Comemorar o Natal? - Sidney Fernandes 

COMEMORAR O NATAL?

- Sidney Fernandes 


Até parece que nada aprendemos. A impressão que dá é a de que a humanidade retrogradou. É tamanha a disparidade entre os ideais do Cristo e o mundo atual, que chegamos à triste conclusão de que, talvez, nada tenhamos a comemorar em mais um Natal.
Daí a mesmice das mensagens de final de ano, concitando o homem ao compromisso com o Cristo, distanciado que está da mensagem cristã.
A lembrança da grande noite parece de harmonia distante e irreal. As recordações de Natal soam como surreais.
Os apelos revolucionários de extremistas, a corrida armamentista, as intolerâncias religiosas, os ataques contra inocentes, a indiferença diante de dores, o desrespeito para com a natureza e as guerras motivadas por superficialismos materiais inviabilizariam quaisquer comemorações.
Felizmente essas são apenas partes, as piores de um todo, que merece análise mais profunda.
Da obscuridade da Idade Média, das luzes do século XIX, da evolução tecnológica do século passado, até os dias atuais, nunca vimos tamanha exposição das mazelas humanas, com lente de aumento sobre os aspectos negativos do homem, a ponto de pensarmos que tudo está perdido e que as propostas de Jesus seriam um caso perdido e inalcançável.
A mídia operaria, no entanto, em melhor sentido, se direcionasse o foco do seu sensacionalismo para os progressos do espírito humano.
Sem nos aventurarmos a altos voos de intelectualidade, deveríamos nos deter nas luzes que poderão compor a árvore de Natal dos tempos atuais.
E nem precisaremos caminhar muito para resgatar a fé admirável dos libertadores princípios cristãos. Aqui mesmo, pertinho de nós, vamos encontrar preciosos testemunhos dos ideais cristãos.
Mantenedores da esperança
João Mendes
Lembro-me muito bem, assim como muitos colaboradores do Centro Espírita Amor e Caridade de Bauru, da figura simpática, sempre sorridente e de carisma e força extraordinárias, do João Mendes dos Santos.
Nas proximidades do Natal, percorria estabelecimentos comerciais, buscava os amigos, convocava voluntários, à procura de suprimentos para o almoço especial dos seus assistidos.
Sob o sol escaldante de dezembro, lá estava o João Mendes, carregando frangos assados, panetones e guloseimas, com o único objetivo de propiciar um momento de alegria aos necessitados.
João já desencarnou. Ficou o seu exemplo. Mais do que isso.
Quem visita o pobre bairro Ferradura Mirim de Bauru, encontra o Projeto Seara de Luz, um maravilhoso trabalho de atendimento a crianças e jovens, corajosamente mantido e ampliado pelos voluntários de hoje, que não poupam reconhecimento aos esforços do João Mendes.
Por onde passou, deixou sua marca de generosidade e persistência. Sem dúvida, João Mendes dos Santos foi um mantenedor da esperança.
Alcides Fábio
Os antigos funcionários do Banco do Brasil de Bauru com certeza se lembram dele: Alcides Fábio. Tinha um apelido, que surgiu da sua intensa movimentação como goleiro de um dos times de futebol da AABB - Associação Atlética Banco do Brasil:
perereca.
Alcides era um funcionário diligente, responsável, irrepreensível, que deixou sua marca de seriedade no Banco do Brasil de Bauru. Mas, o que me faz lembrar dele não é o que fez como bancário ou como jogador de futebol.
À época de finados, com certeza ele podia ser encontrado no cemitério, vestido de terno e gravata, com uma sacolinha na mão,
pedindo:
— Uma esmola aos pobres de São Vicente de Paulo.
Era uma das campanhas de que Alcides Fábio participava, visando manter o asilo dos vicentinos, que até hoje abriga pessoas de idade.
Perereca e uma equipe quase totalmente composta por homens maduros e já realizados na vida davam os seus pulos atrás de recursos, para manter o Asilo da Vila Vicentina.
No Natal, era aquela correria na preparação do almoço caprichado dos idosos.
Alcides Fábio foi um mantenedor da esperança.
Comunicação e Missão Cristã -Participei de um culto ecumênico na cidade de Bauru com o pastor Chagas. Embora não o conhecesse, a semelhança física, a voz e a maneira fácil de se expressar em muito me lembraram o velho amigo e pastor Abílio Pinheiro Chagas. Claro, era seu filho.
Na ligeira conversa que tivemos, pude me recordar de seu pai: advogado, professor de direito, vereador e consultor jurídico da Câmara Municipal de Bauru.
Não foram, todavia, esses títulos honoríficos que mais se destacaram na profícua vida do pastor Abílio. Ele criou a "telemissão", que atendia cerca de quarenta pessoas por dia, com aconselhamentos, através do telefone.
Ele fundou a Casa da Esperança, localizada em bairro da periferia de Bauru, que cuida de famílias carentes, procurando melhorar sua qualidade de vida. 
Com certeza, o pastor Abílio Pereira Chagas, sua família e seus colaboradores, são mantenedores da esperança.
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Eles estão por toda parte 
Citamos, exemplificativamente, representantes de algumas religiões. No entanto, os mantenedores da esperança estão por
toda parte.
- irmãos de outras crenças ou sem vinculação religiosa;
- médicos que se aventuram - como os Médicos sem fronteiras - por países desconhecidos, enfrentando contaminações em países pobres ou em guerra;
- empresários do mundo inteiro que se sensibilizam com a dor alheia;
Nesse grupo temos o caso de William Henry Gates III - mais conhecido com Bill Gates, um dos fundadores da Microsoft e considerado uma dos homens mais importantes do século.
Bill, junto com sua esposa Melinda, criou a Fundação Bill e Melinda Gates, uma organização filantrópica que tem por objetivo promover a pesquisa sobre a AIDS e outras doenças que atingem, em maior parte, os países em desenvolvimento, além de pesquisar novos tipos de energias sustentáveis e limpas.
Em 2006, Warren Buffett, também um dos homens mais ricos do mundo, passou a integrar o projeto, dobrando o tamanho da fundação dos Gates. De 2000 até hoje, a fundação já doou mais de trinta bilhões de dólares para a caridade. 
- anônimos que se unem na madrugada, levando alimentos, apoio, medicamentos ou simplesmente uma palavra de carinho a dependentes químicos que se alojam sob os viadutos ou lugares ermos;
- pessoas comuns que entenderam, como Albert Schweitzer, que todos temos que assumir uma parcela da dor que gravita sobre o mundo.
Todos decidiram que não têm direito de guardar suas vidas só para eles mesmos. Todos eles, amigo leitor, não esperam o Natal para serem bons ou para praticarem a filantropia. Fazem-no durante o tempo todo. Eles procuram honrar as propostas de Jesus, procurando manter seus preciosos testemunhos dos ideais cristãos.
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A autêntica comemoração do Natal Temos, sim, muitos motivos para comemorar o aniversário de Jesus. Se de um lado existe uma minoria barulhenta que insiste em atrapalhar e provocar dor, do outro lado temos uma considerável parcela da população mundial que se constitui num verdadeiro exército de criaturas de boa vontade, honrando os ditames do Cristo.
Há poucos dias ouvi de um amigo a informação de que ele, como filho de família numerosa e simples, descendente de japoneses, foi ter seu primeiro contato com um dentista aos dezoito anos de idade. Suas filhas, porém, começaram a ter assistência bucal desde que nasceram.
Fatos como esse nos mostram como o homem melhorou as condições de vida da humanidade.
Pesquisas para curar a AIDS, para controlar o autismo, vacinas para prevenir doenças antes mortais, são tão importantes quanto um simples prato de merenda escolar que hoje é tão comum nas escolas do mundo inteiro.
Não somente em dezembro, mas durante todo o tempo, inúmeras criaturas homenageiam Jesus, seguindo os seus exemplos. Elas são as luzes que compõem a grande árvore de Natal dos nossos tempos.
O mundo está muito melhor. E ficará melhor ainda, se cada um de nós passar a participar desse exército de criaturas de boa vontade que melhoram as condições de vida da humanidade.
E quem resolver participar desse exército, deverá ter em conta que seguir o Cristo, no primeiro momento, não é fácil.
Muito dirão que estamos perdendo a vida, outros nos olharão com desconfiança, alguns nos manterão à distância.
A recomendação de Jesus, no entanto, de perder a vida por sua causa, nos dará o caminho de achar a verdadeira vida.
A árvore mais linda do nosso Natal deverá contar com as nossas luzes, ainda que inicialmente bruxuleantes, de fraco brilho e de trêmulas cintilações.
Com o esforço dos homens de boa vontade, que tiverem coragem de glorificar Deus com seus exemplos de paz e amor, essas luzes se tornarão cada vez mais fortes e intensas, à medida em que persistirmos no permanente esforço de tornar o mundo melhor.
Glória a Deus nas alturas, Paz na terra, boa vontade para com os homens (Lucas 2:14).
Que a poesia de Auta de Souza nos estimule a fugir da indiferença, do ostracismo, do egoísmo que acomoda, e nos faça a ter as mãos marcadas pelo trabalho, assim como Jesus teve as suas.
MÃOS MARCADAS - Poesia de Auta de Souza

Senhor!
Quando me deres
O privilégio do renascimento
No berçário do mundo,
Ante as necessidades que apresento
E aquelas que não vejo,
Eis, Senhor, o que desejo
Em que dia por dia me aprofundo:
Deixa-me renascer em qualquer parte,
Entretanto, que eu possa acompanhar-te.
Onde constantemente continuas
Trabalhando e servindo em todas as estradas
Para que eu também tenha as mãos marcadas
Como trazes as tuas...
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E se um dia uma cruz de provas e de agravos
Reclamar-me a tarefa e o coração,
Não me largues ao susto a que me enleie,
Ajuda-me a entregar as próprias mãos aos cravos
Da incompreensão que me rodeie,
Entre bênçãos de fé e preces de perdão!
Não consintas que eu volte ao tempo morto
Da ilusão convertida em desconforto,
Dá-me os calos da paz nas tarefas do bem,
A sorrir e servir sem perguntar a quem...
Ouve Celeste Amigo,
Aspiro a estar contigo,
Longe de minhas horas desregradas,
Onde sempre estiveste e sempre continuas
Plantando o amor em todas as estradas,
Para que eu também tenha as mãos marcadas
Como trazes as tuas.
Auta de Souza/Chico Xavier