AMOR PURO E VERDADEIRO
- Sidney Fernandes
E eis que em teu ventre conceberás e darás à luz um filho, e por-lhe-ás o nome de Jesus. Lucas 1:31
Raras são as aparições de Maria no Evangelho: anunciação, nascimento e adolescência de Jesus, nas bodas de Caná, diante da
cruz e no cenáculo, com os discípulos.
Não obstante, é a personagem mais reverenciada. Chegou a ser cultuada, na Idade Média, mais do que o próprio Jesus.
A Doutrina Espírita a reconhece como Espírito Superior que se deslocou de esferas superiores, para cumprir a extraordinária
missão de viabilizar a encarnação do Mestre Jesus. Allan Kardec a classifica de Espírito puro, não vinculado aos compromissos cármicos terrenos, que encarnou na Terra para impulsionar o seu adiantamento. Uma mãe espiritual, dedicada e atenciosa, que nos atende até hoje nos momentos difíceis, sempre que recorremos à sua bondade.
Maria, mãe de Jesus, pela sua obediência, fidelidade e pelo profundo e verdadeiro amor dedicado ao seu filho e a toda
humanidade, representa um grande número de mulheres que tiveram grande importância na vida e na história de muitas
criaturas.
Quando André Luiz, já socorrido em Nosso Lar, começou a tomar consciência de sua real situação, estranhou a ausência de
sua mãe. Desabafou com Lísias, o enfermeiro e companheiro que passou a orientá-lo, que ela não havia dado sinal de vida.
Foi a partir daí que André ficou sabendo que o interesse maternal jamais havia lhe faltado. Surpreendeu-se ao saber que
havia permanecido mais de oito anos consecutivos nas esferas inferiores. Assim que desencarnara, o Mentor Clarêncio tratou de localizá-lo, a pedido de sua mãe, para lhe prestar socorro.
Foi fácil Clarêncio encontrar André. O difícil foi ele despojar-se da túnica de médico vaidoso para poder encontrar
Clarêncio.
Descobriu também que sua mãe vivia em esferas superiores à Terra e lá trabalhava, não somente para ele, seu filho, mas em
favor de outros inúmeros sofredores.
E, como se sabe, somente tempos mais tarde, à custa de muito trabalho e esforço, André adquiriu o mérito de reencontrar
sua querida mãe.
Ainda um garoto de dezessete anos, católico, Divaldo Pereira Franco, o grande tribuno e desbravador espírita, foi
procurar o padre de sua confiança.
Buscava sua orientação e socorro. O demônio o acompanhava e perseguia. Confuso, descreveu a aproximação de
um Espírito.
— Como pode o diabo entrar na sacristia? – perguntou ao padre.
O padre era um homem honesto, correto e queria muito ajudar Divaldo e diminuir suas inquietações.
— O demônio às vezes nos perturba para testar a nossa fé.
Quando não consegue, abandona.
No entendimento de Divaldo, tudo era alucinação.
— Olha, o diabo está vindo – insistiu Divaldo – e é mulher!
— Você vê algum sinal particular no rosto dela? –
perguntou o padre.
— Vejo uma verruga acima do lábio.
— E o que mais?
— Vejo um xale sobre os ombros, com pontas, um xale negro de xadrez.
— Fique tranquilo, Divaldo. Não é o diabo. É minha mãe!
Divaldo perde a consciência. Ao despertar, toma conhecimento de que, por seu intermédio, o padre havia conversado com sua mãe.
—Divaldo, mamãe veio me alertar. A sua missão não é aqui.
Vá seguir a tarefa que Deus lhe confiou, porque o bem está em todo lugar. Faça o bem, meu filho, porque a verdadeira religião é aliviar o sofrimento alheio.
Como vemos, o trabalho das mães é incansável. A partir desse acontecimento Divaldo integrou-se lentamente ao
Espiritismo.
Gregório havia cometido hediondos crimes da inteligência.
Depois da morte, especializara-se em oprimir ignorantes e infelizes. Liderando perigosa organização de transviados morais,
detinha a confiança de gênios cruéis. Tornara-se grande sacerdote em mistérios escuros e chefiava condenável falange de
centenas de espíritos cristalizados no mal.
Quem seria Gregório? Um chefe tirânico ou um ídolo vivo saturado de misterioso poder?
A breve descrição acima é uma síntese da extraordinária narrativa de André Luiz, no livro Libertação, na psicografia de
Francisco Cândido Xavier. A história é belíssima e retrata a glória, nas trevas, do terrível Gregório e seu intenso trabalho de
perseguição a Margarida e seus familiares.
Através dos recursos utilizados pelo plano espiritual, consegue-se a libertação de Margarida, sua família e de muitos
outros Espíritos infelizes envolvidos no processo.
Quando Gregório toma conhecimento do fracasso da missão que tão cuidadosamente havia planejado, revolta-se.
Acompanhado de diversas falanges de entidades trevosas, parte para vingar-se do mentor Gúbio.
Gúbio convoca seus companheiros a se reunirem em um círculo de orações, alertando a todos que de nada adiantariam
pensamentos de ódio e vingança. Todos deveriam enxergar Gregório e seus parceiros como irmãos presos em ignorância.
Chegam Gregório e seus aliados de aspecto monstruoso.
— Miserável hipnotizador de servos ingênuos, onde se alinham tuas armas para o duelo desta hora? Não contente em
prejudicar-me os projetos mais íntimos, num problema de ordem pessoal, aliciaste numerosos colaboradores meus, em nome de um Mestre que não ofereceu senão sarcasmo, martírio e crucificação!
Gúbio se mantém calmo, sereno e em oração. E quando Gregório se prepara para atacá-lo, uma voz se faz ouvir na
atmosfera:
— Gregório, não enregeles o coração quando o Senhor te chama, por mil modos, ao trabalho renovador! Para a tua alma,
filho meu, findou a noite em que a tua razão se eclipsou no mal. A ignorância pode muito; no entanto, é simples nada, quando a sabedoria espalha os seus avisos.
Gregório está confuso.
— Como pudeste esquecer, por alguns dias de autoridade efêmera na Terra, as nossas redentoras visões do Cristo angustiado na cruz?
— Sou Matilde, alma de tua alma, que, um dia o adotou por filho querido e a quem amou como dedicada mãe espiritual.
Gregório, tentando ficar em pé, grita:
— Não creio! Não creio! Estou só! Consagrei-me ao serviço das sombras e não tenho outros compromissos. Quem és tu? Anjo
ou demônio, aparece e combate. Aceitas o meu desafio?
— Sim... – responde Matilde, com ternura e humildade.
— Cadê a tua espada?
— Tu a verás em breve – responde Matilde, calma e serena.
— Eu não tenho outra espada, senão a do amor com que sempre te amei.
E de súbito desvelou o semblante, revelando-lhe a individualidade, sob intensa luz.
Contemplando então sua beleza suave e sublime, banhada de lágrimas, e sentindo as irradiações dos braços que se lhe abriam,
Gregório deixa cair a lâmina e, de joelhos, brada:
— Mãe! Minha mãe! Minha mãe!...
A mãe benfeitora recolhe em seus braços o filho que, por instantes, volta à fragilidade infantil. Iniciara-se, finalmente, a sua
libertação.
Há muito tempo viviam um rei e uma rainha, que em todos os dias diziam:
“— Ah, se nós tivéssemos uma criança!”, e nunca conseguiam uma.
Aí aconteceu que, uma vez em que a rainha estava se banhando, um sapo rastejou para fora da água e lhe disse:
“— Seu desejo será realizado; antes que se passe um ano, você dará à luz uma menina”.
Assim começa o famoso conto de fadas de autoria de Jacob e Wilhelm, os famosos Irmãos Grimm, denominado A bela
adormecida.
É uma história bem conhecida, com os seus elementos consagrados: a maldição de uma vilã, um dedo espetado, o sono
de uma princesa e o beijo salvador de um príncipe.
Quem leu ou assistiu à versão cinematográfica tradicional sempre guardou e contou a história para seus filhos e netos.
Surge agora uma nova versão para o cinema, sob a direção de Robert Stromberg, em que algumas questões da história
original passam a ser melhor explicadas. Por exemplo: Por que a vilã lançou a maldição? Sempre a vimos como apenas uma bruxa má e cheia de ódio, mas nessa nova maneira de contar o famoso contos dos Irmãos Grimm descobre-se que a bruxa passou por sério processo de traição e injustiça.
E mais. Várias lições de moral vêm à tona. Como, por exemplo, o cuidado que devemos ter com a sede de vingança.
Quando nos damos conta é tarde demais e não podemos voltar atrás.
Mas, o que mais interessa para o assunto que estamos tratando neste artigo, isto é, a importância das mulheres na
história e na vida das pessoas, é o novo desfecho da história.
Não quero entrar em detalhes para não estragar o prazer de quem vai assistir ao novo filme. No entanto, sou obrigado a
adiantar que o beijo do príncipe desta vez não funciona.
E a bela adormecida teria ficado em seu sono de cem anos, por falta de um beijo de alguém que tivesse por ela um amor
puro e verdadeiro.
Num primeiro momento, a personagem principal, a vilã, assim como nós espectadores, chega a duvidar da existência desse
tal amor puro e verdadeiro.
Todavia, quando a autora da maldição constata que aquela linda menina, cuja infância e adolescência ela acompanhou, a
quem protegeu durante os seus quinze anos de vida, está irremediavelmente perdida, ocorre uma revelação surpreendente.
A bruxa má, a terrível vilã, cai em si e se debulha em lágrimas. E num gesto de amor puro e verdadeiro beija a sua
filha de criação.
Ocorre o milagre do despertamento, para alívio e alegria de todos que vivem felizes para sempre, como encerrariam
magistralmente a cena seus autores originais.
A mãe de Jesus, a mãe de André Luiz, a mãe do padre de Divaldo, a mãe de Gregório e a mãe da bela adormecida mudaram
a vida dos seus filhos.
E essas abnegadas mulheres, como autênticos anjos da guarda, continuam protegendo e mudando as vidas de todos nós.
Milagreiras? Não! Apenas mães, com muito amor para dar.