Nós estamos de Luto. Eles não ! -Sidney Fernandes – 

NÓS ESTAMOS DE LUTO. ELES NÃO!
Sidney Fernandes – 


O acidente ocorreu décadas atrás. Um ônibus lotado de crianças e jovens, em merecida excursão promovida pela escola, envolveu-se em colisão, na rodovia, e despencou de alta ribanceira. Quase todos morreram, causando consternação geral na cidade e, naturalmente, em todos os familiares.
Luzia, mãe de Lucas, de dez anos, não se conformava e entrou em profundo processo depressivo. Ia ao cemitério todos os dias, lacrou o quarto do menino e recusava-se a doar seus bens.
Inconsolável, revoltada com Deus, não se resignava diante do fato. Mobilizaram-se parentes, amigos e até o sacerdote da igreja que frequentava, para tentar trazê-la de volta à vida. Tudo inútil! Luzia entregara-se de tal forma à tristeza, que parecia desistir de viver, para unir-se ao filho.
Alice, sua prima, pediu ajuda a Ricardo, conhecido orador e escritor espírita. Queria que ele a visitasse para tirá-la do perigoso marasmo em que se comprazia em permanecer.
— Luzia — começou a falar o visitante. Conheço caso muito parecido com o seu. Inconformada com a morte do filho, a mãe de uma criança, da idade da sua, enforcou-se nos fundos da sua casa, unindo-se ao esquife do filho, que se encontrava na sala.
Tempos mais tarde, numa reunião espírita, o filho manifestou-se, lamentando o gesto tresloucado da mãe. Ela havia adiado por
décadas o reencontro com seu filho.
— Não estou pensando em me matar! Respondeu Luzia, entre chorosa e agressiva.
— Você está se matando, Luzia — falou Ricardo, no mesmo tom. Da mesma forma, está adiando o momento em que voltará a ver seu filho, na espiritualidade.
— Não acredito muito nessa história de comunicação com os mortos e, para dizer a verdade, nem sei mesmo se um dia vou reencontrar meu filho — expressou-se a mãe desalentada e descrente.
— Já ouviu falar de Chico Xavier? — perguntou, de chofre, Ricardo.
— Alice já me falou dele. Acha que eu deveria visitá-lo?
Mesmo sem acreditar muito que meu filho possa dar notícias?
— Nem todas as mães que procuram Chico obtêm respostas.
Mas, para Deus, nada é impossível. E quanto à sua incredulidade, saiba que os bons espíritos ajudam os que creem e os que não creem. Tudo depende do merecimento.
— Merecimento meu ou do meu filho?
— De ambos! E nem sempre os nossos queridos falecidos estão em condições de se comunicar.
A conversa parou por aí. Mesmo descrente, Luzia aceitou de bom grado a oração e o passe espírita ministrado por Ricardo. À sua saída, acompanhada da prima Alice, a mãe falou, reticente:
— Desculpe a minha amargura, seu Ricardo, mas estou mesmo desesperada. Acha mesmo que eu deveria procurar o Chico?
— Se fosse comigo, eu iria orando daqui até Uberaba, na busca de alguma notícia de meu filho.
Por coincidência, no final da semana seguinte iria sair da cidade uma excursão para Uberaba. Alice conseguiu duas vagas no ônibus e acompanhou a prima na visita ao grande médium.
A probabilidade de conseguir uma carta de Lucas era muito remota. Das quase trezentas mães que compareciam ao Grupo Espírita da Prece, em cada final de semana, menos de dez por cento eram contempladas com uma comunicação do além. Diante dessa realidade, Luzia seguiu o conselho de Ricardo e foi debulhando seu terço, em ferrenhas orações, até chegar a Uberaba.
Filas enormes, choradeiras, calor e um aperto danado, foi o que as duas mulheres encontraram. Mesmo assim, conseguiram dois lugares bem próximos do médium.
A décima carta lida por Chico assim dizia:
— Por que essa tristeza, mãe Luzia? Estou com vovô Ernesto e vó Cacilda e tenho acompanhado todo o esforço da Tia Alice para trazê-la de volta à vida.... Foi o vô Ernesto que sugeriu a ela que levasse seu Ricardo lá em casa para falar com a senhora, mãe. Prestou bem atenção nas palavras dele? A senhora está querendo morrer para ficar comigo? Péssima ideia, mãe. Na Terra, por motivos que somente agora estou
conhecendo, fui descoberto pela morte. Era para ser exatamente como aconteceu, por razões ligadas ao meu passado, mãe. Jamais, entretanto, devemos pensar em descobrir a morte. A vida deve prosseguir, pois, daqui a algum tempo, estaremos reunidos aqui na pátria espiritual. Agora, se a senhora continuar nessa lamúria, daí sim, vai demorar muito para a gente se encontrar.
— Abra e areje meu quarto, mãe, doe minhas coisas. A sua tristeza está me fazendo muito mal, me contagiando e me entristecendo também. Ainda bem que o vô Ernesto — que aqui é muito respeitado pelo bem que fez na Terra e por seu nível espiritual — me coloca para cima, todas as vezes que a senhora chora.
Luzia e Alice, que se debulhavam em lágrimas, correram até Chico e fizeram menção de abraçá-lo, mas se contiveram, diante da sequência da leitura da mensagem.
— Não desista da vida, mãe. Você tem saudades de mim?
Mate essas saudades passando a trabalhar na creche do seu Ricardo. Cada criança que a senhora agradar, estará me agradando. Não perdi o meu olhar para você e para os demais queridos que ficaram aí na Terra. Tenho esperança de que viveremos juntos aqui uma nova vida, que se abre para os que têm fé e confiança em Deus.
Luzia estava renovada. Respirava agora a longos haustos, não mais na toada do desespero, mas na pauta de uma suave brisa de esperança. Seguiria rigorosamente os conselhos do filho e tomaria todos os cuidados possíveis para não mais contagiá-lo com sua tristeza.
Pelo filho e pelo abnegado Chico Xavier que passou a amar e a respeitar, Luzia não mais se deixaria esmorecer. Seria forte e não mais cairia na depressão, para não prejudicar o seu amado menino.
Tão logo chegou à sua cidade, em companhia de Alice, procurou Ricardo, agradecendo o abençoado conselho que lhe havia dado. Graças a ele, havia reencontrado seu filho e a própria alegria de viver.
No dia seguinte, Luzia estava na creche mantida pelo centro espírita de que Ricardo fazia parte. Levava consigo, não apenas as preciosas roupas de Lucas para doação, mas o coração renovado, confiante no glorioso porvir que seu filho havia lhe revelado.
***
Nossos amados que partiram desta vida não estão em compartimentos estanques e distantes. Torcem por nós, preocupam-se com nossas vidas e, quando lhes é permitido, vêm ao nosso encontro, com sua gloriosa mensagem de imortalidade.
Nós podemos, inadvertidamente, permanecer de luto, por tempo indeterminado. Eles não, e esperam ansiosamente pelo nosso reencontro.


Fontes consultadas
Reencontros — Espíritos Diversos, Francisco Cândido Xavier, IDE, Araras (SP)
Quem Tem Medo da Morte? — Richard Simonetti, Editora CEAC, Bauru (SP)
Jornal Terceiro Milênio, novembro/2019 — USE – Assis (SP)