Falsa certeza - Sidney Fernandes

FALSA CERTEZA

- Sidney Fernandes


Sacrifícios, e ofertas, e holocaustos e oblações pelo pecado não quiseste, nem te agradaram — Paulo, Epístola aos Hebreus, 10:8
Menino ainda, acompanhei meu pai na compra de um prédio. Estranhei quando o cartorário alertou-o de que o imóvel tinha um gravame, uma espécie de arrendamento, que cerceia os direitos do proprietário do imóvel, denominado enfiteuse.
Descobri, através de meu professor de Direito Civil, que os imóveis localizados nos centros de várias cidades brasileiras estavam na mesma situação. Eram originários de doações à Igreja Católica. O mais interessante da história era o motivo das doações: pagamento de penitências. Doando os imóveis ao santo de devoção, julgavam estar comprando um lugar no paraíso.
Falsa certeza!
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Essas penitências foram implantadas pelo Papa Leão X e provocaram a revolta de um frade agostiniano de nome Martinho Lutero, que disparou a reforma religiosa por toda a Europa.
A implantação do Livro de Taxas de Leão X teve o seu marketing através da trilogia Divina Comédia, de Dante Alighieri, publicada até os dias de hoje.
Da noite para o dia a obra de Dante cristalizou o conceito abstrato do inferno em uma visão nítida e aterrorizante.
O pagamento de penitências foi uma extraordinária saída para os pecadores, que, a partir daí, passaram a ter certeza absoluta de que iriam para o céu, não obstante as atrocidades até então por eles cometidas. Falsa certeza!
-x- Emmanuel trata desse assunto no livro Pão Nosso, na página Compreendamos, onde comenta a citação de Paulo, o apóstolo, em sua epístola aos hebreus, sobre sacrifícios e ofertas.
O Senhor não nos pede sacrifícios e lágrimas e, sim, ânimo sereno para aceitar-lhe a vontade sublime, colocando-a em prática.
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Sob o ponto de vista espírita, essa negociação com Deus é um verdadeiro absurdo. Não se pode conceber o pagamento de favores divinos ou para evitar as penalidades das faltas decorrentes.
No entanto, Richard Simonetti, em sua página Bom administrador, do livro O Homem de bem, afirma que recémconvertidos evangélicos proclamam que, após passarem a cumprir seu "celeste dever fiscal", tudo melhorou, superaram seus problemas e vivem felizes.
Simonetti explica: o que acontece é um produtivo exercício de desprendimento. Parece, então, que Deus está nos premiando pelo desprendimento, quando na verdade o prêmio é concedido por nossa própria consciência.
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Seria altamente interessante implantarmos um dízimo espírita. Todos os problemas de subsistência de centros, creches, casas de sopa, editoras, livrarias e outros estariam resolvidos. O grande problema, que é a sua maior virtude, é que a Doutrina Espírita jamais proporá falsas certezas. Jamais obrigará seus adeptos a qualquer tipo de contribuição.
Mas, não é porque o Espiritismo não nos obriga, nem faz falsas promessas de salvação, que não podemos ensaiar desprendimento.
O céu não está à venda. Nem o Senhor da Vida outorgou procuração a quem quer que seja para negociar em seu nome. Daí, as falsas certezas desmoronam, restando-nos apegarmo-nos aos investimentos divinos aplicados em nossas reencarnações, a fim de que produzam dividendos.
Esta sim, uma certeza inabalável. O bem que fizermos na melhoria do mundo, a começar de nós mesmos, converter-se-á em seguro investimento, que renderá paz, saúde, equilíbrio e, o mais importante, a consciência tranquila de que fizemos o melhor.