Notórios Absurdos - Sidney Fernandes – 

NOTÓRIOS ABSURDOS
Sidney Fernandes – 


... o mal está em apresentar seriamente coisas que são notórios absurdos.
Allan Kardec
A obra Allan Kardec em Revista, da autora Maroísa Baio, editada pela Casa Editora O Clarim, tem o condão de nos chamar a atenção para extraordinários textos da Revista Espírita, de Allan Kardec, que nos passaram despercebidos. Eles estavam ali, na leitura rasa que fizemos do periódico mantido pelo Codificador, de 1858 a 1869, e não os notamos, o que é um tremendo despropósito, diante de sua importância.
Foi o que aconteceu com séria advertência do mestre lionês relacionada com as publicações de textos atribuídos a espíritos levianos ou mal intencionados, que podem induzir ao erro pessoas distraídas ou sem condições de discernir entre o verdadeiro e o falso.
A esse respeito, julgamos oportuno narrar o conteúdo de comunicação mediúnica que me foi confiada por Paula, séria e experiente participante de reunião privada de desobsessão, realizada em confiável casa espírita de região montanhosa do Estado de São Paulo.
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Em sequência provavelmente programada por altos dirigentes da espiritualidade, passaram a se comunicar, seguidamente, espíritos revoltos, que, indignados, verbalizaram sua decepção, no retorno ao plano espiritual.
— Fulano de tal enganou-me, praticando comigo verdadeiro estelionato espiritual.
Um dos espíritos fez questão de se identificar, bem como de indicar a instituição a que se referia, cujos dados, naturalmente, omitimos.
— Entreguei a ele minha casa, meu carro e minhas economias, na esperança de conquistar o céu. Ao aqui chegar, fui recebido por entidades grotescas, animalizadas, ferinas e cínicas, que, às gargalhadas, me perguntaram se eu estava gostando do paraíso que me havia sido reservado. Mas, isso não vai ficar assim. Fulano de tal me enganou e agora eu, junto com outros que por ele também foram ludibriados, iremos ao seu encalço para o ajuste de contas.
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Parafraseando Allan Kardec, poderíamos dizer que devemos nos precaver, não apenas com relação a tudo o que venha do mundo oculto, mas também contra os notórios disparates de que nos falam homens encarnados, destituídos de escrúpulos, da mesma forma revestidos de hipocrisia, interesses materiais e de malevolência.
Pululam, na raça humana, indivíduos que, não obstante terem praticado toda sorte de desatinos contra o semelhante, a natureza e a sociedade, à proximidade da velhice ou ao surgimento de grave enfermidade — preciosas enfermeiras da alma, segundo sábias expressões de Richard Simonetti — buscam, a todo custo, o passaporte para o céu, ainda que lhes custem os olhos da cara.
Este é o primeiro problema, o das vítimas: essas pessoas querem ser enganadas, pois vislumbram grande vantagem, sem perceber que estão se tornando vítimas de ultrajante estelionato religioso.
O segundo problema é mais grave, porquanto geralmente parte de pessoas cultas, teleguiadas por altos interesses eclesiásticos, treinadas para extorquir bens, ainda que de pessoas humildes e pobres. Estes precisam se preparar para as consequências de suas atrocidades, pois conhecem à larga a exortação evangélica que recomenda dar de graça o que de graça recebemos:
— Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, limpai os leprosos, expeli os demônios; de graça recebestes, de graça dai.
Não vos provereis de ouro nem de prata, nem de cobre nas vossas bolsas (Mateus, 10:8-9).
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A história ainda não acabou, caro leitor. Está lembrado do fulano de tal, vociferado pelo espírito sofredor que se comunicou na casa espírita que mencionei, no começo deste texto? Pois agora pasmem!
A esposa do dito indivíduo descobriu o endereço de Paula, aquela irmã participante da reunião mediúnica e, desesperada, a procurou, na calada da noite, em sua residência, acompanhada de conhecida de ambas.
— O diabo tomou conta do meu marido — começou a esposa do dirigente fulano de tal. Não dorme mais, não sai de debaixo da cama, não toma banho e não se alimenta. Oração?
Nem pensar. Quando começamos a orar, o diabo toma conta, dizendo que ali está em legião, para se vingar dele.
— E o que diz o “diabo”? — perguntou Paula.
— Que ele e seus comparsas foram enganados pelo meu marido e não foram para o céu. Voltaram para ajustar contas com ele. Só o diabo mesmo para falar essa blasfêmia!
Cautelosamente, Paula imediatamente correlacionou o processo obsessivo que lhe estava sendo descrito com a manifestação do espírito indignado, que havia prometido acertar as contas, exatamente com o fulano de tal.
Na manhã seguinte, Paula reuniu um grupo de passistas de sua confiança, de antemão advertidos de que iriam dar atendimento a um grave caso de obsessão.
— Nessas situações — lembrou Paula —, somente com muito “jejum e oração” — ou seja, elevada força moral — será possível a abordagem de auxílio e socorro.
Confesso que, ao final destas linhas, ainda não tomei conhecimento do desfecho do caso do fulano de tal. Julguei, no entanto, útil, a sua descrição, pois corporificam-se, na atualidade, as situações descritas por Allan Kardec, que se repetem diante de nossos olhos, em versões atualizadas, porém pioradas.
Fiquemos com as judiciosas palavras do Codificador:
— Não esqueçamos que entre os espíritos, assim como na Terra, há seres levianos, desatentos e brincalhões; falsos sábios, vãos e orgulhosos, de um saber incompleto; hipócritas, malévolos e, o que nos parece inexplicável, se de algum modo não conhecêssemos a fisiologia desse mundo, há sensuais, vilões e crapulosos que se arrastam na lama. Ao lado disto, sempre como na Terra, temos seres bons, humanos, benevolentes, esclarecidos, de sublimes virtudes (Revista Espírita).
Nota do autor:
Os nomes reais dos personagens foram omitidos.


Fontes:
“Allan Kardec em Revista”, de Maroísa Baio – Casa Editora O Clarim.
Revista Espírita, de Allan Kardec, de novembro de 1859.