Não alimente a Doença -Sidney Fernandes

NÃO ALIMENTE A DOENÇA
Sidney Fernandes


A morte do pai de Pedro não havia sido acidental e sim engendrada por seu irmão João, que tencionava ficar toda a herança. A delação de velho escravo funcionou como estopim de plano que iria incendiar os anos de revolta de Pedro. A partir do momento em que soube do ato criminoso do irmão, passou a elaborar cuidadosamente a maneira de fazer justiça, pelo pai, e por sua própria libertação.
As crises da vida funcionam como sons de clarins que despertam nossas ações energéticas, que jamais haviam sido perpetradas por falta de coragem ou comodismo que nos conservavam comodamente na área de conforto. A faísca inflama os sentimentos acumulados no interior do nosso íntimo e dispara as ações que vão alcançar resultados antes inimaginados.
Pedro ponderou por semanas, por meses, sobre o que iria fazer, a partir de suas descobertas. Não havia mais caminho de volta. A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original, já dizia Albert Einstein.
Rejeitou mil esquemas, pois sua realização deveria ser cuidadosa e meticulosa. Por acaso, soube de acidente ocorrido na região. Uma doença fatal havia acometido fazendeira vizinha, devido ao uso de vela acidentalmente envenenada.
A notícia estimulou sua imaginação, pois sabia do hábito do irmão de ler, antes de dormir. Seu quarto era pequeno, como todos da casa da fazenda, estreito e pouco ventilado. Facilmente conseguiu substituir, no candelabro do quarto de dormir de João, a vela que ali se achava, por outra de sua própria fabricação.
Na manhã seguinte, ele foi achado morto no leito e o veredito do legista foi, como diria Edgar Alan Poe, morte pela visita de Deus, isto é, natural.
Assim, Pedro se livrou do carrasco que o atormentara durante toda a sua vida e herdou todos os bens da família.
Libertou todos os escravos que, espontaneamente, se conservaram na propriedade na condição de empregados e colaboradores e deu outra vida, agora digna, a todos que viviam da exploração agrícola da fazenda.
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Nossa história poderia terminar por aqui, com um aparente final justo e feliz, não fora a continuidade da vida após a morte de todos. Os atos de Pedro, em sua consciência necessários e justos, realmente frutificaram em benefício de muitas criaturas. No entanto, após a morte, doía-lhe o crime cometido contra o irmão, embora, intimamente, o considerasse como necessário e de conformidade com o certo e o direito.
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Pedro renasceu com problemas respiratórios. O despertamento físico viera acompanhado de inflamação crônica em seus alvéolos pulmonares, que o fazia sofrer, principalmente nas temperaturas baixas, mas nada comparável às consequências de um atentado à vida.
Ocorre que ele levara para o campo espiritual, ao lado de suas culpas, a gratidão de dezenas de pessoas vibrando em seufavor. Como sabemos, todo bem realizado, para quem for e seja onde for, atua em favor de quem o pratica. Guardava, em seu íntimo, a intuição de que errara e, por isso, tinha predisposição à reconciliação com o irmão João, a fim de reparar os males praticados.
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Procuramos as causas de nossas dores. Intimamente sabemos que elas são devidas. Mesmo assim buscamos o alívio, para minimizar os sofrimentos. A única maneira de passar a viver bem é através da introspecção, na busca das causas de nossos desequilíbrios.
Pedro conheceu o bondoso e lúcido sacerdote Ernesto, que logo percebeu, intuitivamente, a causa das suas lesões pulmonares. Para se livrar das dores, Pedro precisaria reconciliarse com seu irmão e parar de alimentar suas doenças com o fertilizante do remorso.
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Se você deixa de alimentar um vegetal ou um animal, ele definha e morre. As doenças são alimentadas por nossos maus pensamentos e por atitudes comprometedoras. Quando persistimos com emoções negativas, alimentamos nossas doenças.
Remorso, raiva, ressentimento, mágoa, desejo de vingança, intolerância familiar, maledicência, vaidade exacerbada, orgulho e pensamentos malignos são ingredientes básicos para a desestruturação de nossos organismos físico e espiritual.
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Ernesto logo notou que o caminho da dor de Pedro havia sido desenhado por ele mesmo. A primeira providência foi confrontá-lo com o irmão. A princípio reticentes, depois mais receptivos, Pedro e João admitiram a possibilidade da reaproximação. Dores e doenças — que também atormentavam. 
João — são, como diria Richard Simonetti, enfermeiras da alma que nos impelem à superação dos ingredientes que atormentam nossas vidas.
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Ernesto programou visitas semanais dos dois irmãos. E foi assim que, dada à persistência de um bom sacerdote, e à aceitação dos remédios da alma por nossos dois personagens, ao cabo de cinco anos estavam com excelente qualidade de vida.
— Vejo que estão quase curados — disse Padre Ernesto, parafraseando célebres palavras de Jesus. Persistam e não voltem a pecar, para que não lhes aconteça coisa pior.
As melhoras dos dois irmãos não foi conquista fácil, pois qualquer terapia, tratamento espiritual ou religioso, carecem de persistência. Muitas pessoas costumam relatar pioras. No entanto, para tratar a ferida é preciso tocar e mexer nela e isso pode trazer dor.
Além disso, mudar a disposição para ações negativas e passar a cultivar paciência, esquecimento, tolerância, silêncio, humildade e ações de empatia e solidariedade não é tarefa que se executa da noite para o dia. As transformações internas são radicais e encontram obstáculos em nossa obstinação, que precisam ser vencidos.
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Fiquemos com as sábias palavras de Emmanuel:
— A cura jamais chegará sem o reajustamento íntimo necessário.


Referências: Assassinatos na Rua Morgue, Edgar Allan Poe; Doutor Galton – o escultor de novos tempos, de Sidney Fernandes (em edição). Vinha de Luz, Emmanuel.