ANO NOVO, HOMEM NOVO
Sidney Fernandes
Já lhes contei, amigos leitores, em outra oportunidade, a história do rato. Para não cansá-los demais, vou repeti-la, resumidamente.
Numa fazenda, um rato ficou entusiasmado com a chegada de um pacote que, esperava, contivesse algum alimento. Desesperou-se quando soube que era uma ratoeira. Saiu espavorido, pedindo ajuda à dona galinha, ao senhor porco e à dona vaca. Todos se mantiveram indiferentes ao seu problema, alegando nada ter a ver com o assunto.
À noite, ao tentar rearmar a ratoeira, a esposa do fazendeiro foi picada por uma cobra venenosa. A partir daí, em virtude de sua doença e depois da sua morte, seguidamente, os três animais foram chamados a protagonizar o episódio, em forma de canja, guisado e carne assada. A moral da história resume-se nesta frase: “O problema de um deve ser problema de todos”.
Por que voltar a falar no rato?
No dia 25 de janeiro começará o ano novo chinês, que, em 2020, lembrará um dos animais que responderam, conforme a lenda, ao chamado de Buda para uma reunião. O rato foi o primeiro a atender ao chamado de Siddharta Gautama (563-483 A.C.), numa prova de interesse e de envolvimento com a sua nobre causa de iluminação.
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Parafraseando o eminente filósofo, escritor e tradutor brasileiro José Herculano Pires, eu diria que, para termos um ano novo, precisaremos de um homem novo. De uma hora para outra?
Negativo! Teremos que analisar os obstáculos e, quem sabe, durante o próximo ano, superar alguns deles e, aí sim, passar para os seguintes. O ótimo é inimigo do bom — diria pragmaticamente o americano inteligente, que dosa as indefectíveis resoluções do novo ano de acordo com suas factibilidades.
Reclamamos muito dos erros e injustiças que ainda grassam em nossa sociedade e saímos alardeando que o mundo precisa mudar, com urgência. O raciocínio deveria ser inverso. O homem deve melhorar e se tornar o agente transformador das mudanças que precisam ser feitas.
Mas, isso vai demandar muito tempo! Objetarão os ansiosos por um ano e um mundo novo. Não há outra saída, pois precisaremos de um homem transformado para que o mundo se transforme.
E não estamos falando de modificações superficiais — volta a nos alertar Herculano Pires —, temos que promover a transformação essencial de nós mesmos.
O instrumento para que isso aconteça foi anunciado no extraordinário trabalho realizado por Paulo, o apóstolo, que descortinou para o mundo a universalidade da mensagem cristã, libertando-a da limitada concepção de que era mais uma religião destinada a um grupo de judeus.
Nossa luta é o bom combate do apóstolo Paulo: despertar as consciências e libertar o homem do egoísmo, da vaidade e da ganância.
Esse objetivo será alcançado, não com as verdades do indivíduo, que geralmente são moedas falsas de circulação restrita, e sim, das que nascem do contexto social, em que indivíduos se formam pelo contato com os seus pares.
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Embora profunda e essencial, a caminhada do homem velho para o homem novo é da simplicidade de uma parábola evangélica.
Santo Agostinho nos deu a fórmula, concitando-nos ao diuturno reexame de nossas atitudes. Jesus nos deu a essência, assim
interpretada pelo exegeta Emmanuel:
Com Jesus ergue-se o homem para a luz, ao serviço, à sabedoria, à razão, ao direito, à fraternidade, à compaixão, ao entendimento, ao amor, aos bens imperecíveis, à renúncia, à justiça, à piedade, ao verbo criador, à beleza, à virtude, à harmonia e ao contentamento. Do pântano ao monte, do lodo à gloria...
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Cada dia do novo período que se inicia tem, em sua retaguarda, a sabedoria que adquirimos nesta e em vidas pretéritas. Traz também os miasmas deletérios e os vícios que ainda portamos.
— Viver, para o individualista — continua ensinando Herculano Pires —, é atravessar os anos de uma existência. Mas, viver, para o altruísta, é atravessar as existências palingenésicas, as vidas sucessivas, em direção à sabedoria.
Para nós, ainda incipientes passageiros do bonde evolutivo, cada novo ano é uma nova chance de progresso que se descortina.
Não desprezemos a riqueza de seus minutos, das suas horas, dos seus dias, dos seus meses...
Cada um desses fragmentos representa uma pequenina parte da herança que receberemos no futuro.
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No novo ano chinês, o do rato, tenhamos sempre em mente a nossa responsabilidade perante a sociedade, o próximo e perante nós mesmos. Na próxima vez que ouvirmos alguém dizer que está diante de um problema e ainda acharmos que não nos diz respeito, lembremo-nos de que, quando há uma ratoeira na casa, todos nós corremos risco.
O problema de um deve ser problema de todos.
Feliz rato, digo, feliz ano novo!
Fontes consultadas: Pão Nosso, Emmanuel e O Homem Novo, J. Herculano Pires