Eremitério -Sidney Fernandes

EREMITÉRIO
Sidney Fernandes


Expressão de sonoridade fúnebre, até rima com cemitério,
mas se refere tão somente, ao local escolhido pelo eremita para
viver. Ele isola-se do mundo, a pretexto de se preservar de suas
impurezas, por amor à natureza, religiosidade ou falta de
sociabilidade.
À época de Kardec, a situação era mais séria. Da Idade
Média chegara a ideia de que o pecado seria superado por
intermédio do sofrimento. Proliferaram várias fórmulas de
sacrifício voluntário, em forma de tecidos grosseiros, roupa com
pele de cabra ou espinhos, que grandes personalidades portavam,
discreta ou acintosamente, na prática do autossacrifício físico.
O filme Código da Vinci, baseado no livro homônimo de
Dan Brown, desperta polêmica junto aos exegetas católicos que,
não obstante se levantarem contra os excessos do retrato
apresentado da instituição Opus Dei, são obrigados a admitir que
a mortificação corporal, ainda que de forma mais leve e discreta,
ainda existe nas chamadas ordens monásticas.
Embora considerem as mensagens do livro/filme exageradas
e distorcidas, admitem que alguns de seus membros fazem uso do
cilício e das disciplinas como formas de mortificação, que sempre
fizeram parte da tradição católica por causa da sua ligação
simbólica à paixão de Cristo, como se a importância maior do
Grande Mestre estivesse no seu sofrimento, e não mensagem de
amor que revolucionou a humanidade.
O insulamento absoluto, como forma de fuga do contato
com o mundo ou de autoimposição penosa, foi motivo de severas
críticas dos espíritos consultados por Allan Kardec:
— Fazer maior soma de bem do que de mal constitui a
melhor expiação — alertaram os mentores.
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Kardec tratou desse assunto e Simonetti o comentou em seus
livros. Espíritos consideraram o isolacionismo como fruto do
egoísmo humano. Melhor seria se o sacrifício do homem fosse
direcionado em favor do seu próximo, para o bem do seu
semelhante, do que egoisticamente cuidar apenas do próprio
interesse.
Richard Simonetti vai mais além. Nos nossos tempos, em
que é mais raro esse tipo de isolamento, em que o homem já não
comete mais coisas ridículas, como, por exemplo, pastar junto de
animais para integrar-se com a natureza, o que era comum na
Idade Média, ele detecta outro eremitério: o do homem comum,
componente de vasta parcela da população atual.
O eremita urbano participa superficialmente da vida social,
para atender sua subsistência, sem se misturar com os problemas
da sociedade, em favor da qual deveria assumir atitude solidária, a
fim de minimizar ou até solucionar as dificuldades que a afetam.
Diferentemente do ermitão da Idade Média, não vive em
locais isolados ou desertos e sim numa caverna: o seu lar. Nele
está o seu oásis, distante das misérias humanas e das carências
alheias. É o homem comum, que se diz religioso, não praticante,
que se isola em sua própria casa, indiferente aos problemas do
mundo. Preocupa-se com a sua vida, no máximo com a dos
familiares. O resto que se lasque.
Conquistam a almejada felicidade? Superficial e pouco
duradoura. Não por coincidência, encontramos nos países mais
adiantados do mundo, com elevados níveis de satisfação social, os
maiores índices de suicídio do nosso planeta.
Eles são os eremitas urbanos, que possuem dinheiro,
conforto, poder e satisfação, mas não conseguem alcançar a
realização interior proporcionada pela dedicação às causas
meritórias, que alcançam o próximo. Os chamados hormônios da
felicidade não são obtidos apenas através de exercícios físicos,
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mas de muitas outras atitudes, como o sorriso, o contato com a
natureza e outras atividades que beneficiam o semelhante.
A felicidade, ainda que relativa, aqui na Terra, só é
alcançada quando conquistamos o seu tempero mais importante: a
paz. E o método infalível para obtê-la, em nossas vidas, está na
participação em movimentos de solidariedade em favor do bem
comum.
As casas religiosas, dedicadas à filantropia e à caridade, em
seus mais variados ângulos, representam o fórum ideal para dar a
resposta precisa para qualquer um que almeje a paz, que o levará
à felicidade.
Aconselha-nos Simonetti:
— É preciso deixar a ermida doméstica e buscar nossa
integração na vida social, participando de movimentos de
solidariedade em favor do bem comum.
E o Centro Espírita está capacitado a nos oferecer precioso
leque de atividades, que se abre aos voluntários que queiram
servir. E a casa espírita crescerá, na medida em que os seus
voluntários saiam de suas cavernas e assumam atividades
preciosas em favor do ser humano carente.
Quando nossa sociedade estiver disposta a sair de seus
eremitérios domésticos, praticando o bem comum, ela alcançará o
equilíbrio, com paz, levando de volta aos seus lares a verdadeira
felicidade.
Obras consultadas:
Por Uma Vida Melhor, Richard Simonetti
Código da Vinci, Dan Brown
O “Código da Vinci, a Igreja Católica e o Opus Dei, artigo contido no site
https://opusdei.org