EXISTE O INFERNO?
-Sidney Fernandes–
Qual é o segredo da consagrada série Lúcifer, da TV americana? O charme de um suposto diabo que só é feliz quando os maus são punidos e a justiça vence? Ou a sua fraqueza diante do amor de uma competente policial? Ou tudo isso reunido, sob a ameaça de um hipotético inferno, em contraponto com um improvável céu, para onde raríssimos humanos conseguirão ir, após a morte, dadas as exigências que beiram à perfeição?
Provavelmente, o sucesso da série deve-se, em grande parte, à diversão televisiva, uma espécie de opiáceo das massas, que encobre a realidade e tira a responsabilidade de pensar do espectador.
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Não é estranho que, em pleno século XXI, ainda se cogite de um inferno eterno, com suas fornalhas ardentes e caldeiras ferventes que contrariam a razão humana? Já paramos para pensar que uma existência — em média de 76 anos (ou às vezes mais curta) — possa determinar a nossa eternidade?
Essa crueldade filosófica se antepõe frontalmente ao Deus de que ouvimos falar em todas as religiões, incluindo a cristã, cujo personagem principal, Jesus, somente a ele se referia como um pai justo, misericordioso e bom. Como conciliar a infinita bondade de Deus com a vingança infinita?
A ideia de um inferno eterno, em contrapartida com a hierarquização de um céu reservado a um seleto número de almas, colide com a lógica e poderia ser considerada como um fantasma para assustar criancinhas, enquanto pequenas e ingênuas ou, na melhor das hipóteses, como verdadeiro marketing disparado por Dante Alighieri. Sua obra Inferno, da trilogia A Divina Comédia, escrita no início do século XIV, aterrorizou católicos por séculos e triplicou o número de adeptos e frequentadores da Igreja.
Quem pensa, estuda, raciocina, tem um mínimo de inteligência e está despido de dogmas e fanatismo, não aceita o arremedo de destino pós-morte projetado por Dante, ressuscitado pelo personagem Lúcifer, nem suporta a ideia de um suposto céu inalcançável, da teologia medieval, em que os melhores predicados seriam viver ao lado de Deus, sem sofrimentos.
Tiremos o cavalo da chuva, como diria meu pai, e entendamos, de uma vez por todas, que a ociosidade, além desta vida, está fora de questão. Meu pai trabalha até agora e eu trabalho também, informou Jesus, conforme registro do evangelista João. Vem a Doutrina Espírita nos ensinar que sem o trabalho, o homem permaneceria na infância da inteligência1.
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— Como será, então, a vida depois da morte — poderíamos indagar.
Diz o bom senso que a natureza não dá saltos e que, em nossa vida futura, viveremos exatamente na atmosfera que produzimos aqui na Terra, na presente vida. Ao morrermos, não seremos defrontados por um tribunal ou, necessariamente, por criaturas que nos queiram cooptar para esta ou aquela região, celestial ou infernal.
O ambiente que aqui criamos, com nossos pensamentos e atos, é que determinará a atmosfera que nos acolherá, alémtúmulo.
Tudo indica que a primeira realidade que vamos Questão nº 676, de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec.
Encontrar será a de um metafórico espelho, capaz de nos revelar, como se fosse um leitor de almas, a nossa realidade individual, com aquilo que fizemos ou o que deixamos de fazer. Ali estarão, em destaque, os pontos negros e os pontos brilhantes que compuseram nossa existência.
Ainda não nos conscientizamos totalmente de que ruíram as falsas estruturas teológicas das chamadas penas eternas, que deram lugar à lógica, ao raciocínio e à transparência que nos permitirão adequação à verdadeira justiça divina.
Ainda não nos demos conta de que a vida corporal é uma extraordinária oportunidade de progresso, que deve ser valorizada integralmente por todos nós. É preciso, urgentemente, iniciar a nossa mudança interna e nos libertarmos dos defeitos, pensamentos e hábitos negativos.
Para que isso aconteça, no entanto, será preciso cultivar o autoconhecimento, que nos libertará do passado de sombras e nos conduzirá à plena aceitação da revelação do Cristo. Quando chegarmos a esse estratégico momento de vida, não estaremos mais preocupados com inferno ou com céu, e poderemos, finalmente, afirmar como o apóstolo Paulo:
Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim.