O EDIFÍCIO DO FUTURO
Sidney Fernandes –
Eu rogarei a meu Pai e ele vos enviará outro Consolador, a fim de que fique eternamente convosco:
O Espírito de Verdade, que o mundo não pode receber, porque o não vê e absolutamente o não conhece.
JOÃO, 14:16 e 17
Somente os desprovidos de razão, cultura e inteligência mínimas ainda não perceberam que vigora, na vida, o princípio da cooperação universal, sobre a qual se assentará o edifício do futuro.
A adaptação do planeta Terra, desde o seu deslocamento do sol, às condições necessárias ao acolhimento e à sobrevivência do ser vivente; a designação de uma entidade espiritual superior para nos acompanhar e proteger antes, durante e depois de nossa existência; o apoio da espiritualidade, que nos é concedido, diariamente, durante as horas de sono, para que não nos desviemos de nossos objetivos... São alguns exemplos do princípio da cooperação que vigora, não apenas no planeta Terra, mas em todo o universo.
O apoio à vida e à educação do homem sempre existiu. A vinda dos exilados de capela, que reencarnaram no seio de raças ignorantes e primitivas, a se lembrarem do paraíso perdido nos firmamentos distantes, deu outro rumo aos descendentes do homem primata. Os capelinos trouxeram grandes saltos evolutivos para o nosso mundo, dentro do chamado período neolítico que até hoje a antropologia não consegue explicar. Em nenhum momento o homem deixou de receber o apoio logístico do plano espiritual para lhe servir de guia, no caminho que deve
percorrer para a sua evolução.
Há que se considerar, entretanto, que essa cooperação não se originou somente de outras esferas planetárias, como já anunciado por Emmanuel, com a vinda de espíritos altamente evoluídos encarregados de dar surgimento ao renascimento da humanidade, preparando-a para a regeneração. Na verdade, esse processo de remodelação, que exigirá muitas transformações, já está acontecendo de outra forma.
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Em meados do século XIX a França estava em alta. Surgiam o cinema e os cancãs estavam em plena efervescência. Paris, chamada de Cidade Luz, para onde acorriam as libélulas do conhecimento, transformou-se na capital mundial da arte e do modernismo.
Surpreender-se-ia, o amigo leitor, se soubesse que, aqui no Brasil, já tivemos uma Paris brasileira? Em Fortaleza, no período denominado Belle Époque, os cearenses se apropriaram dos costumes, da arquitetura e até da língua francesa. Ainda hoje, na capital do Ceará, há resquícios de um tempo em que era chic fazer biquinho para falar e usar echarpe, mesmo sob um calor de 32 graus.
Na história da humanidade sempre existiu um idioma que prevalecesse para facilitar as relações comerciais e culturais.
Assim como o grego, o latim e, atualmente o inglês e o esperanto, a língua francesa, durante os séculos XVIII e XIX, era a língua universal.
A França ditava modas para o mundo ocidental e, particularmente, para o Brasil. Assim aconteceu em São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis e em Fortaleza, que passaram a cultuar o afrancesamento, nas mais variadas formas e sentidos.
Na capital do Ceará, fotógrafo com nome nacional ficava sem trabalho. O velho Moura passou a se chamar Moura Quineau. Eurico Bandeira virou Eurico Bandière. Doutor Aurélio de Lavor se tornou Monsieur Laveur. Até o garapeiro da esquina transformou-se em Bien-Bien Garapiere. Os estabelecimentos utilizavam nomes franceses, em suas fachadas, como Paris des 1 Informações dos sites https://medium.com/eder-content/era-uma-vez-uma-paris-nordestina-ae1a298fecc5 e
http://www.fortalezaemfotos.com.br/2014/08/o-culto-do-afrancesamento.html.
Dames, Louvre, Maison Moderne, Hotel de France, Confeitaria Maison, Farmácia Pasteur, entre muitos outros. Voilà! Havia várias pequenas Parises, abaixo da linha do Equador, com cafés e bulevares ao estilo francês.
A que se deveu essa influência em nossa arquitetura, em nossas roupas, em nosso vocabulário, em nossas comidas e em nossa educação? Indo além da forte influência francesa em todo o mundo ocidental, por que no Brasil esse afrancesamento foi tão intenso, duradouro e estaria se prolongando até os dias atuais?
Talvez essa explicação esteja mais próxima do nosso alcance do que imaginamos.
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Em 1971, o programa espírita No Limiar do Amanhã, produzido e apresentado pelo Professor José Herculano Pires, completou um ano de existência. Ele era veiculado pela Rádio Mulher, de São Paulo (SP), pela Rádio Morada do Sol, de Araraquara (SP) e pela Rádio Difusora Platinense, de Santo Antônio da Platina (PR). Para comemorar esse aniversário de trabalho, a produção do programa deslocou-se até Uberaba (MG), para entrevistar o médium Francisco Cândido Xavier, abrindo, de acordo com as palavras de Herculano, a macrofonia do além.
No meio desse programa especial de um ano, cuja leitura e oitiva recomendo ao caro leitor2, Chico Xavier, com a humildade de sempre, assim se expressou:
— Peço licença para aditar um apontamento de Emmanuel, que me interessou muito nas conversações com ele, em 1965.
Perguntei a ele onde estavam aqueles companheiros de Allan Kardec que vibravam com a doutrina espírita na França. Onde estava aquele contingente de almas heroicas e sublimes que aceitaram aquelas ideias e a divulgaram com tanto entusiasmo
https://www.herculanopires100anos.com.br/no-limiar-do-amanha/350-
pelo mundo inteiro, a maior parte na França, grande parte na Bélgica, por exemplo...
—Então ele me disse que, do último quartel do século XIX para cá, mais ou menos de quinze a vinte milhões de espíritos da cultura francesa e, principalmente, os simpatizantes da obra de Allan Kardec, reencarnaram no Brasil, para dar corpo às ideias da doutrina espírita e fixar os valores da reencarnação.
—Tanto é assim — disse ele —, que nos últimos oitenta anos se desenvolveu entre nós tal amor à cultura francesa, que muitos de nós, milhares de nós outros, sabemos de ponta a ponta a história da Revolução Francesa, mas nada conhecemos a respeito do Marquês de Pombal, das lutas de Napoleão, dos reis de Portugal, que foram os donos da nossa evolução primária.
—Nós nos reportamos muito mais à França, como “terra mater” de nossa espiritualidade, do que a Portugal, até porque isso está no conteúdo psicológico de milhões e milhões de brasileiros que estão fichados, por certidão de cartório, como brasileiros, mas psicologicamente são franceses.
Diante dessa revelação extraordinária, Herculano Pires não se conteve e, emocionado, indagou:
— Quer dizer que grandes trabalhadores do espiritismo que estavam na França naquele tempo hoje estão aqui lutando pelas ideias espíritas?
Ao que Chico novamente se manifestou:
— Diz ele (Emmanuel) que isso é tão válido que nós devemos lembrar um fato curioso: é que na Proclamação da República, quando as cidades brasileiras em grande número vacilavam com respeito ao hino que se devia adotar para a nova pátria, centenas de cidades cantaram a Marselhesa na Proclamação da República do Brasil.
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A reencarnação de milhões de franceses, revelada por Emmanuel, através de Chico Xavier, principalmente de simpatizantes da nascente Doutrina Espírita, que vieram dar corpo ao Espiritismo, no Brasil, vem ao encontro de uma outra revelação, contida em O Livro dos Espíritos.
Na questão 1019, Allan Kardec anuncia o expurgo dos que não se enquadraram ao ritmo evolutivo que deve vigorar no planeta Terra, com a concomitante vinda de novos habitantes para a melhoria do padrão evolutivo do nosso orbe:
— Por meio do progresso moral e praticando as leis de Deus é que o homem atrairá para a Terra os bons Espíritos e dela afastará os maus. Essa transformação se verificará por meio da encarnação de Espíritos melhores, que constituirão na Terra uma geração nova.
— Então, os Espíritos dos maus, que a morte vai ceifando dia a dia, e todos os que tentem deter a marcha das coisas, serão daí excluídos, pois que viriam a estar deslocados entre os homens de bem, cuja felicidade perturbariam.
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O historiador Voltaire Schilling, em sua palestra intitulada França no Brasil – influência francesa na cultura brasileira, cita, exemplificadamente, a influência da França em diversas obras de arquitetura, notadamente as do Palácio do Piratini e as das capelas
positivistas, do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro. Diz ele:
—No século XIX, nosso país era muito limitado cultural e artisticamente. Veio ao Brasil, então, mais uma missão artística francesa, com o objetivo de enriquecer as produções artísticas locais. A missão era composta por artistas que perderam seus empregos com a queda do império de Napoleão.
A missão artística a que se refere o historiador Voltaire Schilling foi a segunda. A primeira missão artística francesa veio para o Brasil logo após a chegada da Família Real Portuguesa, em 1808.
— Já no século XX, dadas nossas condições sanitárias precaríssimas, começou um processo de urbanização e higienização. O urbanismo com “jeito francês” trouxe o modelo das grandes avenidas como conhecemos hoje. No campo da saúde pública, vale lembrar a obra sanitarista de Oswaldo Cruz, que resultou de seus estudos sobre o desenvolvimento da bacteriologia no Instituto Pasteur, de Paris.
Finalmente, falando da influência francesa na área intelectual, citou a vinda de missão acadêmica, em 1934, ao Brasil, que resultou no nascimento da Universidade de São Paulo (USP) e a influência no Cinema Novo, de Glauber Rocha, criado à luz da Nouvelle Vague, dos anos 50 e 60.
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Em discurso proferido em reuniões dos espíritas de Lyon e Bordeaux, em 1862, assim se referiu Allan Kardec às modificações que ocorreriam para a evolução dos povos:
— ... na geração dos espíritos enviados em expiação à Terra, desapareçam os que se mantiveram incorrigíveis, a fim de serem substituídos por uma geração de espíritos mais adiantados.
— Para isto, basta uma geração de homens e a vontade de Deus, que pode, mediante acontecimentos inesperados, não obstante muito naturais, ativar sua partida daqui.
— Se, pois, como foi dito, a maior parte das crianças que hoje nascem pertencem à nova geração de espíritos melhores, e cada dia partindo as piores para não mais voltarem, é evidente que, em dado tempo, haverá uma renovação completa.
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No capítulo XVIII, do livro A Gênese, de Allan Kardec, São Chegados os Tempos, temos a detalhada descrição dessa cooperação vinda de outros povos, novamente em busca do impulsionamento do ritmo de progresso do homem.
Para que na Terra sejam felizes os homens, preciso é que somente a povoem Espíritos bons, encarnados e desencarnados, que somente ao bem se dediquem. Havendo chegado o tempo, grande emigração se verifica dos que a habitam: a dos que praticam o mal pelo mal, ainda não tocados pelo sentimento do bem, os quais, já não sendo dignos do planeta transformado, serão excluídos, porque, senão, lhe ocasionariam de novo perturbação e confusão e constituiriam obstáculo ao progresso.
Sejam os que componham a nova geração Espíritos melhores, ou Espíritos antigos que se melhoraram, o resultado é o mesmo. Desde que trazem disposições melhores, há sempre uma renovação.
Uma comparação vulgar ainda melhor dará a compreender o que se passa nessa circunstância.
Figuremos um regimento composto na sua maioria de homens turbulentos e indisciplinados, os quais ocasionarão nele constantes desordens que a lei penal terá por vezes dificuldades em reprimir.
Não é essa uma imagem da sociedade atual? Suponhamos que esses homens são retirados um a um, dez a dez, cem a cem, do regimento e substituídos gradativamente por iguais números de bons soldados, mesmo por alguns dos que, já tendo sido expulsos, se corrigiram.
Ao cabo de algum tempo, existirá o mesmo regimento, mas transformado. A boa ordem terá sucedido à desordem.
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Sempre contaremos com o apoio do Alto para a continuidade do nosso projeto de aprimoramento. O Espiritismo terá por consequência inevitável a melhoria moral. Ensina-nos Allan Kardec, em discurso proferido em cidades do sul da França, por volta de 1862A, que da prática da caridade, fruto dessa melhoria, surgirá o sentimento da fraternidade.
Indispensável, todavia, que não nos acomodemos, esperando que as transformações nos sejam entregues de mão beijada. A cooperação universal requer participação, empenho, dedicação e muito trabalho, que todos nós temos pela frente. Quando nós, homens, estivermos imbuídos dessas ideias, modificar-se-ão também nossas instituições. A partir desse momento poderão ser realizadas as reformas desejáveis para a construção do edifício do nosso futuro.
A Viagem Espírita de 1862, de Allan Kardec