E agora, José Nélson? - Sidney Fernandes 

E AGORA, JOSÉ NÉLSON?

- Sidney Fernandes 


Falando ainda um pouco de Brasil, lembro-me de José Nélson, um grande patriota e amigo meu. Seu nome, um pouco estranho para os padrões brasileiros, originou-se da homenagem que seu pai, o velho Joaquim, quis fazer ao seu pai José. Porém, como não podia deixar de fora o outro avô, pai da sua esposa, o nome ficou José Nélson.
É trabalhador incansável da Doutrina Espírita e de muita responsabilidade. Ama o Brasil. De vez em quando, todavia, perde a paciência. Foi assim que saiu com esta:
— Vou torcer para o Brasil perder a copa de 2014!
Mas, nem mesmo em suas mais sombrias previsões imaginava tanta decepção. Sua intenção era das melhores. Queria que o Brasil acordasse de seu falso sonho esplêndido.
Acordou? E agora, José Nélson? O Brasil acordou? - perguntei a ele, lembrando-me do famoso poema de Carlos Drummond de Andrade "E agora, José?".
Naturalmente, dentre muitas esperanças e objetivos preconizados para o nosso país, lembrava-se ele da missão do Brasil, registrada por Humberto de Campos, em seu livro Brasil, Coração do mundo, Pátria do evangelho, através da mediunidade de Chico Xavier.
Esquece-se José Nélson, assim como a maioria de nós nos esquecemos, de que Pátria do Evangelho é um objetivo a ser alcançado. Não dependerá de um automático e inexorável destino, e sim de esforço, concentração, disciplina, planejamento e trabalho de todos nós. E se falharmos, com toda certeza o plano espiritual nomeará outra nação para alcançar esse desiderato. O Brasil será o que dele fizermos.
O próprio José Nélson contou-me dois fatos curiosos que nos fazem refletir mais sobre essa anunciada missão do Brasil.
Em viagem aos Estados Unidos da América, como sempre, encantava-se com a organização, limpeza, trabalho e planejamento do povo americano.
— Mas, eles não têm o principal: - raciocinava ufanisticamente - um povo fraterno e solidário como o brasileiro.
Será que não?
Estava ele assistindo a uma parada militar, em que o civismo americano mais uma vez chamava sua atenção. Em dado momento fez menção de atravessar a rua, cortando o desfile, no exato momento em que começava a passagem de um grupamento que portava a bandeira americana.
Foi impedido por um dos organizadores, senhor de certa idade. José Nélson argumentou, inutilmente, que precisava imediatamente fazer a travessia, por uma necessidade física, em busca de um sanitário público. Era urgente! O organizador não se comoveu e informou que era coisa de minutos.
José Nélson, contrariado, obedeceu e misturou-se com a multidão. Qual não foi a sua surpresa quando, lá no meio do público, foi localizado pelo velho organizador que o havia impedido de atravessar. Preocupado com a premente necessidade fisiológica de José Nelson, foi atrás dele para avisá-lo, fraternalmente, de que o caminho estava prestes a ser liberado. Agora sim ele poderia correr para o banheiro.
Vejam só! Costumamos rotular o povo americano de frio e pragmático e somos surpreendidos, não raramente, por demonstrações de solidariedade e generosidade que achávamos prerrogativa única do povo brasileiro! Puro bairrismo.
Outro episódio interessante ocorreu quando José Nélson, ainda na América, reencontrou Ali, um velho amigo peruano, que trabalha como garçom de uma pizzaria em Nova Iorque.
Depois dos efusivos cumprimentos, José Nélson ficou esperando as piadas que Ali já deveria ter prontas, para ridicularizá-lo pela má performance da Seleção Brasileira de Futebol, na copa de 2014. Esperou, esperou e nada da temida gozação.
Já para despedir-se, José Nélson não aguentou e tocou no assunto:
— Não vai fazer nenhuma piada?
— Não desta vez amigo. - respondeu Ali.
— Imagino a dor que está sentindo. No mais, estou muito bem lembrado de sua generosidade ao poupar-me de seus comentários, quando o Peru perdeu da Argentina de seis a zero, em 1978, naquele malfadado e suspeito jogo.
— Agora é a minha vez de consolá-lo - finalizou Ali.
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José Nélson contou-me esses dois episódios que muito o impressionaram, fazendo-o refletir mais sobre a evolução da fraternidade em outros povos.
Aproveitei para lembrá-lo de que, além dos fatos que ele narrou, hoje podemos enumerar várias manifestações de solidariedade, como, por exemplo, dos Médicos Sem Fronteiras, que, surgindo de várias partes do mundo, arriscam-se e doam suas vidas em favor de desconhecidos estrangeiros.
Em seguida, para não dar o braço a torcer, José Nélson voltou a exaltar o futuro maravilhoso reservado para o Brasil:
— Se outros povos estão se tornando fraternos e solidários, tanto melhor - argumentou. — Nós, os brasileiros, já somos assim. Falta-nos apenas planejamento e organização - arrematou José Nélson, com seu incorrigível patriotismo.
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Todos nós almejamos um futuro glorioso para o Brasil. É forçoso concluir, todavia, que estamos diante de um programa de trabalho e uma meta a ser alcançada. E esse objetivo somente se tornará realidade se melhorarmos nossas disposições e comportamentos, adequando-os à expectativa do plano espiritual.
Diz Emmanuel, no livro Pão Nosso, que "devemos exemplificar a própria fé, suportando a injustiça e o dano heroicamente, no silêncio da alma fiel, antes da opção de qualquer revide. Há homens inquietos e insaciados que ainda não conseguiram compreender e exigem que as obras ocorram de um dia para outro".
Ainda estamos distantes da plena solidariedade, compaixão e caridade, características de uma Pátria do Evangelho. E não será automaticamente ou de um dia para o outro que nos transformaremos em Coração do Mundo.
Encerremos com estas palavras de Richard Simonetti:
A solução para os problemas humanos está no espírito de serviço, no empenho de se formar uma corrente imensa de pessoas interessadas em vivenciar o Evangelho. Fazendo assim, nós estaremos agindo de maneira produtiva em favor de um Brasil melhor. Mais eficiente do que qualquer agitação popular será o comportamento da população, procurando cumprir com os seus deveres. Principalmente o dever maior, que é o da solidariedade, de fazermos ao próximo o bem de que gostaríamos nos fosse feito, como ensinava Jesus.