, mas exigem retribuição. Tomemos cuidado com o sistema do meio bem, permitindo que o mal envenene as boas obras. O bem pede doação total para que se realize no mundo o bem de todos.

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Iniciamos este artigo exaltando a fibra, a persistência, a tenacidade e a disciplina de Francisco Cândido Xavier que, apesar de ter sido taxado de medíocre, de portador de precária instrução escolar e de pobre caboclo, deu mostras de extraordinária capacidade intelectual.

Indagará o amigo leitor se Chico Xavier não tinha seus momentos de ciclotimia —, isto é, se não era ora feliz e otimista, ora ansioso e triste e, no mais das vezes sofrendo as dores de suas doenças. Sim, é bem provável que sim. Mesmo aí, em seus momentos difíceis, todavia, o mineirinho de Pedro Leopoldo nos proporcionou preciosos exemplos:

— Não sei dizer quantas vezes eu vim para a reunião com uma certa tristeza… Ouvindo a dor de tanta gente, a minha era insignificante.

Chico Xavier

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E Hippolyte Léon Denizard Rivail? Teve seus momentos de instabilidade emocional?

Perguntou-lhe o personagem Ronan Du Bois, em meu livro Luzes em Paris:

— Professor, os homens não o poupam de críticas, das mais ferinas, sobretudo sobre suas ideias mais recentes. Como o senhor consegue se manter em condições propícias para dar continuidade à sua grande obra?

Respondeu Allan Kardec:

— Quando me sobrevém uma decepção ou contrariedade qualquer, procuro me elevar pelo pensamento, coloco-me acima da humanidade e antecipadamente na região dos Espíritos. E desse ponto culminante, donde diviso um dia minha chegada, as misérias da vida deslizam por sobre mim sem me atingirem. Esse meu modo de proceder já se tornou tão habitual que os gritos dos maus não mais me perturbam.

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Espelhemo-nos nos exemplos de Allan Kardec e de Chico Xavier — cujos percalços eram infinitamente superiores aos nossos —, e em Jesus — por seus injustos sofrimentos vividos no drama do calvário —, sem nos esquecermos de que os três encontravam-se em patamar evolutivo muito acima do nosso.

Eventuais vacilos, altos e baixos e ciclotimias, representarão fraquezas a serem evitadas com a velha fórmula cristã:

— Orai e vigiai, para não cairdes em tentação.

Mateus, 26:41

E para encerrar, que tal atentarmos para o conselho de um humorista que muito nos alegrou e que muito nos ensinou?

— Há um provérbio chinês que diz o seguinte: “a preocupação é uma ave que pousa na nossa cabeça. A sabedoria da vida é não deixar que essa ave faça ninho”.

Agildo Ribeiro