O Sol deve ter Morrido -Sidney Fernandes

O SOL DEVE TER MORRIDO

-Sidney Fernandes


Em suntuoso trono dentro da mata, na calada da noite, os pirilampos aclamaram a seguinte sentença, ditada por seu chefe Dom Sapiêncio:
— Não há nada mais luminoso que nossos faróis, por isso não passa de mentira essa história da existência do sol, inventada pelos que pretendem diminuir o nosso valor fosforescente.
E os vagalumes, dizendo amém, amém, ao supremo chefe, continuaram a vagar nas trevas, com suas luzinhas mortiças e talvez pensando:
— Se havia a tal coisa chamada sol, deve agora ter morrido.
Huberto Rhoden, Alegorias Assim também devem ter pensado os bispos direcionados pelo Imperador Justiniano, ao participar do Concílio de
Constantinopla, em 553 D.C., por ele organizado para tornar a reencarnação amaldiçoada.
Ao invés de defender a ideia da reforma íntima e da prática do bem, para merecerem melhor destino no futuro, todos preferiram continuar na ilusão de fugir da verdade, porque ela teria sido aprovada em um conclave.
E se pensarmos um pouco concluiremos que um arrependimento de última hora, acompanhado da extrema-unção,
será muito menos complicado do que a trabalheira de toda uma vida voltada para o bem.
Foi uma verdadeira guerra declarada pelo imperador bizantino contra os ensinamentos de Orígenes (185-235), que havia reconhecido, abertamente, a existência da alma antes do nascimento e sua dependência de ações passadas. Orígenes entendia que certas passagens do Novo Testamento somente poderiam ser explicadas à luz da reencarnação.
A mentira repetida mil vezes vira verdade. Essa filosofia, empregada pelo nazista Joseph Goebbels anos mais tarde, já na idade média demonstrava sua eficiência. Com efeito, a partir daí, o movimento cristão foi, pouco a pouco, deixando de aceitar a reencarnação.
Muitos exegetas do Evangelho, como Richard Simonetti, atribuem o sumiço da reencarnação muito menos à ojeriza de Justiniano à lei do carma, e muito mais ao fato de que o conceito reencarnacionista era muito avançado para a mentalidade medieval.
Somente muito mais tarde, no século XIX, as coisas ficariam devidamente esclarecidas, com o surgimento do Espiritismo.
A doutrina da reencarnação, isto é, a que consiste em admitir para o Espírito muitas existências sucessivas, é a única que corresponde à ideia que formamos da justiça de Deus para com os homens que se acham em condição moral inferior; a única que pode explicar o futuro e firmar as nossas esperanças, pois que nos oferece os meios de resgatarmos os nossos erros por novas provações. A razão no-la indica e os Espíritos a ensinam.
Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, Questão 171
Não há como esconder o sol. Muito menos ignorá-lo. O mesmo ocorre com a reencarnação. Com ela tudo se esclarece e pode ser explicado. Depois de sua pretensa morte, a humanidade adentrou pela chamada era do obscurantismo.
Em 1857, com o nascimento de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec faz ressurgir a reencarnação para os povos latinos, resgatando a esperança de justiça de um Deus justo e misericordioso.
Nossas intuições confirmam as aquisições do passado e nos mostram que somos mais ou menos adiantados, dependendo do que fizemos em vidas anteriores. Nas várias vidas que vivemos, passamos por múltiplas situações, ocupamos variadas gradações sociais e por diversas condições físicas, a fim de nos desenvolvermos moral e intelectualmente.
Podemos dizer com Allan Kardec:
Deus, em sua justiça, não podia criar almas mais ou menos perfeitas; mas, com a pluralidade das existências, a desigualdade que vemos nada tem de contrário à mais rigorosa equidade; é que nós encaramos o presente e não o passado.