Equilíbrio por fora, loucura por dentro -Sidney Fernandes

EQUILÍBRIO POR FORA, LOUCURA POR DENTRO
-Sidney Fernandes


Quando fugimos de aprender e servir, em proveito próprio, estamos, sem perceber, sob a hipnose da obsessão oculta, carregando equilíbrio por fora e loucura por dentro.
Este é o texto de Emmanuel, que dá título a este artigo.
Atrevo-me a correlacioná-lo com uma das expressões mais fortes de Jesus, quando, dirigindo-se a escribas e fariseus, chamou-os de hipócritas e semelhantes a sepulcros caiados, pois que exteriormente pareciam justos e por dentro estavam cheios de iniquidades.
Em versão sertanejo-brasileira, essas advertências poderiam ser assim sintetizadas:
Tem gente que é assim: por fora, bela viola, mas, por dentro, pão bolorento.
Será mesmo que ainda existem pessoas assim, formosas na aparência e cheias de ossos e imundícia em seus gestos, atitudes e palavras?
Infelizmente, amigo leitor, é o que mais existe neste mundo de expiações e provas. E o pior: em muitos dos nossos mais comezinhos gestos, ainda que já estejamos contemplados pelos ensinamentos do Cristo e bafejados pela filosofia espírita, assumimos, sem querer, ou sem perceber, atitudes aparentemente inocentes, até mesmo educadas, porém carregadas de indolência e hipocrisia.
Quer ver?
Do artigo A teoria e a prática, de Richard Simonetti, retirei alguns trechos da narrativa de Custódio, que realizava, ao lado da esposa e dois amigos, uma reunião em sua casa. Falavam sobre temas doutrinários, principalmente os relacionados com o bem do próximo, atitudes perante a vida, os momentos e os locais em que a caridade deve ser exercida.
Ao final da conversa, Custódio relembrou a recomendação de Santo Agostinho de perguntarmos a nós mesmos, ao fim do dia:
— Há alguma coisa que eu tenha feito, no dia de hoje, da qual eu tenha que me envergonhar?
Naquela noite, o próprio Custódio, ao fazer suas orações, em sua conversa com o travesseiro, fez a avaliação do seu dia, analisando cuidadosamente o seu comportamento. Depois de aprovar-se na maioria dos tópicos, teve uma surpresa ao verificar seu comportamento nas últimas duas horas. 
Constatou que, na frutífera conversa a respeito da caridade, havia se utilizado dos préstimos da sua diligente esposa nada menos do que cinco vezes, em encargos que, rigorosamente, seriam de sua responsabilidade.
Honestamente, concluiu: em termos de caridade, havia, teoricamente, pensado muito nos próximos mais distantes, esquecendo-se da próxima mais próxima: sua esposa.
Por comodismo ou indolência, havia teorizado. Esquecerase, contudo, da prática. Custódio, como sói acontecer com a maioria de nós, havia se preocupado muito mais em receber, do que, propriamente, em dar.
***
Entendo, amigo leitor, que deslizes como este são sérios indicativos de que precisamos passar por um balanço em nossas conquistas pessoais, semelhante ao que André Luiz recomenda, em psicografia de Waldo Vieira, que abaixo transcrevo, resumidamente.
Partindo do princípio de que espírita que não progride durante três anos sucessivos permanece estacionário, convém, para nossa própria segurança emocional e espiritual, efetuarmos um reexame periódico em nosso comportamento pessoal.
É o caso de eu me perguntar, de tempos em tempos:
— De três anos para cá estou mais calmo, mais afável e compreensivo?
— Tenho melhor clima de paz dentro de casa?
— Estou colaborando com mais entusiasmo quando sou convidado ao trabalho em favor do próximo?
— Trago o Evangelho mais vivo em minhas atitudes?
— Surpreendo-me com mais disposição de servir voluntariamente?
— Noto que estou mais livre do anseio de influência e de posses terrestres?
— E no relacionamento social, profissional e familiar?
Percebo que estou usando mais os pronomes possessivos nós, nosso e nossa? E falando menos as palavras eu, meu e minha?
— E quanto aos instantes de tristeza e cólera? Estão mais raros?
— Os remorsos diminuíram?
— Ainda tenho desafetos, adversários ou inimigos?
— E com relação aos meus antigos lapsos de desatenção e negligência? Estão sendo evitados? Estou mais atencioso, mesmo com pessoas mais pobres, humildes e subordinadas?
— Passei a estudar regularmente a Doutrina Espírita?
— E a dor? Hoje eu a entendo melhor, do que três anos atrás?
— Ainda tenho alguma secreta desavença ou já aprendi que de nada adianta tomar o veneno do ressentimento, na esperança de que meu desafeto sofra as consequências?
— Estou mais desperto para as dores dos que me circundam ou a minha unha encravada ainda é mais importante do que o câncer do vizinho?
— Tenho orado realmente? Ou só murmuro, entre dormindo e acordado, algumas palavras decoradas?
— Meus ideais evoluíram ou ainda estou cultivando as sandices da minha juventude?
— E a minha fé, como está? Já creio realmente ou ainda condiciono minha confiança em Deus a promessas e negociações?
— Minha fala está mais indulgente?
— Meus braços estão mais ativos?
— Minhas mãos mais abençoadas?
— Estou mais ativo, alegre e feliz nestes três últimos anos?
***
— Quando devo realizar esse balanço?
Santo Agostinho sugere, na questão 919 de O Livro dos Espíritos, que esse reexame deva ser feito toda noite.
André Luiz recomenda que o seja o mais breve possível, enquanto estamos encarnados e ainda podemos desfazer enganos até com certa facilidade. Alerta-nos que do lado de lá será mais difícil.
Sem prejuízo dessas recomendações, proponho que neste Natal lembremo-nos mais do aniversariante e das dificuldades por que passou.
E do gesto de desprendimento e amor à humanidade que Jesus teve ao se dispor a encarnar junto de homens que, salvo raras exceções, não tinham a menor condição de assimilar a sublime, revolucionária e futurística mensagem de que era portador.
E esses desavisados — que sem sombra de dúvida éramos nós mesmos — continuam ostentando a pecha de sepulcros caiados, não obstante mais de dois mil anos transcorridos.
Que tal incluirmos, neste Natal, como fazem os irmãos americanos do norte, uma resolução de ano novo que perdure por muitos anos novos e nos vacine contra a teoria sem prática que ainda persiste em nossa conduta?
Entendo que esse é o mínimo que devemos fazer, como criaturas que, infelizmente, ainda portamos aparente equilíbrio por fora e muita loucura embolorada por dentro.
Um Natal mais puro, branco e sincero, para todos nós!


FONTES CONSULTADAS
1 – A teoria e a prática – Richard Simonetti
2 – Seguir em paz – editorial Momento Espírita de Dezembro/2016
3 – Examinemos a nós mesmos – André Luiz – Waldo Vieira
4 – Jesus, Kardec e Nós – Emmanuel, Francisco Cândido Xavi