O CÉU (NEM SEMPRE) PODE ESPERAR
Sidney Fernandes
Joe, um jogador de futebol americano, exercitava-se com sua bicicleta numa movimentada estrada. Quando entrou num túnel, um veículo que vinha na contramão o atropelou. Quando chegou ao plano espiritual, descobriu que houve um engano.
Ele ainda teria algumas décadas de vida na Terra, mas seu anjo guardião, ainda inexperiente em sua função, o havia retirado do corpo segundos antes do desastre, para que ele não sofresse com o impacto.
O protetor de Joe levou uma bronca danada de seus superiores pelo erro imperdoável. Ele não contava com os rápidos reflexos do seu protegido, que reagiria de maneira instantânea e se safaria do acidente. Constatada a falha, tentaram recolocar Joe de volta à vida. Isso, no entanto, não era mais possível porque seu corpo já havia sido cremado.
Este texto é parte da sinopse do divertido filme O céu pode esperar, dirigido por Warren Beatty e Buck Henry. Embora o relato ficcional esteja muito distante do que ensina a Doutrina Espírita, a lição moral transmitida justificou sua produção, a ponto de ter recebido vários prêmios e indicações para o Oscar.
***
Esses enganos não acontecem. Ainda que ocorram mortes aparentemente injustas, como nos casos de flagelos, soada a hora da partida ninguém deixa de morrer. Em outra vida, essas vítimas acharão ampla compensação aos seus sofrimentos, ensina-nos Allan Kardec em O Livro dos Espíritos. Questão 738
Excetuados os casos de suicídio, direto ou indireto, em que o indivíduo morre antes da hora por descaso ou imprevidência, quando chegar o momento do retorno à pátria espiritual poderemos contar com o suporte de equipes que vão nos ajudar no processo de desligamento.
No entanto, ainda que seja um espírito com méritos, cujo desencarne será acompanhado por especialistas, pode acontecer que parentes e amigos criem o que André Luiz chama de retenção amorosa.
O retardamento da partida geralmente é oriundo das correntes de força dos familiares, que não se conformam com a partida do moribundo. Essas energias infundem vida aparente aos seus centros de energia vital, que já se encontram em processo de desintegração.
Mas, o céu não pode esperar, isto é, não é justo que um ser digno, que procurou dar o melhor de si, durante toda a vida, no momento do desencarne tenha a sua partida retida por excesso de amor, exatamente das pessoas que mais serviu e protegeu.
Assim, vamos acompanhar as manobras que podem ser realizadas, dependendo do grau de merecimento, para romper essa teia de retenção, que retarda a libertação de um irmão em fase terminal.
O assistente Jerônimo, personagem de André Luiz em Obreiros da vida eterna, observa que a esposa de Dimas era o principal obstáculo a ser removido para a sua libertação. Chorosa, mantinha-se firme ao seu lado, prendendo-o como se fosse um peixe enredado. Apôs suas mãos sobre o cérebro do doente, a fim de lhe improvisar melhora fictícia e temporária, a chamada, pelo povo, de melhora da morte.
Pouco a pouco, o agonizante acalmou-se, respirou fundo, em situação quase normal, abriu os olhos e exclamou, reconfortado:
— Graças a Deus! Louvado seja Deus!
A esposa, amparada pela assistente Luciana, começou a derramar lágrimas. Com as forças propiciadas por Jerônimo, Dimas teve forças para falar, da forma mais tranquila possível:
— Querida, vá descansar. Repouse a meu pedido para ficar mais forte. Sinto-me melhor e sei que o dia será de calma e reconforto.
Cansada, depois de dias e noites de vigília, a companheira cedeu e foi repousar. Em vista das melhoras obtidas, houve certo júbilo da parte do médico e dos demais acompanhantes, que resolveram se afastar e deixar Dimas em repouso absoluto.
Rompidos os laços da teia de retenção, era a hora de os especialistas da operação desencarne agirem.
Uma rede fluídica foi tecida, em torno do leito, para que as vibrações inferiores fossem bloqueadas. Em seguida, Jerônimo estimulou Dimas à oração final e ele passou a emitir pensamentos luminosos. A participação do moribundo foi valiosa, a ponto de permitir a entrada de sua mãe desencarnada, que veio colaborar com o processo de desligamento, envolvendo-o em seu regaço.
O assistente começou, então, cuidadosamente, a executar complexa operação, atribuída somente a entidades de alta envergadura: desatar os laços em que se localizavam as forças físicas de Dimas.
Depois de intensos trabalhos — cujos detalhes este artigo não comporta — surgiu a forma perispiritual do desencarnante, ansioso pelo voo solo, amparado por toda a equipe de Jerônimo.
O cordão fluídico final permaneceria até o dia seguinte, porquanto o morto, não obstante seus méritos, não estava preparado para desenlace mais rápido. Ele seria cortado no momento certo, pelo Assistente Jerônimo, com a autoridade que sua posição espiritual lhe outorgava.
No dia seguinte, a mãe de Dimas o conduziu para abrigo conveniente, localizado no plano espiritual.
***
Como vimos, amigos leitores, bem diferente da arte ficcional, quando existem créditos suficientes e amigos espirituais, o processo de desligamento do corpo físico é suave e agradável e permite que o espírito desencarnante retorne à pátria espiritual sem mais delongas, pois, neste caso, como em muitos outros, o céu não pode esperar.
Referências: Sinopse do filme O Céu pode esperar, dirigido por Warren Beatty e Buck Henry; O Livro dos Espíritos, Allan Kardec; Obreiros da vida eterna, André Luiz.