Difícil é começar -Sidney Fernandes – 

DIFÍCIL É COMEÇAR
Sidney Fernandes – 


Fazer algo que precisa ser feito, mas que não temos vontade de fazer. Começar! Eis aí uma das tarefas mais difíceis para o ser humano. No início as coisas sempre parecem obscuras, trabalhosas e complicadas.
Mas, no começo é assim mesmo. Por fraqueza, medo do desconhecido ou por indolência, tendemos a adiar indefinidamente atividades que, a princípio, não nos agradam.
Se você é assim, caro leitor, não se impressione.
Trata-se de uma lei da física, enunciada pelo inglês Isaac Newton: quanto maior for a inércia de um corpo, maior será a força necessária para alterar o seu estado de movimento.
Esse elementar princípio aplica-se à atividade humana.
Preferimos sempre, como diria o francês, o laissez-faire, símbolo do liberalismo econômico, que significa deixar as coisas do jeito que estão, para ver como é que ficam.
Sair da zona de conforto em que a inércia nos mantém exige disposição, determinação e muita coragem. Basta lembrarmo-nos da resistência que opomos para reorganizar o mobiliário de uma casa, ordenar uma estante de livros ou simplesmente arrumar uma gaveta.
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No início foi uma calamidade!
Quando tomou conhecimento, Carolina encarou a gravidez precoce da filha Cássia, de 17 anos, como um verdadeiro desastre.
Ficou com os cabelos em pé, muito menos pelo eventual escândalo social, pois era de pensamento liberal e compreensivo, e mais pelo trabalho que passaria a ter, com a chegada de um bebê em sua casa. Depois de dezessete anos iria perder o sossego duramente conquistado.
Essa resistência, no entanto, durou pouco. Uma semana depois já estava levando Cássia a ginecologista de sua confiança, começando a comprar as roupinhas da futura neta e a entusiasmar-se com a nova situação.
Essa atitude madura de Carolina foi recebida pela filha e pelo seu companheiro com grande alívio, que proporcionou à jovem segurança para enfrentar o desafio da maternidade e, para Fábio, o pai da criança, apoio para terminar os estudos e depois assumir as responsabilidades de pai.
Tassinha trouxe alegria e entusiasmo à casa de Carolina, tornando-se, desde que nasceu, o centro das atenções. Uma bênção na vida de todos. Mal sabia Carolina que a maturidade do seu comportamento, recheado de amor e compreensão, iria lhe trazer, no futuro, generosos dividendos.
Trinta anos mais tarde, quando a sua máquina física começou a claudicar e apresentar os primeiros sinais de enfraquecimento, foram os cuidados da Doutora Tássia, a querida neta que fora concebida prematuramente, que minimizaram as dores da sua velhice e a confortaram financeiramente, no ocaso da existência.
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— Eu posso cometer muitas loucuras na vida, mas não pretendo nunca me casar por amor.
Quem assim dizia era Benjamin Disraeli, escritor e político britânico, que chegou a ser primeiro-ministro do Reino Unido e pertencer à Câmara dos Lordes. Ficou solteiro até os trinta e cinco anos, quando propôs casamento a uma viúva rica, Mary Anne, quinze anos mais velha que ele. Ela sabia que ele não a amava e que ia desposá-la pelo seu dinheiro.
Mary Anne viveu para Disraeli e para ele somente. Ela tornou-se a coisa mais importante de sua vida. E ele a defendia com uma lealdade feroz. Disraeli e Mary Anne são o exemplo de que duas criaturas, quando querem, podem encontrar motivos recíprocos para uma boa convivência. E daí sim podem despertar o autêntico amor.
Ficaram casados durante 30 anos e nunca Disraeli ficou fatigado dela.
— Ela soube tornar-se a coisa mais importante de minha vida — dizia Disraeli.
E ela costumava dizer às suas amigas:
— Graças à sua bondade, minha vida tem sido uma longa cena de felicidade.
Para seu sempre crescente prazer, o lar era o lugar onde passava as horas mais felizes da sua vida. No calor de sua adoração, a idosa esposa era a sua animadora, a sua confidente, a sua conselheira. Ele passara a sair apressado da Câmara dos Comuns para voltar à casa, a fim de lhe contar as novidades do dia. Mary Anne simplesmente não acreditava que ele pudesse fracassar. E ela tornou-se a sua heroína.
— Você sabe que eu apenas casei com você pelo seu dinheiro e nada mais? – falava Disraeli, em tom de pilhéria.
— Sim, mas se você tivesse de fazer isso outra vez, casarse-ia comigo por amor, não é? E ele confessava que sim.
Eles não eram perfeitos. Mas ambos se fizeram perfeitos um para o outro. Descobriram suas mútuas qualidades e se amaram por toda a vida. Provaram ao mundo que amar, acima de tudo, é compreender e doar-se, incondicionalmente.
A mágica do amor – não da paixão – pode acontecer.
Dois Espíritos se reencontram e naturalmente se unem, cumprindo prévio planejamento na espiritualidade. Mas mesmo que a união não seja com a alma gêmea, o casamento pode se harmonizar com o exercício da boa vontade, da generosidade, da compreensão e da cumplicidade. Esses ingredientes, indispensáveis ao florescimento do verdadeiro amor, fazem parte não apenas do amor conjugal, mas sim da proposta da família universal trazida por Jesus.
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Quando nos dispomos a trabalhar pelo próximo, no princípio somos mercadores. A gente vende um produto, que é a prática do bem, para ser feliz. É aquela velha história de quem dá aos pobres, empresta a Deus.
Dizia Richard Simonetti que a vocação de servir começa no interesse de receber. No primeiro momento a gente trabalha em favor do próximo porque quer receber benefícios. É a primeira etapa.
Na segunda etapa a gente trabalha por consciência de dever.
Ocorre tanto em meios religiosos, como em outros meios sociais. 
É uma coisa de compromisso, de obrigação. As pessoas sentem que precisam fazer algo em favor do próximo.
E finalmente, a última etapa é a da vocação de servir.
Tomamos gosto pelo bem. Passamos a encontrar a nossa alegria na alegria dos outros e a dar os primeiros passos no caminho da felicidade. Fazemos o bem por amor.
Em que situação nos encontramos?
Fazemos o bem por interesse, por dever ou por amor?
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Nas três situações que apresentamos – a precoce gravidez de uma filha, começar um casamento sem amor e fazer o bem por interesse — destacam-se indesejáveis começos, que, com o passar do tempo, evoluíram para o amor por um bebê, amor por uma esposa e amor pelo semelhante.
Sem maiores aprofundamentos filosóficos, entendo que a sabedoria popular, aqui personificada nas palavras de minha querida avó Duzolina, que sempre repetia os ditados de seus ancestrais italianos, servirá de reflexão final para quem deseje vencer a inércia e os obstáculos iniciais que surgem em nossas vidas:
— Comer e coçar, é só começar, ou, com o andar da carroça as abóboras vão se ajeitando.
Encerro com as sábias palavras de Richard Simonetti:
— No começo é assim mesmo. Comecemos por aí. Não faz mal que estejamos fazendo o bem por interesse. Um dia
acabaremos fazendo por consciência de dever e, lá adiante, acabaremos fazendo por amor.