COACH E DOUTRINA ESPÍRITA
Sidney Fernandes –
— Você é branco, negro ou cinza?
Esta pergunta foi formulada para os executivos participantes de um congresso. O objetivo da enquete nada tinha a ver com conotação racial, preferência por cores ou disputa de egos, e sim, de aferição do nível de autoconsideração de cada um dos participantes. Em outras palavras, o conferencista queria saber se os congressistas consideravam-se os melhores em tudo quanto faziam.
Como se esperava, predominaram as respostas em que cada um, anonimamente, julgava-se o mais empático, o mais formidável, o mais competente e muitos outros “mais”, do que os outros.
Essas reações denotaram que, geralmente, simpatizamos muito com nós mesmos, com nosso querido ego, e antipatizamos com os que de nós discordam. Revelaram também presunção na interpretação filosófica do próprio “eu”.
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Naturalmente, antevendo a obviedade das respostas, o orador tencionava motivar a plateia para o conteúdo de sua preleção. Discorreu longamente sobre a psique, o desenvolvimento de suas funções e o triste destino daqueles que se conformam com a mediocridade.
— Ninguém poderá se conformar em ser branco nem poderá se arvorar em já ser preto. Todos somos cinzas! — afirmou, peremptório.
A plateia entendeu a feliz metáfora, principalmente quando ele, continuando, afirmou que ninguém poderia ser considerado gênio, pois todos somos seres em formação.
Citou Jung, lembrando que o desenvolvimento das funções inatas do espírito passa pelo aperfeiçoamento das funções pensantes, emocionais, sensoriais (visão, tato, audição, paladar e olfato) e intuitivas.
— A genialidade existe em todos nós potencialmente —
continuou. — Não nascemos pretos, ainda somos cinzas, e nos transformaremos em gênios se soubermos converter as obscuras funções potenciais que todos portamos em luzes de qualidades e de habilidades.
Centrando sua argumentação nos interesses específicos dos executivos, o expositor referiu-se à função transcendental que todos temos à disposição, desenvolvimento indispensável aos que não querem tornar-se medíocres.
— A hipocrisia, a prepotência e a presunção, assim como a raiva, a intolerância e a aversão, são vícios que impedem os grandes saltos em direção ao sucesso. O medíocre de hoje poderá transformar-se no sábio de amanhã. Isso somente acontecerá, no entanto, se cada indivíduo, cônscio de suas potencialidades, transformar-se e transformar pessoas que partilharem de sua convivência.
Ao final de seu trabalho, o instrutor, que ali estava para motivar aquela plateia de executivos para o desenvolvimento de suas habilidades humanas, exortou-os à realidade de que todos temos uma missão de vida e que cada um dos participantes poderia descobrir o significado de sua presença, aqui na Terra.
Finalmente, fechou sua conferência com chave de ouro ao conduzir seus espectadores ao que ele chamou de ressignificação, ou seja, uma reflexão de análise e agradecimento por tudo o que haviam aprendido, naquele conclave, em direção ao autoconhecimento.
— Perguntem-se a si mesmos: O que poderei corrigir em meu comportamento para me tornar um profissional melhor, mais competente e competitivo?
— Somente cada um de vocês poderá responder para si próprio essa pergunta. Esse, sem dúvida, é o caminho mais seguro para a evolução profissional — encerrou.
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Se bem observarmos, notaremos que as ferramentas utilizadas pelo coach, para gerar mudanças de comportamento nos indivíduos, guardam muitas similaridades com a transformação moral e a minimização de nossas más tendências, preconizadas pela Doutrina Espírita.
Senão vejamos:
EGOÍSMO
A primeira semelhança que se destaca é a relacionada com o egocentrismo. Atitudes e comportamentos voltados excessivamente para nós mesmos denotam insensibilidade. Tanto a Doutrina Espírita, como muitas outras filosofias religiosas, cristãs ou não, repudiam o egoísmo humano. Ele é considerado, ao lado da dureza dos nossos corações, um dos males com que mais se preocupam os espíritos superiores.
PROGRESSO COMUM
Outro aspecto coincidente que se pode notar é o princípio da evolução. Ensina a Doutrina Espírita que tudo se deve fazer para chegar à perfeição e o próprio homem é um instrumento de que Deus se serve para atingir seus fins.
Nosso hipotético trainer em neurolinguística considera como condição sine qua non para o desenvolvimento da pessoa humana a sua disposição de transformar-se e transformar pessoas que compartilharem de sua convivência.
Sendo a perfeição a meta para que tende a Natureza, favorecer essa perfeição é corresponder às vistas de Deus (Allan Kardec LE 692).
O progresso completo constitui o objetivo. Os povos, porém, como os indivíduos, só passo a passo o atingem (Allan Kardec LE 780).
VÍCIOS
— A hipocrisia, a prepotência e a presunção, assim como a raiva, a intolerância e a aversão, são vícios que impedem os grandes saltos em direção ao sucesso, afirmou o expositor, ao grupo de executivos.
Quando nos achamos melhores dos que os outros, os mais bem dotados de simpatia, de maior empatia e nos consideramos os mais amados e portadores de extremas qualidades, isso significa que nada mais temos a aprender ou a modificar.
Paradoxalmente, demonstramos ter orgulho de nossa falsa humildade.
Alerta a Doutrina Espírita que muitos de nós mostramo-nos propensos a vícios geradores de paixões degradantes, como crueldade, deslealdade, hipocrisia e desenfreada ambição.
Chegamos a fazer o mal, sob o pretexto de sobreviver diante da sociedade atual, e escolhemos vítimas fracas, indefesas, geralmente subordinadas ou de classe social mais baixa.
Os males com que mais se afligem os espíritos, por nossa causa, são o egoísmo e a dureza de nossos corações.
Da mesma forma que essas falhas de caráter podem obstar a evolução do executivo, a definitiva evolução, a do espírito, jamais será alcançada sem que as vençamos Essa é a transformação esperada de quem aspira a vencer na vida material, como do espírito que queira se transformar em verdadeiro cristão.
SOLIDARIEDADE
O medíocre de hoje poderá transformar-se no sábio de amanhã. Isso somente acontecerá, no entanto, se cada indivíduo, cônscio de suas potencialidades, transformar-se e transformar as pessoas que compartilhem de sua convivência.
O princípio da solidariedade está implícito nas recomendações do coach pessoal, que se propõe a potencializar as habilidades de seu público-alvo para novas conquistas. A transformação pessoal depende da generosa comunhão de habilidades de cada indivíduo.
A Doutrina Espírita não faz recomendação diferente. Ela nos relembra de que tudo é solidário na natureza. Assim procedendo, o homem perceberá que, por meio de suas atitudes, no presente, preparará um novo futuro.
Superando gradativamente o preconceito e o egocentrismo, o indivíduo estará encontrando o jeito certo de viver, tanto a partir de sua própria casa, pensando na família, como ampliando esse leque de influência, atingindo seu trabalho e sua comunidade.
O cultivo da solidariedade, seja em nome do progresso de sua organização ou em nome da evolução do seu espírito, o impulsionará docemente em direção ao tratamento digno com o próximo e ao respeito à conduta ética.
O verdadeiro cidadão também é um verdadeiro cristão, que cuida do bem comum.
PRECISAMOS UNS DOS OUTROS
Nenhum homem é uma ilha, disse Teilhard de Chardin, atentando para o fato de o homem ser eminentemente social, como teria afirmado Aristóteles, outro notável filósofo, constatando que as atitudes de um indivíduo afetam a vida dos seus pares sociais.
Assim como no mundo dos negócios há necessidade de parcerias, a evolução do espírito pressupõe que o insulamento depõe contra o progresso, na mesma proporção em que da cooperação resultam o bem comum e o crescimento individual.
REFLEXÃO E AUTOANÁLISE
A questão nº 919 é uma das mais importantes de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec. Ela traz a sabedoria de Santo Agostinho, que nos remete à recomendação de um sábio da antiguidade:
— Conhece-te a ti mesmo!
Em seguida, o Bispo de Hipona traz sua experiência pessoal de renovação, quando exorta:
— Fazei o que eu fazia, quando vivi na Terra: ao fim do dia, interrogava a minha consciência, passava revista ao que fizera e perguntava a mim mesmo se não faltara a algum dever, se ninguém tivera motivo para de mim se queixar. Foi assim que cheguei a me conhecer e a ver o que em mim precisava de reforma.
Alguma semelhança, amigo leitor, com a recomendação final da palestra do nosso coach, em que exortou seus espectadores à procura do significado da vida e à autoanálise, ao final de cada dia?
— O que poderei corrigir em meu comportamento para me tornar um profissional melhor, mais competente e competitivo?
Como vemos, a melhoria profissional passa, necessariamente, pela melhoria do próprio homem.
Aquele que — continua Santo Agostinho — evocasse todas as ações que praticou durante o dia e inquirisse a si mesmo onde acertou e onde errou, com certeza adquiriria grande força de aperfeiçoamento.
NÃO ÉS BOM, NEM MAU: ÉS TRISTE E HUMANO...
Aproximamo-nos vertiginosamente do momento em que as regras do bom negócio serão as mesmas do homem de bem.
Expressões como politicamente correto, desenvolvimento das funções inatas do espírito, combate às falhas de caráter, humildade, solidariedade, crescimento individual, bem comum, cooperação mútua e progresso estão deixando os obscuros escaninhos dos templos e centros filosóficos para se tornarem regras de boa convivência entre as sociedades.
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Ninguém é totalmente branco, nem totalmente negro.
Não és bom, nem és mau: és triste e humano... Residem juntamente no teu peito um demônio que ruge e um deus que chora, diria Olavo Bilac em Poesias.
Ainda não somos completamente bons, mas já deixamos de ser extremamente maus.
Somos cinzas, isto é, estamos todos em evolução, dentro de um mesmo barco chamado Planeta Terra.
A conduta ética, a solidariedade e o espírito de cooperação deixaram as igrejas e adentraram os congressos, os ambientes dos coaches, os centros apoiadores de melhores desempenhos, de capacitação, de autoconfiança e de melhores níveis de maturidade e aprendizagem.
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Fiquemos com Emmanuel, ao nos ensinar que, assim como na época de Jesus surgiram os obstáculos do farisaísmo, do templo, do sinédrio, do pretório e da corte de César, os desafios de hoje possuem outros nomes.
Da mesma forma, no entanto, que todos esses óbices foram vencidos, os homens de hoje estão sendo convidados à mesma compreensão geral proposta pelo Cristo, em benefício de uma renovada humanidade, que caminhará celeremente pelos caminhos do Senhor, em busca da sociedade ideal.