Espiritismo sem os Espíritos -Sidney Fernandes - 

ESPIRITISMO SEM OS ESPÍRITOS
-Sidney Fernandes - 


Um raio teria feito menos estragos do que a proposição apresentada por Haroldo, participante de uma das reuniões mediúnicas, à diretoria do Grupo Espírita Emmanuel, com a seguinte argumentação:
— Há dez anos acompanho as comunicações dos espíritos. 
Não me ensinaram, durante todo esse tempo, nenhuma verdade nova. Estou farto de ouvir baboseiras que ressoam banalidades morais. Vou me dedicar aos estudos da Doutrina Espírita e não mais darei ouvidos às comunicações que proscrevi da minha vida espírita.
Discutirei minhas conclusões com aqueles que quiserem aderir à minha decisão, sem recorrer ao assentimento dos espíritos.
Diante da estupefação geral, Ricardo, um dos diretores, levantou-se, indignado, e repetiu algumas palavras de Allan Kardec, que, diante de grupo dissidente, com manifestação análoga, reagiu àquela postura, nominando-a de ingratidão perante os benfeitores espirituais:
— O caro irmão está completamente equivocado em suas observações. Sem as comunicações dos espíritos não haveria Espiritismo — disse Ricardo, repetindo textualmente palavras do Codificador.
— Sem os espíritos — falou em seguida Maurílio — nossa Doutrina seria simples teoria filosófica nascida dos cérebros humanos...
— Ao passo que — reforçou o velho Anacleto — a universalidade do ensino dos espíritos dá, ao Espiritismo, o valor de uma obra coletiva.
— O fato de algumas comunicações serem de má qualidade — voltou a argumentar Ricardo — não implica que todas devam ser rejeitadas. Já dizia o sábio Gandhi que não é porque existem algumas gotas de água suja no oceano, que ele esteja sujo por completo.
— Não se esqueça, Haroldo, de que os espíritos nos alertam, nos protegem e, em muitas ocasiões, quando somos merecedores, minimizam e até curam nossas defecções físicas, às vezes muito antes que elas se manifestem — ponderou sabiamente Anacleto.
Não adiantaram, todavia, aquelas manifestações de indignação, e outras, não tão educadas e mansas como as já emitidas. Haroldo, irredutível, levantou-se e retirou-se do recinto.
Ricardo estava ensimesmado com a posição dissidente de Haroldo, a quem respeitava e considerava como verdadeiro irmão, diante de sua extensa folha de trabalhos naquela casa espírita e de sua cultura doutrinária. Estava quieto, refletindo sobre aquela inusitada situação, quando o velho Anacleto se aproximou.
— Estou pensando o mesmo que você, Ricardo. Para mim Haroldo está influenciado por alguma corrente espiritual dissidente, que quer bagunçar nossa casa espírita.
— Se for isso — falou sorrindo Ricardo —, essas ideias malucas já devem estar sendo coibidas pelos mentores do centro.
Com certeza já tomaram alguma providência de que ainda não temos conhecimento.
Anacleto olhou significativamente para Ricardo, como se as suas palavras o tivessem despertado para a proteção dos espíritos superiores que sempre acompanharam a instituição, desde sua fundação.
***
As palavras de Ricardo deveriam ter sido registradas por algum gravador. Em menos de um mês surgiram algumas novidades, aparentemente sem ligação com os acontecimentos. Um dos grupos mediúnicos da casa espírita estava com um problema.
Extensa comunicação psicográfica havia sido recebida por Mafalda, uma das médiuns, sem que se atinasse quem seria seu destinatário.
A psicógrafa, ansiosa para entregar a carta que havia recebido mediunicamente, procurou Ricardo para trocar algumas ideias.
— Assistindo a uma palestra por rede social, descobri que o palestrante é descendente de estrangeiros, pois ele narrou fato ligado ao seu avô.
— O que tem a ver com o assunto, Mafalda? — perguntou Ricardo.
— Acontece que o comunicante derrapou várias vezes no português, denotando origem europeia.
— Ainda não entendi — insistiu Ricardo. Quem era o palestrante?
— Nosso amigo Haroldo! Tenho intuição de que a carta foi destinada a ele.
Imediatamente Ricardo ligou os pontos. Conhecia um pouco da vida particular de Haroldo e sabia que ele era neto de italianos e espanhóis. Não quis ser indiscreto com relação ao conteúdo da carta, para saber mais detalhes, e terminou a conversa aconselhando a médium a conversar diretamente com ele, prevenindo-a de suas recentes resoluções.
***
— Haroldo, aqui é a Mafalda, do centro espírita.
— Olá Mafalda, o que manda? — respondeu Haroldo, educadamente.
— Seu avô era espanhol?
— Sim, por quê?
— Seu sobrenome começava com a letra “e”?
— Estranho — pensou Haroldo. Não existe alma viva que saiba que meu avô paterno havia assumido, por questões de homonímia, o sobrenome de sua avó, que realmente começava com aquela letra.
Incrédulo, em seguida ele quis saber mais detalhes da comunicação que ela alegava ter, supostamente dirigida a ele.
Surpreendeu-se com as informações e marcou um horário em que poderiam conversar na casa espírita.
***
A pedido de Mafalda e com a concordância de Haroldo, a conversa seria acompanhada por Ricardo e Anacleto. Ao entrarem na sala, ambos estranharam que Haroldo estivesse visivelmente emocionado.
— Sem tirar nem pôr — disse Haroldo aos dois amigos que entravam —, esta carta é do meu avô Toninho. Fala que meu pai pede desculpas pelas estripulias que aprontou comigo, quando estava vivo.... Descreve a alegria de minha mãe com minhas palestras...
— Alguma coisa mais pessoal? — perguntou Ricardo.
— Sim, sim — respondeu Haroldo prontamente. Como vocês sabem, sou viúvo, e estava pensando em me unir a uma senhora, mais nova que eu, mas ninguém sabe disso. E ali meu avô diz, com muita energia, no seu portunhol arrastado: Encontraste, é ela a mulher de sua vida! — contou Haroldo, entre uma lágrima e outra.
— E a pá de cal, para colocar fim às minhas incredulidades, está aqui, no final da comunicação. Meu avô puxa minhas orelhas, vigorosamente, por ter duvidado e me afastado das reuniões mediúnicas.
Ricardo e Anacleto se entreolharam, mas não abriram a boca, para não estragar a reconversão do companheiro. Na noite seguinte, sem avisar ninguém, lá estava o incrédulo Haroldo, de volta ao grupo mediúnico que havia abandonado.
***
Ensina Richard Simonetti, em Por Uma Vida Melhor, que o intercâmbio com o além faculta-nos:
 O contato com entes queridos;
 O socorro dos mentores espirituais;
 O afastamento de espíritos tristes e doentes;
 O atendimento de entidades sofredoras; e
 O estímulo à renovação, porquanto são espelhos de nossas almas.
Define Emmanuel, em Vinha de Luz, os que exigem sinais do céu para provar a fenomenologia psíquica, como ignorantes ou portadores de má-fé, e, os que se prestam a atendê-los, como distraídos ou loucos.
Finalmente, lembra-nos Allan Kardec, na Revista Espírita, que as comunicações dos espíritos fundaram o Espiritismo. Repeli-las significaria tirar-lhe o alicerce e tal não pode ser o pensamento de espíritas sérios e devotados.
***
Jamais descuidemos dos ensinamentos básicos do Espiritismo, porquanto eles nos mantêm firmes, fiéis e equilibrados guardiães da sua pureza doutrinária.
Texto baseado em manifestação de dissidentes da Doutrina Espírita, registrada pela Revista Espírita, de Allan Kardec, de abril de 1866.
Outras fontes consultadas: Allan Kardec em Revista, de Maroísa Baio, Casa Editora O Clarim, Por Uma Vida Melhor, de Richard Simonetti, Editora CEAC e Vinha de Luz, de Emmanuel, FEB Editora.