O momento da cura -Sidney Fernandes – 

O MOMENTO DA CURA
Sidney Fernandes – 


Que destino você daria a Hitler, responsável pela eclosão de uma guerra com dezenas de milhões de mortos? Ou a Átila, que se vangloriava de sua crueldade? Ou à Bruxa de Buchenwald, a sádica esposa de um comandante de concentração nazista que banalizava as atrocidades que cometia contra seres humanos? Ou a criminosos que violentam e matam crianças?
Todos eles seriam submetidos, segundo as leis humanas, a penas cruéis, de morte ou de longos sofrimentos. A Providência Divina, no entanto, vê esses espíritos de outra maneira. Considera que a maldade é uma doença contraída quando se cultiva a rebeldia e o desatino e que pede o concurso do tempo e a terapia da dor, a fim de que a alma seja reconduzida ao caminho da evolução.
Provavelmente, esse grupo de vilões, como todos nós, quando ultrapassamos a barreira da lei divina, receberiam outras vestimentas carnais e voltariam — segundo terminologia utilizada por Emmanuel — ao palco da atividade humana, de modo a se redimirem, perante a sociedade humana e a si mesmos.
Vou lhe apresentar outra hipótese, amigo leitor, inusitada, mas nem por isso inverossímil. E se uma dessas infelizes almas, lamentavelmente carregada de compromissos pretéritos, aportasse em seu lar? Que destino você daria a ela?
Embora improvável, essa situação não é impossível.
Semelhante hipótese concretizou-se na Índia, na família de uma jovem de dezenove anos, que tinha poderes de cura e havia aliviado
as dores de grande número de pessoas.
Ocorre que seu pai ficou gravemente doente e naturalmente esperava que a filha o curasse. No momento em que foi orar por ele, ela sentiu que ainda não era o momento da cura. Ele ainda não estava preparado para a saúde.
Sua mãe ficou indignada, dizendo que, se ela havia favorecido tanta gente, por que não usar seus poderes em benefício de seu genitor? A jovem ainda tentou argumentar com sua mãe e perante os demais familiares que havia sido informada de que o chefe da casa ainda não estava devidamente amadurecido para ter a saúde de volta.
Tudo inútil! Os familiares pressionaram a moça de tal forma que ela teve que aplicar seu magnetismo no pai, que, tempos depois, estava curado. Todavia, assim que ele se viu livre da enfermidade, passou a viver uma vida dissoluta, que interrompeu o processo de crescimento espiritual que estava vivenciando através da dor e da doença.
Deficiências, dores e problemas físicos são meios com que a Providência Divina cura as nossas almas. Eles nos fazem refletir sobre erros cometidos, a fim de que não os repitamos e para que assumamos nova postura perante a vida. A doença tem o dom de mudar nossas tendências mentais, para que ocorra a transformação interior e voltemos à charrua evolutiva, da qual jamais deveríamos nos ter afastados.
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Situação semelhante à da Índia ocorreu com Ildefonso e sua mãe, como descrito por Irmão X, em seu livro Luz Acima, em página que passamos a relatar resumidamente.
Ildefonso era filho de Dona Malvina, senhora virtuosa e devotada à causa do bem. Inválido, preso ao leito, o jovem parecia um cordeiro, tão resignado se comportava, diante da enfermidade.
Portadora de muitos méritos junto aos amigos espirituais, Dona Malvina se pôs a orar e a interceder em favor de Ildefonso. Era tão grande a sua fé e tão firme o seu devotamento, que acabou por sensibilizar trabalhadores invisíveis, curadores, que passaram a rogar pela tarefa curativa.
Foi então que, do Alto, surgiu a ordem de reajuste físico do inválido. Inspirada por entidades espirituais, Dona Malvina levou o filho para receber o auxílio de médium curador, que estava passando por sua cidade.
O servo generoso, cercado de mentores amorosos e agradecidos, orou, impôs as mãos sobre o hemiplégico e transmitiu vigorosos fluidos regenerativos dos benfeitores desencarnados. Ao cabo de pouco tempo, Ildefonso estava totalmente recuperado.
Infelizmente, após a cura, a mãe generosa começou a desiludir-se com o filho. Ele se transformou em outra criatura, distanciada da oração, da religião e do trabalho. Em dez meses metamorfoseou-se em desonesto malandro, que se dava muito bem com as bebidas e com as noitadas alegres.
Certa noite, ao repudiar violentamente as repreensões maternas, Ildefonso agrediu a nobre genitora de forma covarde e rebelde. Foi então que Dona Malvina voltou a orar.
— Senhor de infinita bondade. Meu filho tornou-se um monstro. Modifica-lhe a rota desventurada. Faça-se a tua vontade, Senhor.
De repente, intensa luminosidade espiritual resplandeceu sobre aquela cabeça venerável, em forma de nova bênção do Alto.
Para surpresa de todos, no dia seguinte Ildefonso acordou paralítico.
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Para encerrar esta tripla narrativa, quero lhes contar a experiência de Chico Xavier, diante das doenças que o acompanharam durante toda a vida.
Certa ocasião, em 1965, o espírito do médico Dr. Fritz quis operar a vista de Chico Xavier, através do médium José (Arigó)
Pedro de Freitas. Chico agradeceu muito, mas não quis ser operado.
Tinha ciência de que sua deficiência era cármica e de que, se ela fosse suprimida, sem que os compromissos do passado estivessem equacionados, poderia surgir nova doença.
Com bom humor — sua característica —, disse que já havia se acostumado com aquele mal e que, se surgisse um novo, talvez ele não conseguisse suportá-lo.
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O que acontecerá se abrirmos um ovo choco antes que o pintainho nasça naturalmente? Ao ser libertado prematuramente de sua cápsula de vida, o pequeno animal sobreviverá por pouco tempo, perecendo em seguida. Ele não estará ainda devidamente amadurecido para suportar os embates da vida.
Quando conquistarmos visão mais ampla da vida, iremos perceber que as nossas limitações e dores nada mais representam do que o reflexo do nosso interior. Elas permanecerão, enquanto remanescerem em nosso íntimo as lesões perispirituais que adquirimos nesta ou em outras vidas.
Se curarmos o corpo, antes de limpar o espírito — como observou Chico Xavier diante de Arigó —, outras doenças se manifestarão em nosso físico, porquanto a causa real do mal não foi debelada.
Poderá acontecer de irmos doentes para o plano espiritual, lá permanecermos doentes e retornarmos plasmando as mesmas enfermidades no corpo da nova encarnação, porque as marcas perispirituais não foram sanadas. Enquanto não nos livrarmos totalmente das máculas de nosso corpo astral, elas continuarão se refletindo no veículo físico.
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Surge a grande questão: por que curar as pessoas, se as dores e doenças fazem bem ao espírito? Essa pergunta foi feita ao grande cirurgião carioca Paulo César Fructuoso, que já operou dezenas de milhares de pessoas.
— Porque a minha obrigação, como médico, é salvar vidas ou minimizar dores. Além disso, como vou saber se já não chegou o momento da libertação do meu paciente ou se Deus não resolveu lhe conceder uma moratória? Por isso, sempre farei o melhor possível para curar e auxiliar os doentes que me procuram.
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Aos que, ironicamente, sugerem que não deveríamos pôr termo às provas do próximo e assim respeitar a vontade divina, porque o sofrimento é a melhor forma de pagarmos os erros do passado, lembraríamos que a ciência é a mão abençoada de Deus, que, por meio da medicina, alivia nossas dores. E todos os esforços sempre serão válidos para tentar curar ou minimizar as enfermidades do homem.
Fiquemos com O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec:
É certo que as vossas provas têm de seguir o curso que lhes traçou Deus; dar-se-á, porém, conheçais esse curso? Sabeis até onde têm elas de ir e se o vosso Pai misericordioso não terá dito ao sofrimento de tal ou tal dos vossos irmãos: “Não irás mais longe"? Sabeis se a Providência não vos escolheu, não como instrumento de suplício para agravar os sofrimentos do culpado, mas como o bálsamo da consolação para fazer cicatrizar as chagas que a sua justiça abrira?