DIREITO COMBINA COM AMOR?
Sidney Fernandes –
Uma das maiores conquistas de todos os tempos foi o homem fazer prevalecer o seu direito pessoal. De tempos para cá, mais especificamente das trevas da Idade Média ao mundo contemporâneo, temos acompanhado vertiginosos progressos sociais.
O mundo civilizado ainda não é um mar de rosas, pois ainda remanescem condutas reacionárias e intransigentes, mas podemos afirmar, com segurança, que tivemos sensíveis melhoras.
Campanhas educativas — que por si só já representam evolução social — passaram a motivar o homem a exercícios de cidadania que muito se assemelham e se aproximam dos princípios cristãos.
Ainda que sem um princípio religioso — o que pouco importa, neste caso —, os homens têm desenvolvido atitudes que lembram algo parecido com os ensinamentos de Jesus.
Antigamente, por exemplo, era um tormento você conviver com um fumante, principalmente num ônibus ou outro lugar fechado. Leis determinaram a abstenção ao fumo, fixando placas de proibição. Hoje, nem há necessidade mais de avisos, pois as pessoas já se educaram e respeitam os recintos de não-fumantes.
Não jogar lixo fora dos recipientes próprios, respeitar filas, pagar impostos, evitar ruídos excessivos que prejudiquem o sossego alheio, são alguns exemplos de respeito ao próximo.
O que isso representa? Aplicação da proposta de Jesus de que cada um tome como modelo de conduta o seu desejo pessoal.
As palavras do Mestre estabelecem como limite das ações de cada um o bem que queremos para nós mesmos.
Concorda, caro leitor, que, embora não haja ainda uma unanimidade de comportamento cristão, estamos melhorando a cada dia? Precisamos, porém, avançar mais. Não basta a conquista do bom relacionamento social, ainda está faltando alguma coisa, principalmente quando temos razões e direitos.
Vejamos este exemplo.
Em acidente de trânsito, um dos envolvidos é claramente o culpado. O motorista ofendido prepara-se para exigir seus direitos, obrigando o faltoso a ressarci-lo. Constata, no entanto, que o outro é um pobre coitado, no dizer do vulgo, um autêntico pé rapado. Caso seja acionado, perderá o único bem de sua propriedade, o veículo, que, aliás, é seu ganha-pão, e ainda não está inteiramente pago. A vítima se condói e releva, abrindo mão do seu direito, porque, na hora “H”, prevalece o bom senso e o princípio cristão.
Outro exemplo?
No campo da família, cônjuges têm o direito de buscar novos parceiros, quando um casamento vai mal. Muitas separações não acontecem, não obstante os inatacáveis direitos de dissolução da sociedade conjugal, por causa dos filhos, que pagariam, com traumas futuros, o preço da liberdade dos pais.
Há muitos outros exemplos, mas, quisemos apenas lembrar que, mesmo tendo razão, não devemos ser cruéis e podemos temperar nossos direitos com o condimento da caridade.
Não há qualquer mérito em não praticar o mal, quando não podemos praticá-lo. Agora, quando podemos prejudicar e não prejudicamos, podemos tripudiar e mantemos a humildade, podemos exigir e assim mesmo perdoamos e nos condoemos, daí sim, estaremos praticando a lei cristã.
Ainda como ilustração, quero lhes trazer singela história de Valérium, denominada Humildade, contida no livro Bem- Aventurados os Simples.
O infeliz estava preso. Sentenciado. Passos medidos.
Movimentação controlada. Entretanto, vivia aparentemente tranquilo. Assemelhava-se a um pássaro na gaiola. Atitude humilde. Voz humilde. Olhar humilde. Respostas humildes.
Reações de profunda humildade. Veio o dia, porém, em que foi solto, e, após algumas horas de liberdade, a poucos passos da prisão, revoltou-se, insultou, agrediu os semelhantes e cometeu outro crime.
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Não suponha você que a humildade seja calma constrangida na cadeia da prova. A pessoa encarcerada obedece a regulamentos ou sofre vexames. A criatura doente permanece no leito ou agrava a própria situação. Mas se você tem o direito de reclamar e não reclama, se você pode fazer o mal e procura estender o bem, então a humildade começou a acender em você a luz da sua divina glória.
***
Para encerrar, caro leitor, trago-lhe, reduzida e adaptada, belíssima história denominada A História de Tom Anderson, contida no livro Presença de Deus, de Richard Simonetti.
As coisas não andavam bem entre Tom e Evelyn. O marido, que ainda amava a esposa, desejoso de manter o casamento, por eles e pelos filhos, resolveu tomar uma corajosa atitude. Estavam para sair em férias de duas semanas para espairecer e, quem sabe, dar novo ânimo à relação conjugal.
Tom, querendo se redimir do seu egoísmo e implicâncias, assumiu o compromisso de tornar-se um marido e pai carinhoso.
Logo de saída beijou a esposa e disse:
— Esse suéter amarelo fica muito bem em você.
Feliz e surpresa, a esposa suspirou:
— Oh! Querido, você reparou!
Logo que chegaram à praia, Tom pensou em descansar.
Mas a esposa sugeriu que dessem um passeio pelas imediações, andando junto ao mar. Ia recusar, mas lembrou a promessa que fizera a si mesmo. Foi com ela, enquanto os garotos brincavam empinando papagaios.
Assim, passaram-se doze dias, que Tom considerou muito felizes. Prometeu a si mesmo que continuaria com a disposição de expressar amor. Na última noite, quando se preparavam para dormir, Evelyn, triste, resolveu falar com Tom:
— Tom, fiz aqueles exames rotineiros há duas semanas. O médico disse algo diferente para você?
— Não, querida, não disse nada. Por quê?
—É que você está sendo tão bom para mim e para as crianças, que imaginei estar com uma doença grave, que eu iria morrer.
— Não querida, você não está morrendo — disse, sorrindo.
— Eu é que estou começando a viver.
***
Eu e você, amigo leitor, devemos fazer uma reflexão e indagar a nós mesmos:
— Temos sido bons cidadãos, cumprido nossos deveres familiares e, mesmo com razão, temos sido cordatos e caridosos?
Então já estamos dando os primeiros passos para mesclar nossos direitos e obrigações com as bênçãos do amor e da caridade,
como verdadeiros cristãos.