Detalhes de Cairbar -Sidney Fernandes

DETALHES DE CAIRBAR
Sidney Fernandes


A grandiosidade de um homem pode ser encontrada nos detalhes do seu cotidiano. Não há dúvida de que os grandes feitos e conquistas de Cairbar Schutel merecem nosso reconhecimento.
No entanto, também nas pequenas coisas do seu dia-a-dia ele demonstrou a sua generosidade, espiritualização e fidelidade à Doutrina Espírita.
Pessoa de muita personalidade, foi muito combatido, principalmente por sacerdotes católicos. Como nada encontravam que o comprometesse como homem, criticavam-no, com veemência, por suas convicções espíritas. Por muito ter polemizado, muitos de nós construímos a falsa imagem de que ele era ferrenho inimigo dos padres. Nada mais falso.
Suas divergências ocorriam no campo das ideias, pois amava e respeitava os católicos como verdadeiros irmãos. Quando o Padre Giraldi adoeceu gravemente, passou a contar com visitas diárias de Cairbar. Por insistência do próprio clérigo, ele permanecia bastante tempo em suas visitas. Quando o padre faleceu, Schutel orou por ele em seu leito de morte. Tempos mais tarde, comunicou-se uma entidade no Centro
Espírita Amantes da Pobreza, de Matão, agradecendo os ensinamentos que havia recebido de Cairbar, dizendo q ue, graças a eles, encontrava-se aliviado no plano espiritual. Pelas características da manifestação o espírito comunicante foi reconhecido como o Padre Giraldi.
Pelo destemor e coragem com que Cairbar pregava o Espiritismo, surgiam adversários gratuitos, intransigentes e agressivos. Foi assim que chegou ao seu conhecimento que um padre de Itápolis iria até à cidade de Matão para debater com ele os princípios da Doutrina Espírita.
No dia marcado, o veículo do padre parou em frente à farmácia de Schutel. O sacerdote havia sofrido um acidente durante o caminho e estava com uma das mãos coberta por um lenço, manchado de sangue. Cairbar esqueceu-se completamente do motivo da presença do sacerdote — o debate — e o conduziu, cuidadosamente, para sua sala de curativos.
Retirada a improvisada atadura, o farmacêutico percebeu a gravidade do ferimento e cuidou do padre como se fosse o próprio irmão. Pediu que ele retornasse dali a dois dias, para a continuidade do tratamento.
No dia marcado, logo cedo lá estava o padre na frente da farmácia, com a mão enfaixada. Não sentia mais dores e recebeu novo curativo. Como as melhoras eram evidentes, Cairbar o liberou do retorno e recomendou que ele continuasse o tratamento na cidade de Itápolis.
Emocionado, o reverendo apertou o braço do boticário dizendo:
— Obrigado, Sr. Schutel! Deus lhe pague. Diante daquele adversário digno, caridoso e sem preconceitos, o desafiante nunca mais falou no debate, que jamais aconteceu.
Não somente o coração daquele homem era grande. Sua casa estava sempre aberta aos necessitados, com três quartos reservados para abrigar indigentes e aqueles que se encontravam em fase terminal de vida. Em certa ocasião, a ambulância do carroceiro Jorge — uma carroça forrada com um colchão

— levou Quitéria, pobre mulher que havia sido encontrada quase morta sobre o pasto de uma fazenda, para os cuidados do farmacêutico.
Quitéria ficou em tratamento em um dos quartos da enfermaria de Schutel durante três meses. Nesse tempo, a doente se recuperou e voltou saudável para sua família, tanto sob o aspecto físico, como espiritual. Como Quitéria, muitos passaram pelas mãos carinhosas daquele homem bom, que tratava tanto do corpo como da alma de seus assistidos.
Os animais eram tratados com muito carinho por Cairbar.
Cães, gatos, cavalos e peixes recebiam do missionário o respeito que merecem. Cabrito era o nome do fiel cavalo que puxava a charrete que lhe servia de transporte. Fosse dia ou noite, lá estava ele para servir seu dono. Quando surgiu o Ford Bigode, o bom cavalo foi aposentado, mas Cairbar nunca o vendeu. Em certa ocasião, Schutel ouviu um barulho na janela da sala. Era Cabrito, que imediatamente colocou a cabeça para dentro da casa. Viera despedir-se do seu carinhoso dono. Pela manhã, estava morto.
Quando menino, Edo Mariani, inadvertidamente colocou um dos seus dedos entre as engrenagens de uma moenda de triturar cana.

O esmagamento foi inevitável, ficando o dedo preso apenas por um pedaço de pele. Naturalmente, os primeiros socorros foram procurados na Farmácia Schutel. Sem dizer uma palavra, Cairbar recompôs o membro, amenizou as dores e fez um curativo no menino. Cinco dias mais tarde, quando Edo voltou para novo tratamento, teve a surpresa de ver o início da recuperação do dedo que julgava inutilizado. Em tempo muito anterior aos primeiros reimplantes noticiados pela ciência, as potencialidades extraordinárias de Cairbar Schutel atestavam a assistência que os espíritos lhe prestavam.
Cairbar desencarnou em 30 de janeiro de 1938. Desde então, sua presença espiritual é percebida em muitos centros espíritas.
Irmão Jacó, em seu livro Voltei, sinaliza a continuidade do seu  trabalho, junto ao planeta Terra, particularmente ao serviço de sua rica sementeira em Matão, com bênçãos que continua recolhendo na vida espiritual.
Fato memorável, no entanto, vale a pena ser relembrado, ocorrido com Nestor Mazotti, então presidente da Federação Espírita Brasileira, quando ministrava palestra em Assunção, Paraguai. Uma mulher muito simples aproximou-se e relatou a presença do espírito de um velhinho, que descreveu em detalhes.
Pela dificuldade de expressão na língua portuguesa, a sensitiva, num primeiro momento, não conseguiu pronunciar o nome da entidade presente. Mais tarde ela retornou e revelou o nome que finalmente conseguira decifrar:
— El nombre del viejo es Cair-bár Schu-é-tel — falou a singela médium, com visível hesitação.
Por sua simplicidade, aquela senhora jamais poderia saber que a vidência se tratava de eminente figura do Espiritismo brasileiro. Cairbar Schutel continua conosco e sua história relembra o exemplo imortal de amor e caridade.
REFERÊNCIAS: O imortal Cairbar Schutel, David Liesenberg; Cairbar Schutel na intimidade, Sérgio Lourenço