Adivinhações e seus perigos - Sidney Fernandes

ADIVINHAÇÕES E SEUS PERIGOS
Sidney Fernandes 14-99772-5892


— Alô, Paulo. Estou com muitas dúvidas para fazer minhas aplicações. Poderia me orientar?
Quem assim se expressava era o empresário Nélson Augusto Cavalcante, que se valia há vinte anos da experiência da consultoria mantida por Paulo Eduardo, um analista em investimentos acionários.
— Nélson, desta vez eu também não sei o que fazer e até vou me valer de uma consultoria nada ortodoxa, pois as informações de que disponho não estão adiantando muito.
— Do que você está falando?
— De madame Sofia. Já ouviu falar? Quando a coisa aperta, recorro a ela, sempre com sucesso.
— Posso acompanhá-lo?
E foi assim que os dois homens entraram no consultório, frequentado por altas figuras sociais e do mundo dos negócios.
Sofia colocou cartas na mesa e disse que tinha excelentes notícias, que, no entanto, ainda estavam envoltas por uma névoa,
que precisaria ser retirada. Interessados, os dois empresários pegaram uma lista de itens a serem adquiridos, para que ela pudesse aclarar suas revelações. Coincidentemente, todos os artigos solicitados estavam à disposição numa lojinha que a cartomante mantinha em sala contígua ao atendimento.
Em menos de dez minutos os cavalheiros estavam de volta com tudo o que haviam comprado, por preços exorbitantes, para
obter as secretas informações do mercado financeiro.
Assim que Sofia jogou os búzios, defumou o ambiente e fumou alguns charutos, disse que estava pronta para receber as
informações privilegiadas dos orixás.
Os investidores deveriam esperar por uma semana e, logo depois que a bolsa despencasse fragorosamente, movida por
desequilíbrios asiáticos, deveriam aplicar vultosa importância, aproveitando-se do baixo preço das ações.
Nélson olhou, em indagação silenciosa, para Paulo, que fez sinal de sigilo, e se retiraram. Assim que se viram a sós, Paulo abriu o jogo:
— Madame Sofia disse exatamente o que eu estava pensando.
Está confirmando minhas análises. Vamos seguir suas orientações.
E foi assim que, com informações privilegiadas do além, ambos abiscoitaram uma grande bolada, na audaciosa operação que
realizaram ao comprar grande quantidade de títulos do mercado aberto. O investimento com Madame Sofia havia compensado e havia lhes proporcionado lucro centenas de vezes maior do que haviam gasto com o trabalho.
***
O que a Doutrina Espírita esclarece sobre esse assunto?
Espíritos sérios não fazem previsões exatas e muito menos do momento preciso em que os fatos poderão ocorrer. Eles guardam silêncio sobre as informações que não podem ser reveladas.
Por outro lado, aqueles que solicitam o que não pode e não deve ser dito pela espiritualidade superior são atendidos por
espíritos e médiuns levianos, que assumem o protagonismo e, por interesse ou por divertimento, produzem informações mentirosas, derivadas do charlatanismo.
Intrigado, o caro leitor poderá perguntar:
— No caso de Madame Sofia e os empresários, todos se saíram bem. Ali também houve enganação?
Os oráculos de hoje, representados por médiuns interesseiros, pais de santo oportunistas, cartomantes, quiromantes e outros,
geralmente falam de generalidades, chutando várias previsões, com grande probabilidade de que algumas venham a se concretizar.
Se fizerem dez previsões superficiais, relacionadas sobre as várias circunstâncias da vida, terão grandes chances de demonstrar suposto poder premonitório.
O que aconteceu no caso de Madame Sofia?
Dotada de grande sensibilidade e, mais do que isso, de grande perspicácia, Madame Sofia conseguiu ler o pensamento de um dos consulentes e pôde dizer exatamente o que esperavam dela. Daí um deles dizer, à saída do consultório:
— Madame Sofia disse exatamente o que eu estava pensando.
Em nossa mente estão registrados alguns planejamentos que fizemos antes e durante a atual encarnação, dados relacionados
com família, emprego, profissão, habilidades e dons inatos que portamos.
No entanto, jamais poderão ser feitas afirmações taxativas, porquanto a vida é dinâmica e susceptível de mudanças, em função
de nossos méritos e atitudes.
Ainda que outrora programados, nenhum mal é inevitável, pois nosso suposto destino poderá ser modificado pela renovação e
empenho no bem, favorecendo uma existência melhor do que a inicialmente prevista.
O conhecimento a respeito do mercado financeiro do personagem Paulo, analista financeiro, foi imediatamente captado
pela adivinha e devolvido em forma de previsão, depois de, digamos assim, garantir merecida remuneração por seus
inestimáveis préstimos.
***
Isso significa que todos os sonâmbulos sejam mentirosos e levianos, e que jamais os espíritos possam dar alguma informação
confiável? Calma lá, amigo leitor. Não é bem assim.
Pode acontecer que espíritos sejam autorizados a nos fazer conhecer algo que nos seja necessário ou tenha um objetivo útil
geral. Previsões pessoais devem ser recebidas com muito cuidado, pois, no mais das vezes, carecem de autenticidade. Diz Kardec que espíritos levianos se divertem com isso, assim como crianças travessas.
***
Conheçamos agora um exemplo apresentado por Allan Kardec, na Revista Espírita, como um autêntico caso de
sonambulismo. Na verdade, mesmo aqueles que aceitam a clarividência entendem que ela não vai além da transmissão ou
intuição do pensamento dos presentes. É claro que isso pode e acontece muitas vezes. Mas o sonâmbulo é sempre influenciado
pelos pensamentos dos que o circundam? É que veremos agora em um dos milhares de casos estudados pelo codificador.
***
Narra Allan Kardec o episódio do desaparecimento do Sr. Marillon. Tudo o que se possa pensar havia sido feito para localizálo.
Sua situação financeira e comportamento não sugeriam a hipótese de suicídio. Por outro lado, o fato de ele ter saído com
grande importância em dinheiro para efetuar um pagamento levantavam a possibilidade de roubo.
Onde e como teria ocorrido o suposto crime? Sua filha, ansiando por uma resposta, recorreu à Sra. Roger, que gozava da
confiança de Allan Kardec, e que já havia dado mostras de lucidez e honestidade. Assim que se concentrou, a médium teve clara e preciosa visão, que os espíritos lhe facultaram.
Viu nitidamente o Sr. Marillon saindo de casa exatamente às três horas da tarde e iniciando seu retorno às sete horas da noite.
Em dado momento, notou que, durante o caminho de volta, ele desceu até às margens do Rio Sena para atender necessidades
pessoais.
Naquele exato instante, sofreu um acidente cerebral que o lançou de encontro às pedras, que lhe provocaram imediato e
considerável corte na testa. Ato contínuo, rolou para a água, tendo o seu corpo levado pela correnteza.
Onde estaria o seu corpo, para confirmar aquela fantástica história? A sonâmbula apontou a localização exata, muito abaixo
do local onde Sr. Marillon havia sofrido o acidente, distante das buscas que as autoridades haviam realizado.
Ainda encontrava-se com algum dinheiro e chaves no bolso e, tal qual a sensitiva havia revelado, com um grande ferimento em
sua testa, que, ao lado do acidente vascular, havia sido o motivo de sua morte, descartando-se, definitivamente, as hipóteses de crime e suicídio.
***
Fiquemos com as palavras de Kardec:
Diante de tantos detalhes, perguntamos onde se poderia ver a transmissão de um pensamento qualquer se a independência
sonambúlica foi evidente? Se o sonâmbulo só diz o que sabeis, é incontestável que é o vosso pensamento que ele traduz; mas se, em certos casos, diz o que ignorais, contradiz vossa opinião e vossa maneira de ser, torna-se evidente a sua independência, não seguindo senão o seu próprio impulso.
***
Como vemos, caros leitores, Allan Kardec observava assiduamente, com perseverança, todos os fenômenos que lhe eram
apresentados, a fim de lhes captar todos os ângulos, o que, muitas vezes, escapava aos demais observadores. Somente atestava a veracidade do fenômeno da clarividência quando tinha suficientes elementos probatórios que o convencessem. Daí o imenso respeito que a ele devemos, pela monumental obra que nos legou.


Referências: Para rir e refletir e Espiritismo, uma nova era para a humanidade, de Richard Simonetti;
Revista Espírita, novembro de 1858; O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec