Atrasados, primitivos ou degenerados? - Sidney Fernandes

Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará.

Gálatas, 6:7

Hoje estou apavorado porque descobri que eles não são atrasados, nem são primitivos. São degenerados!

Jorge Luis Borges, escritor argentino.

Não importa! Sejam os erros cometidos por ignorância, ingenuidade ou por deliberada má intenção, com circunstâncias atenuantes ou agravantes, em vidas passadas ou na encarnação presente, a justiça de Deus sempre atinge o infrator. Não há falta ou infração sem consequências forçosas e inevitáveis.

 ([1])

Ele era um dos melhores médicos da região. Obstetra, cuidou de um sem número de parturientes, recém-nascidos e familiares. Foi realmente com muita surpresa e pesar que, depois de vinte anos de trabalho em favor da comunidade, o competente médico veio a sofrer um acidente vascular isquêmico, também chamado de derrame, com severo dano cerebral.

O bom facultativo entrou em estado vegetativo persistente, aparentemente sem consciência. Permaneceu assim por mais de vinte anos, sob a vigilância e tratamento constante de familiares e assistentes especializados. E seu Espírito, como estaria?

Certa feita, estava a família numa reunião mediúnica, quando se manifestou o dirigente espiritual:

— Sua alma prende-se ao corpo por laços materiais, não, porém, por laços espirituais, que sempre podem ser afrouxados. Gostariam de falar com ele? Desde que revestida de respeito, bons sentimentos e muita cautela, a comunicação será possível. Sugiro que o diálogo seja realizado pelo nosso irmão dirigente dos trabalhos, para que a emoção dos familiares não turve o seu conteúdo.

— O amigo tem consciência de seu estado atual? — começou o dirigente.

— Não com a plenitude de minha consciência. O carinho de meus queridos, porém, jamais me passa despercebido. 

— Tendo tido uma existência profícua, dedicada à saúde e a minimização das dores de inúmeras criaturas, por que razão o irmão encontra-se nesse atual estado de inconsciência?

 — Por causa de minhas existências precedentes. Não por acaso, pedi a Deus que me colocasse nesta situação, prevista desde antes do meu nascimento.

— O caro irmão tem ideia do tempo que ainda permanecerá conosco?

— Diga aos meus filhos que minha prova dolorosa está se findando. Agradeço muito as demonstrações de carinho e reconhecimento que todos têm tido comigo.

Com efeito, poucos dias depois dessa manifestação, o bom médico desencarnou. A comunicação, com a presença dos filhos, foi a sua despedida, antes de partir para a libertação da espiritualidade.

***

Todo efeito tem uma causa. E se essa causa não pode ser encontrada na vida atual, com certeza, precisará ser procurada em vida anterior à esta.

Afinal, ainda somos Espíritos atrasados, primitivos ou degenerados? Roguemos a Deus e aos bons Espíritos que nos conduzam para o caminho da redenção, arrependidos do passado culposo.

Oxalá cada um de nós já possa dizer, em alto e bom som:

— Perdoe-me, Pai, porque pequei. Faça-se em mim a sua vontade para que eu, definitivamente, aprenda a seguir suas leis, porque me distanciei dos objetivos da criação.

— Que eu possa Senhor, provar a sinceridade do arrependimento de minhas faltas, vivendo plenamente o seu Evangelho, em todos os dias da minha vida. E dessa forma, ao fim do meu exílio terrestre, possa o mundo dos Espíritos se abrir para minha nova vida.

 

 


  ([1]) Adaptado do caso Charles de Saint-G, contido no Cap. VIII, Segunda parte, de O Céu e o Inferno, de Allan Kardec.