A Vidente - Sidney Fernandes

O amigo leitor deve ter estranhado o título deste artigo, mas vou narrar um caso que, se eu não o tivesse vivido pessoalmente, não teria coragem de contá-lo.

Entrei num restaurante, desses bem movimentados, em que, nos finais de semana, você precisa aguardar alguns minutos ou até horas, na fila de espera, para ser atendido. Quando finalmente chegou nossa vez, Margarida, a atendente, disse-nos, sem qualquer constrangimento:

— Desculpem-me, mas hoje o lugar predileto de vocês já está ocupado.

— Você consegue saber as preferências de cada cliente? — falei, brincando.

— De todos não, mas dos mais assíduos, sim. Não se preocupem, já examinei a mesa de vocês e está tudo certo.

— Como assim, tudo certo? A mesa já está arrumada, é isso?

— Sim, já está arrumada, mas quis dizer que o ambiente à volta de vocês será bem favorável.

— Ainda não estou entendendo —, disse minha esposa, sorrindo.

— Bem, para vocês eu posso falar abertamente, pois sei que o senhor é espírita e até assisto às suas palestras, de vez em quando. É que eu sou médium vidente e fico observando meus clientes. Quando noto alguma vibração dissonante, troco-os de mesa.

Nem preciso lhe dizer, caro leitor, da minha surpresa. Nem tanto pela sensibilidade de nossa atendente, mas pela coragem de ela se manifestar como médium, em local não exatamente apropriado para uma manifestação ou contato com os espíritos. Será que estamos vivendo outros tempos, em que as pessoas já estão tendo a coragem de se declararem sensitivas ou até mesmo médiuns espíritas?

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Em belíssimo artigo intitulado Espíritas mais ou menos, publicado pela Revista Internacional do Espiritismo em julho de 2019, o autor, Octávio Caúmo Serrano, fala a respeito dos caminhos que levam o homem ao Espiritismo e da coragem de muitos adeptos de outras religiões por se interessarem e até frequentarem outros templos religiosos.

Temos de admitir que os tempos atuais são bem mais amigáveis do que os vividos pelo professor Rivail, quando, corajosamente, abriu mão de seu conforto financeiro e social e se tornou Allan Kardec.

Lembro-me, por exemplo, de um sugestivo episódio, em que um sacerdote católico tornou-se propagandista de certos ruídos e teceu severas críticas ao codificador, dizendo que ele saiu pobre de Lyon para se tornar rico em Paris. Allan Kardec, que normalmente não se dava ao trabalho de responder a essas malucas acusações, desta vez contestou, com longa carta, da qual tirei pequeno trecho, que aqui reproduzo:

— Para começar, jamais morei em Lyon, portanto, não vejo como lá me tivessem conhecido pobre. Quanto à minha equipagem de quatro cavalos, sinto dizer que se reduz aos sendeiros[1]de um fiacre[2], que tomo apenas cinco ou seis vezes por ano, por economia. Se o senhor padre quer apenas dizer a verdade, estou pronto a fornecer-lhe verbalmente todas as explicações necessárias ao seu esclarecimento[3].

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O professor Rivail passou, no entanto, por muitas alegrias e surpresas agradáveis. Uma dessas situações aconteceu com o Doutor Grand, católico, homem íntegro, de caráter ilibado e de irrepreensível conduta.

Doutor Grand conheceu as ideias codificadas pelo professor Rivail e, sem deixar de ser católico, fez questão de conhecê-lo e de ler seus escritos. Escreveu uma carta, cuja publicação autorizou, em que reconhece Rivail como um homem essencialmente positivo.

Certa ocasião, quando ele se encontrava na residência do professor lionês, notou que ele recebia uma correspondência muito numerosa.

— Os autores destas cartas me são, na maioria, desconhecidos, mas eis aqui um, e eu conheço muitos, que estão na mesma situação, que sem o Espiritismo teria se suicidado. Acreditais que uma só dessas cartas não compensa, de sobra, algumas maldades de que fui alvo? — disse o professor Rivail, que concluiu a conversa com Dr. Grand, dizendo:

— De outra parte, o doutor verá agora inúmeras outras cartas que recebo diariamente com expressões de indizível felicidade, do reconhecimento das mais tocantes consolações, que inúmeras pessoas vêm encontrando na Doutrina Espírita.

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Teríamos chegado a esse tempo em que as pessoas, espontaneamente, já estejam se surpreendendo com a lógica e a clareza da Doutrina Espírita, capazes de aclarar suas dúvidas, de motivá-las a perdoar, a praticar a caridade, além da esmola e do dízimo? Muitos desses começam a entender que a salvação e o milagre não serão obtidos em função de promessas, rituais e esmolas e, sim, quando se tornarem mais solidários e indulgentes.

Videntes, irmãos de outras crenças, simpatizantes e trabalhadores do Espiritismo: a Doutrina Espírita poderá fazer muito por todos eles. Fará também muito bem por mim, por você, caro leitor, se aceitarmos e quisermos abraçar o Espiritismo por inteiro, trabalhando com ele e por ele.

Allan Kardec assegurou, ao lançar o Evangelho Segundo o Espiritismo, que o Espiritismo seria a religião que assessoraria todas as outras que se dispusessem a estudá-la, desde que sem preconceitos ou más intenções.

Predita foi a transformação da Humanidade e vos avizinhais do momento em que se dará, momento cuja chegada apressam todos os homens que auxiliam o progresso[4].

Trabalhemos, pois, todos nós, com fé e boa vontade, com ânimo e zelo na grande obra da regeneração[5].

 

 


 
 
[1] Cavalos velhos e sem forças.

[2] Carruagem de aluguel.

[3] Revista Espírita, junho de 1862.

[4] Questão 1019, de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec.

[5] Nota do autor: consultei, e dele adaptei algumas partes, o artigo Espíritas mais ou menos, de Octávio Caúmo Serrano, publicado pela RIE – Revista Internacional do Espiritismo —, em julho de 2019.