Espirituosamente, um antigo corcunda da antiguidade costumava dizer que os homens carregavam dois alforjes. No das costas levava, discretamente, os próprios defeitos. No da frente, acintosamente, ostentava os defeitos alheios.
Metaforicamente, poderíamos dizer que o mesmo ocorria com os homens de saber.
No compartimento dianteiro, levavam as falsidades convencionais, que, segundo seus julgamentos, o povo estava preparado para conhecer. Bem escondidas, no compartimento traseiro, acumulavam e transportavam as verdades de seu saber.
Se algum sabidinho atrevia-se a apresentar qualquer dúvida filosófica, como, por exemplo:
— Como explicar que uma inocente criança nasça cega?
O curioso recebia uma das respostas adrede preparadas:
— Mistério divino, vontade do Criador, dogma indevassável ou qualquer outra lorota, como pecados dos antepassados, ou ainda, escolha da divindade, para que aquela criatura fosse conduzida direta e rapidamente para o céu.
Como se Deus privilegiasse alguns escolhidos ou o conhecimento fosse fruto proibido, como sugere a inverossímil fábula adâmica.
Epicuro, filósofo grego do período helenístico, foi um desses chatos que se atreveu a pensar. Diante de supostas injustiças divinas, raciocinava:
— Ou Deus quer eliminar o mal do mundo e não pode, ou pode e não quer. Se quer e não pode, é impotente. Se pode e não quer, é perverso. Se não pode e não quer, é impotente e perverso. Se pode e quer, por que não o faz?
Se vivesse na Idade Média, Epicuro estaria frito, literalmente, pois os curiosos não raramente eram torturados e queimados.
O grande problema é que nos tempos atuais começou a aumentar o número de curiosos, cujas perguntas, cada vez mais inteligentes e instigantes, não têm respostas convincentes da parte dos que deveriam, por obrigação de ofício, conhecer, orientar e esclarecer.
Pensam, talvez, que ainda estão na antiguidade, e podem expor somente as verdades convencionais do alforje dianteiro, guardando para si próprios as verdades definitivas, no alforje traseiro.
Se estivéssemos na época de Jesus, talvez alguns desses intrometidos, à moda de seus discípulos, poderiam perguntar, como o fizeram, diante de um cego congênito:
— Quem pecou para que esta criança nascesse cega? Seus pais ou ele mesmo?
Por que os pais? Absurda crença judaica de que os descendentes herdavam os pecados dos pais. Como essa resposta a ninguém convenceria nos tempos atuais, restaria a outra impertinente alternativa relativa aos pecados do próprio deficiente visual.
Mas, espere aí. A criança não teve tempo para pecar, pois nasceu cega! Obviamente, quem assim perguntasse obrigaria o interpelado a abrir o alforje traseiro para honestamente informar que somente no passado, antes do nascimento, isto é, em vida anterior, estariam as causas daquela deficiência.
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Talvez o leitor não aceite os textos bíblicos. Nesse caso, atente para um caso real de reencarnação, que foi transformado no famoso filme Reencarnação de Manika.
Vejamos a sua sinopse:
Em pequeno vilarejo indiano, a menina Manika não se cansa de contar histórias sobre a sua vida passada, que teria ocorrido em uma cidade do Nepal. As histórias são tão ricas em detalhes que o padre do vilarejo decide levá-la até o Nepal.
Manika lembra-se do nome daquele que foi seu marido e o reconhece, sem qualquer ajuda. Encontra a loja em que trabalhava, a casa em que vivia e reconhece os seus parentes da vida anterior. Além disso, recorda diálogos que manteve com o marido, que eram somente do conhecimento de ambos.
Temos aqui uma forte evidência da reencarnação que foi estudada e recebeu o aval de cientistas respeitados, como os doutores H. N. Banerjee e Hernani Guimarães Andrade.
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E há os argumentos filosóficos, insofismáveis e incontestáveis.
Como justificar as diferenças físicas, sociais, intelectuais ou financeiras entre os homens? Por que alguns nascem nos mais sofisticados centros culturais, rodeados de progresso e oportunidades e outros nascem em regiões extremamente carentes? Por que nascem crianças perfeitas e outras com deficiências congênitas? Como explicar os grandes gênios que, desde a infância, parecem nascer sabendo?
Somente com a chave mágica da reencarnação, irmã gêmea da lei de causa e efeito, resolveremos essas questões, com a compreensão de que o espírito vive muitas vezes e de que a nossa vida presente foi determinada pela maneira como vivemos no passado.
Caberá aos homens de saber livrarem-se dos preconceitos e dos interesses pessoais, passando a portar apenas um alforje, contendo as verdades que consolam e orientam o ser humano, para que este cumpra os desígnios divinos através da mais preciosa oportunidade concedida por Deus: a vida.
Referências: Revista Espírita de abril de 1863, Allan Kardec; A Reencarnação de Manika, filme da Versátil Vídeo Spirite; Fundamentos da Reencarnação, Richard Simonetti.