EQUILÍBRIO — CAMINHO DA EVOLUÇÃO
-Sidney Fernandes
O ditado português Nem tanto ao mar, nem tanto à terra sugere moderação, equilíbrio ou ainda, nem muito, nem pouco.
Poderá parecer ao caro leitor, que alcançar o comedimento é uma tarefa fácil, que depende apenas de uma certa determinação e
persistência. Não é bem assim que as coisas acontecem.
Aristóteles, um dos pensadores gregos de maior influência na cultura ocidental, elaborou a teoria do meio-termo, segundo a qual o homem poderá desenvolver as qualidades de seu caráter, desde que consiga identificar os extremos.
Por exemplo: entre a imprudência e a audácia, embora muito próximas, está a coragem. Ou, entre a inércia e a ambição, está o trabalho empreendedor. Ou ainda, entre a carência e a riqueza, está a estabilidade financeira. Tudo consiste em se conscientizar dos pontos extremos e buscar, com todas as forças possíveis, a justa medida.
O equilíbrio é o caminho da evolução.
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O texto evangélico que diz ser mais fácil um camelo passar por uma agulha, do que um rico entrar no reino de Deus, parece induzir-nos a pensar que Jesus tinha um santo horror à riqueza e que somente os pobres entrariam no reino dos céus.
Na verdade, explica-nos Allan Kardec, na alta posição, o homem que desfruta de autoridade e poder terá maiores tentações.
Nem por isso, no entanto, estará impedido de fazer o bem. Tendo melhores condições, se conservar o equilíbrio e o bom senso, poderá sensibilizar-se com as carências alheias e ser solidário a elas.
Nos dias atuais temos um precioso exemplo no trabalho meritório da Fundação Bill e Melinda Gates, cujos fundadores, bilionários e filantropos, desde 20 de julho de 2006 dedicam-se a financiar dezenas de projetos para melhorar a qualidade de vida dos indivíduos, principalmente de comunidades carentes.
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Não foi bem isso que aconteceu, todavia, com estes personagens descritos por André Luiz, no livro No Mundo Maior.
Bastava leve brisa para os dois velhinhos segurarem, de encontro ao peito, fragmentos de lama, como se fossem precioso tesouro.
Eles viviam entre o medo e a suspeita. Eram usurários desencarnados que não praticaram a ambição moderada e nobre e muito menos vacilaram em empregar todos meios possíveis para alcançar seus fins egoísticos. Armaram verdadeiras ciladas a companheiros incautos, para sugar-lhes as economias.
Os sofrimentos de suas vítimas, com maléficas emissões de vingança, alcançaram-nos depois do desencarne, impondo-lhes couraça no campo das ideias.
De repente, André Luiz identificou a voz do seu querido avô Cláudio, que sempre o tratara com muito carinho e patrocinara seu curso de medicina, para que ele tratasse de pobres e desvalidos.
Era ele que estava ali, à sua frente, desesperado, preso ainda aos seus anseios de posse e poder. Depois de quarenta anos desencarnado, lembrava-se agora, com arrependimento, dos crimes que cometera, da considerável fortuna que acumulara e da velhice espinhosa que curtira, pelo excessivo apego ao dinheiro.
De um salto, André venceu o espaço que o separava do querido avô. Erguendo os olhos, perguntou-lhe:
― Vovô Cláudio, pois o senhor não me conhece mais?
Amparado pelo mentor Calderaro, que também enxugava lágrimas discretas, André sustentou seu avô nos braços, como se transportasse, louco de alegria, precioso fardo que lhe era doce e leve ao coração.
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Se por um lado, Cláudio, o avô de André Luiz, não conseguiu manter o equilíbrio e, ao invés da moderação, preferiu a riqueza e ambição desenfreada, de certa forma confirmando o texto de Jesus a respeito dos ricos, por outro, aqui temos o outro lado da moeda.
O que aconteceu com este rico e poderoso rei depois da morte?
Vejamos um curioso episódio, narrado por Irmão X, que aqui transcrevo, resumidamente.
Dois homens chegaram, depois da morte, ao plano espiritual. Um trazia as marcas da deficiência e da carência e o outro os sinais de que havia sido rei, na Terra.
O primeiro mostrava, claramente, lutas interiores e fortes tribulações materiais, que o impediriam de demandar regiões superiores. O segundo, diferentemente, denotava claridade íntima, oriunda do bom emprego que havia feito da riqueza e do poder, que o habilitariam a viajar em demanda a mundos mais adiantados.
Diante da inconformação do outrora aleijado, que havia sido paupérrimo e sofrido toda sorte de privações, assim se manifestou o representante divino:
— Viste-o na mesa farta, mas não lhe percebeste os sacrifícios ao comer por obrigação. Além disso, na posição de soberano, podia ferir e não feriu, humilhar e não humilhou a ninguém, prejudicar e não prejudicou, desertar e não desertou...
Ao ouvir essas ponderações, o ex-mendigo indagou, aflito:
— O que será de mim agora?
O ministro angélico abraçou-o sensibilizado, e informou:
— Agora, renascerás na Terra e serás também rei.
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Como podemos notar, amigo leitor, não é a posição social, a quantidade de bens ou o alcance dos poderes a nós concedidos que vão determinar o nosso caminho evolutivo, e sim o equilíbrio e a sobriedade com que venhamos a utilizá-los, considerando, em última instância, o texto evangélico que nos adverte de que a todo aquele a quem muito foi dado, muito lhe será pedido.
Tudo dependerá, portanto, de como vamos empregar os dons inatos, as facilidades e os talentos que recebemos na presente existência.
Procuramos ser menos fúteis, orgulhosos e egoístas ou permanecemos apegados aos bens materiais? Guardamos o equilíbrio, a sobriedade e o comedimento, ou nos deixamos empolgar pelos extremados vícios da vida?
De acordo com o aproveitamento em favor de nossa economia espiritual e do próximo, será determinada a nossa responsabilidade.
Referências: O Livro dos Espíritos, Allan Kardec; Contos Desta e Doutra Vida; Irmão X; No Mundo Maior, André Luiz.