O PODER DAS MÃOS
Sidney Fernandes –
Numa feliz coincidência, encontrei o velho Gumercindo e sua mulher num voo de cidade litorânea para o interior. Como é que o velho benzedor ali se encontrava, em avião de alto porte, cujas passagens estariam bem acima de suas condições financeiras?
Minha esposa, sempre bem informada, socorreu-me, dizendo:
— Os filhos se cotizaram e deram a eles essa viagem de recreio. Não queriam que os queridos pais, que os criaram com tanto zelo e carinho, e também com muitas dificuldades, chegassem ao final de suas vidas sem conhecer o mar.
De longe, ele nos reconheceu e, com o franco sorriso, sua marca registrada, abanou a calejada mão direita, em gesto de simpatia.
A viagem seria longa, cerca de cinco horas. Logo que o avião decolou, Gumercindo apagou, movido pelo cansaço, pela tensão e, por que não dizer, do certo medo que ele tem de viajar de avião. Até que tudo estava correndo supreendentemente bem, considerando que o velho benzedor era marinheiro de primeira viagem.
Com o apagar das luzes de bordo, começamos a ouvir o choro de uma criança. Estranhando toda aquela movimentação, barulho dos motores da aeronave e diferença de temperatura, Mariana, um bebê de cinco meses, não se aquietava de jeito nenhum.
Depois de uma hora seguida de gemidos e lágrimas, grande parte dos passageiros estava condoída com aquela situação.
Revezavam-se a mãe, o pai, a avó e até a irmã mais velha de Mariana, andando com ela pelo corredor do avião, e nada de a criança se acalmar.
Eu e minha esposa já estávamos em nossa décima oração, procurando transmitir um pouco de sossego e tranquilidade ao bebê, quando vimos, de longe, a esposa de Gumercindo acordando-o delicadamente. Provavelmente, Maria, a esposa do rezador, deve ter lhe perguntado:
— Será que você não consegue ajudar essa criança? Chora sem parar há uma hora e já está sem fôlego...
Percebemos claramente o gesto de benevolência do bom Gumercindo, pedindo a Maria que fosse buscar o bebê.
Cambaleando pelo corredor, entre um chacoalhão e vários solavancos que as turbulências provocavam no avião, lá foi a mulher tentar ajudar a criança.
O incessante choramingo da menina foi crescendo, com a sua aproximação. A mãe, meio desconfiada, trazendo Mariana no colo, ao ver o rosto sorridente e afável de Gumercindo, não teve dúvidas em confiá-la aos braços do benzedeiro.
Acostumado com situações da espécie, depois de dezenas de milhares de chorões e choronas que passaram por suas mãos, ele aconchegou a criança ao colo e, com uma das mãos, começou a acariciar a sua cabecinha.
Mariana foi envolvida imediatamente por uma nuvem fluídica, cujo magnetismo foi acalmando-a lentamente. Os altos brados foram dando lugar a um choro, ainda forte, mas agora intermitente, que começou a se alterar entre um gemido e outro, até que o bebê fechou os olhinhos, aquietou-se e dormiu.
Delicadamente, Gumercindo devolveu Mariana aos braços de sua mãe, que, surpresa e emocionada, balbuciou algumas palavras de agradecimento e voltou a sua poltrona.
Tripulantes e passageiros que acompanharam o milagre só não o aplaudiram pelo medo de acordar a criancinha.
Ao final da viagem, na descida do avião, Gumercindo, que precisou da ajuda de uma cadeira de rodas para vencer a distância até o saguão do aeroporto, recebeu um caloroso abraço do pai de Mariana, que lhe disse:
— Não sei quem é o senhor, mas dá para ver que é um homem bom, abençoado por Deus. Mariana está dormindo até agora, depois de horas de intranquilidade. Agradeço-lhe muito o que fez por ela, seja lá qual for a sua religião.
Acostumado com aquelas manifestações de carinho, o velho Gumercindo limitou-se a segurar a mão direita do pai da criança, com as suas duas mãos, num gesto que lembraria a bênção de um taumaturgo.
***
O que aconteceu ali? Um milagre dos santos? A manifestação do Espírito Santo? Ou simplesmente a manipulação de fluidos de um velho e dedicado benzedor, sempre envolvido por espíritos do bem? Não importa! A generosidade de Deus manifesta-se em qualquer local ou momento, desde que conte com os predicados magnéticos de um homem bom, habituado a transmitir as bênçãos que o Alto lhe confia.
Mesmo conhecendo-o há tantos anos, nunca deixarei de me emocionar e me surpreender com os dons inatos de Gumercindo, capazes de consolar, minimizar dores e até realizar curas, quando isso é permitido por seus mensageiros de luz.
***
Aquele momento glorioso me fez lembrar velha e simples história de Valérium, contida no livro Bem-aventurados os Simples, psicografado por Francisco Cândido Xavier, que abaixo reproduzo, resumidamente.
É a narrativa de um viajante que encontrou um feio e sujo crânio de boi enganchado no mourão de antiga cerca, com jeito de coisa lúgubre. Tomou a iniciativa de atirá-lo à distância, quando despontou de uma das órbitas vazias a cabeça pequenina de um filhote de sabiá, assustado e pipilando. Olhando melhor a caveira de boi, o visitante encontrou toda uma família de passarinhos.
— Ora vejam! Deus situou aqui o lar dos meus pequenos companheiros.
Respeitando o estranho abrigo, seguiu caminho a fora...
Encerra Valérium:
— Ainda mesmo nos aspectos mais desconcertantes da natureza, a vida revela sabedoria.
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Homens santos como Gumercindo jamais tiram férias. Sempre estão à disposição dos mentores espirituais para servir de intermediários, com seu magnetismo, à manifestação da bondade divina, não importando a hora, nem o local. Poderá ser numa humilde choupana, num centro espírita, num terreiro de umbanda, numa igreja católica, num templo evangélico ou, para surpresa de muitos, a bordo de uma aeronave, viajando a mais de setecentos quilômetros horários, numa altura de mais de dez mil metros.
Em qualquer lugar, onde houver a dedicação de um homem bom, fiel intermediário do bem, aí estarão também os enviados dos Senhor.