Ideias que incomodam - Sidney Fernandes

IDEIAS QUE INCOMODAM

- Sidney Fernandes


Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina.
E desviarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas.
Segunda Epístola de Paulo a Timóteo
Evoluir às vezes dói. Abrir mão da velha rotina e saber lidar com novidades exige tolerância, mente aberta e predisposição para ver as coisas sob novo ângulo.
Aceitar nova ideia pressupõe vários fatores:
- subjetivos: está de acordo com meus velhos paradigmas ou a eles se contrapõe?
- pessoais: quem a propõe goza de minha simpatia e confiança ou é meu opositor?
- interesses: vem de encontro às minhas aspirações e conveniências ou terei que renunciar à minha zona de conforto?
São perguntas repetidas sempre, para nós mesmos, com a celeridade da luz e que dificultam ou até mesmo impedem a assimilação de novos conceitos.
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É famoso o episódio de Chico Xavier e os repórteres Jean Manzon e David Nasser, da Revista O Cruzeiro, ocorrido em 1944. Fingindo-se de estrangeiros para conseguir uma reportagem, acreditavam que poderiam ludibriar Chico e Emmanuel.
Trinta anos depois do fato, numa reportagem publicada por O Dia, assinada por João Antero de Carvalho, David Nasser revelou, em detalhes, o que realmente ocorreu.
A confissão foi feita por um Nasser arrependido, definindo Chico Xavier como o maior remorso da minha vida.
Na ânsia de um furo de reportagem, Nasser, Manzon e o motorista que serviu de intérprete para a farsa esqueceram quaisquer escrúpulos, se é que tinham algum.
Suas ideias estavam distantes das propagadas por Chico Xavier durante toda sua vida.
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Kardec também foi alvo de leviandades e de má-fé.
Por volta de 1864, voltando a Paris, Kardec recebeu a visita de dois jovens recém-chegados de Moscou. Dizendo-se estudiosos do Espiritismo, bateram à porta da Sociedade Espírita, ávidos por assistir, ao vivo, as sessões descritas na Revista Espírita.
Kardec não sabia - nenhum espírito o informara -, mas tudo o que a dupla visse e ouvisse na sede da Sociedade acabaria nas páginas de um jornal de São Petersburgo, o Doukhownaia Beceda, de uma forma preconceituosa e leviana:
(...) um jovem com cara de trapaceiro, numa palavra, pronto por um quarto de rublo a dizer de cor pelo menos meia libra de toda sorte de absurdos!
Esses absurdos provinham do Espírito do Sr. Bruneau, membro da Sociedade Espírita, antigo aluno da escola Politécnica e coronel de artilharia. Trazia notícias, saudava os companheiros e dava testemunhos da vida nova no além, mas sua mensagem não mereceu qualquer citação no jornal de São Petersburgo.
Aqueles russos estavam muito distantes das ideias que consubstanciavam a revelação trazida a lume através de Allan Kardec.
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Allan Kardec fecha o assunto com precisão, afirmando na questão 828 de O Livro dos Espíritos que os homens geralmente compreendem o que deve ser. Não o fazem, mesmo com ideias liberais, porque suas inteligências são contrabalanceadas pelo orgulho e pelo egoísmo.
Não aceitar novas ideias por ignorância é uma coisa. Mas quando a resistência ou a teimosia prendem-se à má-fé e à leviandade, já uma coisa bem diferente.
E a assimilação de novos paradigmas, que poderia ter ocorrido antes mansamente, com tolerância e mente aberta, passa a exigir tempo e muito sofrimento.
Seria a nossa resistência ao convite do Cristo, gloriosa jornada reiterada por Kardec, que, no transcorrer dos séculos, tem retardado o nosso progresso evolutivo?