Misteriosa Doença - Sidney Fernandes

MISTERIOSA DOENÇA
Sidney Fernandes


Os desmaios e convulsões de Glória manifestaram-se ao final da puberdade. A princípio eram frequentes e exigiam constante atendimento médico. Com o surgimento de modernos anticonvulsivos, as crises se tornaram mais controladas, mas não desapareceram.
Casada com Olavo, que sabia, quando a conheceu, da cruz que deveria levar por toda a vida, recebia dele todo carinho e atenção, para a minimização dos achaques.
Dotado de recursos, o dedicado marido consultou clínicas e médicos especializados, que nada encontraram de anormal no cérebro de Glória. Nada obstante, mais recentemente, além de debater-se perigosamente, a doente passou a emitir sons guturais e a se expressar em idioma estranho, que mais tarde se concluiu tratar de dialeto antigo da velha Toscana.
Não fosse o amoroso concurso do dedicado esposo, Glória teria sido diagnosticada como vítima da licantropia deformante, em doloroso caso de patologia mental. O terrível destino daquela infortunada senhora parecida estar indelevelmente traçado, entre agitações, perda de consciência, manifestações de xenoglossia e emissão de sons estranhos.
Surgiu um fio de esperança naquele revolto oceano de dores com o aconselhamento do Dr. Alexandre, diligente médico que, sentindo-se impotente para minimizar o dantesco quadro de Glória, pediu para falar particularmente com Olavo.
Todos os médicos contam com protetores espirituais que, além de conhecerem profundamente a saúde humana, prestam-se a orientar e a auxiliar seus protegidos. Inspirado por um desses mentores, Alexandre sugeriu a Olavo:
— Permita-me externar minha consternação pelo sofrimento que há tempo você e sua esposa vêm passando. Infelizmente, mesmo com os modernos recursos da ciência, a medicina ainda se debate diante da inexistência de recursos para diagnosticar as chamadas doenças idiopáticas, isto é, sem causas específicas. Há enfermidades oriundas de lesões patológicas, mas também existem algumas que podem se manifestar sem qualquer dessas lesões.
— Mas — perguntou Olavo — não há pesquisas a respeito dessas doenças aparentemente sem causa física?
— Sim — respondeu Dr. Alexandre. Existe uma equipe no Instituto Nacional de Saúde, nos Estados Unidos, que oferece ajuda a pacientes que sofrem de doenças sem diagnóstico.
Utilizando-se de tecnologia de ponta em exames, os médicos do Programa de Doenças Não Diagnosticadas tentam decifrar sintomas que surpreendem muitos clínicos.
— Como poderíamos fazer para incluir minha esposa nesse projeto?
— Qualquer pessoa pode se candidatar, mas eles só aceitam casos bem documentados, em que é possível ver que o doente já descartou todas as doenças comuns e muitas doenças raras já conhecidas. Mas, não era exatamente esse caminho que eu pretendia lhe sugerir — falou Alexandre.
— A que exatamente está se referindo, Dr. Alexandre?
— Sou simpatizante da intervenção de médicos da espiritualidade em doenças aparentemente insolúveis, como a de sua esposa. Conheço alguns casos intrincados que foram resolvidos com êxito graças à intervenção dos espíritos. O que pensam dos tratamentos espirituais?
O esposo da enferma aceitou a sugestão com simpatia e falou:
— Somos de formação católica e recorremos às orações de sacerdotes de nossa confiança. No entanto, já pensamos em procurar os espíritas, mas, confesso que não tenho acesso a nenhuma instituição. Tenho certeza de que Glória aceitará de bom grado qualquer tipo de tratamento. O senhor poderá nos orientar?
***
Foi assim, inseguros, vacilantes e, porque não dizer, temerosos, que Glória e Olavo adentraram pela primeira vez a um centro espírita. Tiveram que vencer velhos preconceitos e heresias herdadas de seus ancestrais, em pouco tempo dissipados de suas mentes, diante da simplicidade e claras intenções fraternais dos novos amigos que os recepcionaram. Ali não estava o diabo, como muitos propalavam, não havia vestimentas ou rituais e em nenhum momento foram achacados por quem quer que fosse.
Adrede informados pelo médico Alexandre a respeito do doloroso histórico da enferma, dirigentes e componentes do grupo de atendimento fraterno do Grupo Espírita Emmanuel entenderam que, excepcionalmente, deveriam permitir que Glória e o marido acompanhassem de perto os trabalhos da noite.
Se fosse possível o entendimento com alguma entidade supostamente responsável pelas crises de Glória, o conhecimento das origens favoreceria o processo de recuperação, desde que, naturalmente, fosse acompanhado de merecimento e da aprovação da espiritualidade maior.
Manifestou-se o espírito de Rostan, em nome da equipe médica que prestava assistência àquela casa espírita.
— Com a graça de Deus, mais uma vez tivemos permissão para aqui comparecer. Especialistas aqui estarão presentes para tentar aliviar dores de irmãos sofredores.
Olavo receava que Glória pudesse entrar, inopinadamente, em uma de suas crises. Para seu desespero, com os braços sobre os ombros da esposa, em forma de proteção, percebeu que se iniciavam os tremores que, geralmente, culminavam com convulsões e desmaios.
A um discreto sinal de Rostan, por intermédio do médium que o acolhia, o esclarecedor da reunião aproximou-se, apôs a destra sobre a cabeça de Glória e sustou, imediatamente a crise que se avizinhava. Mesmo assim, em estado de semiconsciência, a paciente começou a se expressar em outro idioma. De repente, um círculo de luzes envolveu Glória, obstando o estranho linguajar, aquietando-a.
Rostan continuou a falar:
— As marcas da perseguição espiritual já se fazem presentes na paciente — referindo-se a Glória. A causa principal de sua doença, no entanto, é loucura obsessiva. Infelizmente, velho credor da velha Toscana, vassalo do poderoso duque da Provença, do século X, acompanha nossa infeliz irmã para ajuste de tristes reminiscências. Se o diagnóstico é simples, a cura somente será alcançada com grande poder de convencimento, compreensão e delicadeza, no diálogo com o perseguidor, além, naturalmente, da renovação moral da enferma.
Paralelamente, um dos médiuns mais experimentados e equilibrados da casa sentiu violento entorpecimento dos sentidos.
Era o obsessor que iria se manifestar.
Olavo, ainda enlaçado a Glória de maneira protetiva, estava perplexo. Pela primeira vez na vida as crises da esposa não haviam ido adiante. Ela havia recobrado plena consciência e, ao lado do marido, não conseguia sopitar sua surpresa, diante do inusitado quadro que se lhe descortinava.
— Não interfiram em meus negócios! — vociferou agressivo espírito, carregado de ódio e indignação. Minha vítima não merece comiseração e sim justiça. Minha vingança ainda não terminou.
Fez-se presente, então, todo o poder de convencimento do esclarecedor que, naquele instante, se viu envolvido por verdadeiro anel de luzes que o inspirou e lhe deu energias para bombardear o obsessor com rajadas de amor e compreensão, visando o amolecimento de seus intentos.
Intuído por Rostan, servidor da casa dirigiu-se ao fundo do recinto, onde estava Glória e docemente conduziu-a ao lado do médium que dava passividade ao mentor da casa.
— Minha irmã. Em vida anterior ocorreram fatos lamentáveis — começou discretamente o espírito, evitando trazer a público detalhes de antanho — envolvendo o irmão aqui presente que, infelizmente, não usou do perdão e ainda respira vingança, e vem lhe trazendo toda a sorte de perturbações possíveis.
Dirigindo-se ao obsessor, falou Rostan:
— Eis aqui a sua vítima. Ela mudou e não é mais a pessoa que o prejudicou. Veja o estado em que se encontra. Quer você assumir a responsabilidade de sua derrocada? No que você está sendo melhor do que sua antiga antagonista?
Nesse instante, manifestou-se por outro médium entidade trazida pelo protetor espiritual de Glória, que assim se dirigiu ao endurecido perseguidor.
— Meu querido menino. Sou seu pai e vim buscá-lo, pois chegou a hora de sua redenção. Sei que sofreu muito, mas, sua esposa, situada em casa espiritual, anseia por sua presença. Não está na hora de colocar suas mágoas nas mãos de Deus?
O médium que servia de intermediário para o obsessor se viu envolvido por grande emoção que assomou seus sentidos. O velho perseguidor havia sido tocado em suas entranhas, muito menos pelos argumentos lógicos de Rostan e muito mais pelas tocantes palavras de seu pai, o querido amigo e irmão que vinha buscá-lo.
Lágrimas inundaram o rosto de Glória que sentiu, assim como o esposo Olavo, a libertação do obsessor, que se deixara tocar pelo amor.
Chomel dirigiu-se a Glória que, pela primeira vez, depois de anos de sofrimento, estava perfeitamente lúcida para ouvir o espírito de luz:
— Minha irmã Glória. A bondade de Deus se fez presente nesta noite. Mas a luta só está começando. O bem pede o seu concurso e será com a retidão de sua conduta e pela sua renovação que você se libertará definitivamente de sua doença.
—Agradeça a estes irmãos, encarnados e desencarnados, que defenderam a sua causa. Faça agora sua parte. Renove-se!
Use o escudo do bem em sua vida. Caso contrário, espíritos outros que acompanhavam seu velho detrator voltarão a atormentá-la. Uma recidiva será muito difícil de ser controlada, da forma que aconteceu nesta noite. Tenha juízo, minha filha e apegue-se a Deus.
Olavo e Isabel debulhavam-se em lágrimas. Enlaçados pelo abraço do médico Alexandre, sairiam dali renovados para uma vida saudável, graças à misericordiosa manifestação da bondade divina.


REFERÊNCIAS: Nos domínios da mediunidade e Libertação, de André Luiz; BBC News –
Brasil, postagem Centro Americano faz diagnóstico de pacientes com doenças misteriosas.