DOENÇA OU FALTA DE EDUCAÇÃO?
- Sidney Fernandes
Anatomia de um Crime, filme de 1959 de Otto Preminger, conta a história de um tenente acusado de ter assassinado um homem que, supostamente, teria estuprado sua esposa. O advogado, interpretado por James Stewart, sustenta sua defesa na tese de um psicólogo americano, segundo a qual o criminoso teria vivenciado um impulso irresistível, em defesa de sua honra. Em outras palavras, o assassino não pôde evitar o crime, o que o eximiria de sua responsabilidade.
Embora os fatos reais que inspiraram o filme tenham ocorrido há mais de cinquenta anos, a tendência em se procurar rótulos e justificativas para os desvios de comportamento está mais viva do que nunca.
-x-
A psicanalista e educadora Dra. Sílvia Gusmão analisa o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM),
utilizado como referência na classificação de doenças pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Na tentativa de definir o que é anormalidade, surgem novas patologias a cada edição do manual, o que é preocupante, porque transforma tudo o que é próprio das relações humanas em transtorno mental. Isso, naturalmente, provoca um aumento abusivo no uso de medicamentos, fato que, embora aplaudido pela indústria farmacêutica, nem sempre é recomendável.
Malcriação passa a ter outro nome: Transtorno Disruptivo de Desregulação do Humor (DMDD) e os diagnósticos de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) em crianças e adolescentes aumentam assustadoramente.
Nos EUA cerca de 9% das crianças em idade escolar foram diagnosticadas com TDAH, enquanto, na França, o percentual é inferior a 0,5%. Por que num país há uma verdadeira epidemia e no outro praticamente inexistem essas mesmas doenças?
Dra. Sílvia destaca a tendência de se patologizar atitudes da criança e do jovem, geralmente passíveis de acompanhamento disciplinar. Psiquiatras franceses, no entanto, veem o TDAH como um problema de causas psicossociais e não como um distúrbio que deva ser tratado com medicamentos.
Crianças francesas têm limites. Aprendem a escutar não, fazem suas refeições com a família no momento apropriado e os pais deixam que chorem quando vão dormir sozinhas durante a noite, já após os quatro meses de idade. Para os franceses, com limites, crianças se sentem seguras e protegidas.
-x-
Vale lembrar, a esse respeito, algumas das colocações de Monica Monasterio, da Espanha, a respeito de Educação e Responsabilidade:
Os filhos precisam perceber que, durante a infância, estamos à frente de suas vidas, como líderes capazes de sujeitálos quando não os podemos conter, e de guiá-los enquanto não sabem para onde vão. Se o autoritarismo suplanta, o permissível sufoca. Os limites abrigam o indivíduo. Com amor ilimitado e profundo respeito.
-x-
Comenta o autor Edward Wriothesley Russel que entusiastas desprovidos de senso crítico acreditam que o ADN - ácido desoxirribonucleico, uma molécula de dupla espiral (DNA) - pode explicar tudo.
Desde a existência de um Beethoven, até a de um calo. — Se já não aconteceu ainda - afirma Edward - logo veremos um criminoso livrar-se da prisão para continuar assassinando porque algum "perito biológico" convenceu a Corte de que a dupla espiral do pobrezinho se embaraçou, estando ele, portanto, isento de culpa.
-x
É claro que existem situações que são contornadas com tratamentos médicos. Um exemplo muito atual é o chamado transtorno distímico ou simplesmente distimia. O paciente que tem mau humor sistêmico, constante sentimento de negatividade e não tem prazer pela vida, se aceitar o tratamento médico e fizer a sua parte, poderá ter seus sintomas amenizados e passar a ter uma vida normal, mais gratificante e com boa convivência social.
-x
É chegada a hora de considerar a necessidade do reposicionamento e da aliança entre pais, professores e educadores. É hora de repensar os mitos que confundem e atrapalham a vida em comunidade, como por exemplo, os equívocos existentes entre liberdade e falta de limites; exercício da autoridade e autoritarismo; proximidade e permissividade; democracia e falta de respeito...afirma Dra. Sílvia Gusmão.
Desvios de comportamento não podem ser classificados como involuntários, sobre os quais não temos controle. Podemos e devemos melhorar a cada dia o nosso modo de ser. E isso recebe o nome de EDUCAÇÃO. Sem falsas desculpas e sem rotulá-los como doenças, responsabilizando o indivíduo e quem o educa por seus atos.
O autor, Sidney Fernandes, é advogado, escritor, conferencista e colaborador da Coluna Opinião