Alguém consegue amar o inimigo ? - Sidney Fernandes

ALGUÉM CONSEGUE AMAR O  INIMIGO?

-Sidney Fernandes 


Aprendestes que foi dito: “- Amareis o vosso próximo e odiareis os vossos inimigos.” Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos!
Mateus, 5:43 e 44
— Eu realmente tentava entender o que Jesus queria dizer. Insistia que amássemos nossos inimigos. Para mim aquilo era pior do que absurdo...
Quem assim se indignou foi o personagem de O Monge e o Executivo, de James C. Hunter.
E se bem pensarmos, como poderemos fabricar uma emoção como o amor, principalmente com relação a pessoas que nos fizeram mal e que
continuam sendo nada amáveis?
Socorri-me em Kardec que, no capítulo XII de O Evangelho Segundo o Espiritismo, esclarece que nem mesmo Jesus esperaria que tivéssemos, pelo inimigo, a mesma afeição que temos por uma pessoa querida.
Amar o inimigo seria, em síntese, desejar-lhe o bem e não o mal, sem ódio, rancor ou desejos de vingança, e socorrê-los, em se apresentando ocasião, sem opor qualquer obstáculo a uma eventual reconciliação.
Para dizer a verdade, apesar da saída honrosa apresentada por Kardec, nunca esperei encontrar, na atual encarnação, algum santo disposto a seguir tais disposições.
O máximo factível seria, pensava eu, esquecer o desafeto e tocar a minha própria vida, deixando que ele acertasse com a providência divina o mal que me causou.
Como, porém, me perguntava, experimentar júbilo e não pesar por suas desgraças? Socorrê-lo? Abster-se de prejudicá-lo? Improvável! — Acho que
neste planeta não encontrarei esse "santo".
Encontrei!
Silvinho Bala! Bom de bola. O apelido lhe foi dado pela habilidade e velocidade no futebol. Quando tocava a bola pelo lado direito, não havia
adversário que o segurasse. Quase sempre a jogada acabava em gol.
Já nasceu com bom coração. Espírito elevado, nunca deu trabalho para a mãe.
Mesmo sem ser o filho mais velho, foi ele que assumiu os irmãos quando faltou o pai.
A mesma habilidade que tinha com a bola se refletia nos seus trabalhos artísticos. Em pouco tempo já soube que na vida profissional trilharia o caminho dos desenhos e das criações publicitárias.
Adulto, montou pequena agência de propaganda, que lhe garantia a sobrevivência e o fazia sentir-se realizado no campo artístico.
Tudo ia bem, até conhecer Pedrão que, a pretexto de imprimir melhor organização e eficiência à pequena empresa, insinuou-se nos negócios de Silvinho. E até que ajudou mesmo.
Afinal de contas, Silvinho Bala sabia criar, mas não sabia cobrar. Inúmeros trabalhos foram feitos pelo simples prazer de criar. E algumas pessoas até se aproveitavam do talento e da generosidade de Silvinho.
— Agora chega! — Acabou a mamata! - decretou o novo sócio.
Silvinho estranhou um pouco a agressividade de Pedrão, mas os irmãos mais próximos concordaram. Alguém precisava pôr a casa em ordem mesmo.
Os negócios cresceram. E com eles a ambição de Pedrão. Até que um dia a casa caiu.
Ao chegar ao seu local de trabalho, Silvinho encontrou as portas fechadas, as chaves trocadas e uma forte resistência de Pedrão.
— Aqui você não entra mais. Agora quem manda sou eu.
Orientado por desonesto advogado, Pedrão engendrou mudança na razão social, a pretexto de diminuir as despesas com impostos, e passou a
empresa para o nome de sua filha.
De uma hora para outra, Silvinho perdeu tudo: computadores, clientes, local de trabalho e, principalmente, as suas mais caras criações publicitárias.
E a coisa não parou por aí. Ameaças telefônicas, e algumas frente a frente, aterrorizam a vida de Silvinho. E ele, que não era de briga, simplesmente mudou-se para outra cidade e começou nova vida.
Em pouco tempo, Silvinho voltou a crescer. E, em pouco tempo, Pedrão começou a encolher. As criações artísticas de Silvinho eram inimitáveis.
E nesse tipo de negócio o que conta é a criatividade. Pedrão se esquecera de que o talento não pode ser roubado.
Nossa história poderia parar por aqui. No entanto, além de nunca ter tomado nenhuma providência contra Pedrão, Silvinho nunca o considerara inimigo ou desafeto. No máximo admitia que o ex-sócio tinha outro ritmo, diferente do seu. Mas nunca quis o seu mal. Ele que se entendesse com o plano divino. Chegara, inclusive, a tentar uma reconciliação. Mas, Pedrão, achando que Silvinho estaria armando
alguma represália, não quis saber de conversa. 
A empresa de Pedrão simplesmente naufragou. Até que um dia ele reapareceu. Estava desesperado. Contas a pagar, processos trabalhistas e dívidas em vários bancos. Estava ali porque um grande cliente o procurara. Oferecia grande trabalho que poderia salvar a empresa de Pedrão. Mas, havia um detalhe: exigia que as criações fossem feitas por Silvinho.
Ajoelhado, chorando, Pedrão pedia perdão e a ajuda de Silvinho.
E pasmem, senhores leitores, Silvinho passou algumas semanas trabalhando dia e noite para o seu maior inimigo.
Concluído o trabalho, Pedrão caiu em si e disse: — Silvinho. Não tenho como pagar esse maravilhoso trabalho.
Silvinho simplesmente disse: — É um presente. Espero que você consiga salvar sua empresa.
Foi a conta para desmontar o brutamontes Pedrão, que desandou a chorar, dizendo: — Não entendo.
Prejudiquei tanto sua vida e ainda assim você me ajuda? Deus o abençoe, Silvinho...
Esta história aconteceu há mais de vinte anos. Tomei a iniciativa de saber da vida de Pedrão.
Encontrei-o pobre, doente e falido.
Está com câncer ósseo. Tem um tipo de tumor que se iniciou em seu pulmão e atingiu violentamente os seus ossos.
Suas dores são lancinantes. Nem mesmo com morfina tem alívio. Está em fase terminal.
Silvinho casou-se e teve três filhos.
Nenhum deles é bom de bola, mas todos adoram o pai e trabalham com ele em sua agência de publicidade.
Feliz, diz que não trabalha. Pagam para ele fazer aquilo de que mais gosta.
A caridade é paciente; é branda e benfazeja; a caridade não é invejosa; não é temerária, nem precipitada; não se enche de orgulho; - não é desdenhosa; não cuida de seus interesses; não se agasta, nem se azeda com coisa alguma; não suspeita mal; não se rejubila com a injustiça,
mas se rejubila com a verdade; tudo suporta, tudo crê, tudo espera, tudo sofre. Agora, estas três virtudes: a fé, a esperança e a caridade permanecem; mas, dentre elas, a mais excelente é a caridade.
Paulo, 1ª Epístola aos Coríntios