ESQUEÇA-ME!
- Sidney Fernandes –
Acreditaria o caro leitor se eu lhe dissesse que, em 1931, Emmanuel teria recomendado a Chico Xavier que dele se afastasse e o esquecesse? Isso realmente aconteceu?
Antes de elucidar devidamente esse assunto, atentemos para esta definição de Allan Kardec sobre fundamental tema da Doutrina Espírita, que consubstancia importante texto da moral de Jesus: O Homem de Bem.
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Na questão 918, de O Livro dos Espíritos, o conceito do homem de bem é assim assentado em três pilares da moralidade humana: justiça, amor e caridade.
Tendo como guia a sua consciência, o homem de bem indagará se guardou respeito às leis humanas, se evitou todo mal e praticou todo bem ao seu alcance.
Prosseguindo nesse autoexame, perguntará a si mesmo se tem procurado cumprir o magno texto evangélico de fazer ao semelhante
somente o que gostaria que lhe fizessem.
Naturalmente, para seguir essa recomendação do Cristo, o candidato a homem de bem terá que confirmar para si mesmo se tem sido útil e dessa forma não tem sido motivo de queixa da parte dos que compartilham a sua existência.
E que conceito ele tem do Criador? Sua fé fá-lo aceitar plenamente a bondade, a justiça e a sabedoria divina? Essa fé é capaz de fazê-lo entender o porquê de suas provas e expiações? Já está plenamente convicto de que, mesmo sem recordar por que sofre, está colhendo o fruto de sua semeadura? Porque tudo tem uma causa justa e determinada?
Ainda assim, consegue valorizar os bens espirituais, não temporais, mais do que os vãos interesses da materialidade humana?
Submete-se efetivamente à vontade de Deus, sem blasfêmias e murmúrios?
Finalmente, contrapõe o mal que encontra em seu caminho com o bem que começa a brotar natural e desinteressadamente de seu coração, materializado na defesa do fraco, com sacrifício de seus próprios interesses?
Aqui está, caro leitor, resumidamente, o conceito do autêntico cristão.
Os conceitos enunciados por Kardec são mais completos do que esta síntese. Assegura que há outros pontos a serem conquistados pelo homem. Estes, no entanto, são os principais, que devem merecer imediata e urgente atenção.
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Já podemos nos considerar homens e mulheres de bem?
Se até o presente momento fizemos nossos comentários, fazendo o possível para estudar o assunto, dentro de nossas limitadas possibilidades de interpretação, curvamo-nos agora diante da extraordinária capacidade do exegeta Emmanuel, que, de forma sucinta, porém com magistral clareza, comenta a questão 918, de O Livro dos Espíritos:
O homem bom
Conta-se que Jesus, após narrar a Parábola do Bom Samaritano, foi novamente interpelado pelo doutor da lei que, alegando não lhe haver compreendido integralmente a lição, perguntou, sutil:
— Mestre, que farei para ser considerado homem bom?
Evidenciando paciência admirável, o Senhor respondeu:
— Imagina-te vitimado por mudez que te iniba a manifestação do verbo escorreito e pensa quão grato te mostrarias ao companheiro que falasse por ti a palavra encarcerada na boca.
— Imagina-te de olhos mortos pela enfermidade irremediável e lembra a alegria da caminhada, ante as mãos que te estendessem ao passo incerto, garantindo-te a segurança.
— Imagina-te caído e desfalecente, na via pública, e preliba o teu consolo nos braços que te oferecessem amparo, sem qualquer desrespeito para com os teus sofrimentos.
— Imagina-te tocado por moléstia contagiosa e reflete no contentamento que te iluminaria o coração, perante a visita do amigo que te fosse levar alguns minutos de solidariedade.
— Imagina-te no cárcere, padecendo a incompreensão do mundo, e recorda como te edificaria o gesto de coragem do irmão que te buscasse testemunhar entendimento.
— Imagina-te sem pão no lar, arrostando amargura e escassez, e raciocina sobre a felicidade que te apareceria de súbito no amparo daqueles que te levassem leve migalha de auxílio, sem perguntar por teu modo de crer e sem te exigir exames de consciência.
— Imagina-te em erro, sob o sarcasmo de muitos, e mentaliza o bálsamo com que te acalmarias, diante da indulgência dos que te desculpassem a falta, alentando-te o recomeço.
— Imagina-te fatigado e intemperante e observa quão reconhecido ficarias para com todos os que te ofertassem a oração do silêncio e a frase de simpatia.
Em seguida ao intervalo espontâneo, indagou-lhe o Divino Amigo:
— Em teu parecer, quais teriam sido os homens bons nessas circunstâncias?
— Os que usassem de compreensão e misericórdia para comigo — explicou o interlocutor.
— Então — repetiu Jesus com bondade — segue adiante e faze também o mesmo.
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O que afinal têm a ver estas importantes contribuições filosóficas de Allan Kardec e de Emmanuel com a chamada inicial deste texto? Vejamos o que ocorreu com Chico Xavier, em 1931, quando recebeu novamente a visita de seu mentor espiritual, desta vez para lhe ministrar sua segunda orientação.
A primeira - recordemos- foi para lhe recomendar disciplina, disciplina e disciplina, no exercício da mediunidade.
Chico estava descansando nos fundos da fábrica de tecidos em que trabalhava, perto de um belo e calmo canal de água, quando
Emmanuel assim lhe falou:
Se algum dia eu lhe disser algo diferente do que disseram Jesus e Kardec, fique com eles e me esqueça.
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Em quase setenta anos de convivência com Chico, seu guia espiritual jamais afastou-se do Cristo e de Allan Kardec. Ao contrário, tornou-se o maior intérprete de ambos, concitando o homem de bem a persistir e a honrar seus ensinamentos.
Guardou estrita fidelidade aos princípios fundamentais das divinas revelações do amor e da razão.
E nós, aproximamo-nos do conceito de homens de bem?
Podemos afirmar que já conseguimos não mais nos afastar do Cristo e de Allan Kardec?
Fontes consultadas: Religião dos Espíritos, de Emmanuel; No Mundo de Chico Xavier, de Elias Barbosa; e O Livro dos Espíritos, de
Allan Kardec.