Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus - Sidney Fernandes

“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor, entrará no reino dos
céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos
céus.” Mateus 7:21
- Sidney Francez Fernandes
Abandonada. Um filho na barriga e outro no colo. Fragilizada pelo desespero e pelos problemas que deveria enfrentar sozinha, Lúcia resolvera seguir o caminho de tantos outros. Não admitia deixar o filho de dois anos na necessidade ou para alguém cuidar. A solução torta da sua cabeça parecia ser a única: matar o filho e se matar. E assim foi, a pé, em direção ao viaduto mais alto que conhecia. No caminho, deveria passar por intenso movimento de pedestres. Com os olhos embaçados pelas lágrimas e os sentidos comprometidos pela dor, não se deu conta de que o pirralho, esperto como ele só, de repente misturara-se com a multidão.
Num átimo bateu o desespero. Que absurdo! Não estava levando a criança para a morte? Por que a preocupação com o seu sumiço?
Começou a gritar e a chamar o pequeno. Pessoas à volta se sensibilizaram. E de repente, para seu alívio, aparece um policial com a criança no colo.
– Até parece gente para se virar sozinho..., brincou o improvisado protetor.
Lúcia desandou a chorar, abraçando o filho e sensibilizando todos que ali estavam. Abílio e Fátima, um casal acostumado com os desvarios da pobreza, perceberam que aquela mulher, quase uma menina, precisava urgentemente de ajuda.
Providência imediata: tirá-los do meio da rua. Levaram-nos para uma padaria próxima. Era preciso alimentá-los e acalmar aquela a mulher desesperada. Mais calma e confiante, Lúcia desabafou. Iria se matar, mas, com o repentino sumiço do filho, deu-se conta do amor que tinha por ele e da grande besteira que estava fazendo.
Abílio e Fátima eram espíritas e mantinham com muito sacrifício um trabalho social em favela da periferia. Com os filhos crescidos e bem-criados, passaram a cuidar em tempo integral de crianças, enquanto os pais trabalhavam. Tornaram-se respeitados e queridos no bairro pobre. Ali, nem traficante se aventurava a “botar banca”. Com o passar do tempo, passaram a cuidar dos maiores e às vezes dos próprios pais.
Estavam justamente precisando de uma zeladora para a sua “creche”. Lúcia foi acolhida com carinho pela comunidade. Seus filhos cresceram bem alimentados e com muito carinho. Agora, dez anos depois, não se cansa de agradecer e contar sua história.
Passou a ser o “braço direito” de Abílio e Fátima, que se tornaram verdadeiros avós de seus filhos.
-x-
Os nomes e as circunstâncias foram naturalmente trocados, mas a história é real. E se alguém ainda duvidar da generosidade humana e achar que neste mundo não há mais lugar para o amor e a solidariedade, é só procurar com calma, principalmente onde existam a pobreza e a doença. Lá iremos encontrar também aqueles que não se limitam a bater no peito e exclamar: -Senhor, Senhor! Lá estão “os que fazem a vontade do Pai, que está nos céus.” Estão disfarçados, ora de médicos, enfermeiras, professoras, assistentes sociais, ou de simples Abílios e Fátimas, salvando vidas, como bons samaritanos do mundo de agora.