O SOL VOLTARÁ A BRILHAR
Sidney Fernandes –
Não é em terra que se fazem os marinheiros, mas no oceano, encarando a tempestade. (Machado de Assis) Incomensurável dor.
Somente quem passou pela hora difícil da partida de um ente querido pode dar o testemunho da sua incomensurável dor. A situação se agrava, sobremaneira, quando essa tragédia nos surpreende despreparados.
Boris Fausto
— Estou só em São Paulo, no primeiro mês após o falecimento de Cynira. Basta escrever “falecimento” e um frio me atravessa. Mas é melhor escrever “falecimento” do que “morte”, pois lembra desfalecimento, saída de cena temporária, pois Cynira é figura vital e não se compatibiliza com a ideia de extinção.
Quem escreveu essas palavras foi o notável historiador, professor e cientista político Boris Fausto, que jamais cogitara do tema morte. A imensa obra que ele produziu, e que o tornou referência na história e na política brasileira, não o vacinou contra o esmagamento da dor da morte de sua esposa Cynira, que o pegou desprevenido ou, como diriam os antigos, de calças curtas.
— Falo com ela, como se minha voz pudesse acordá-la do sono eterno (expressão horrível): digo da minha saudade, que em casa tudo está bem e até peço alguns conselhos. Derramo lágrimas amargas.
Uma filha se foi
— Um amigo meu, professor da Universidade, passou pela dor de perder a filha, o que lhe reavivou o problema da imortalidade. Dirigiu-se aos colegas, professores de filosofia, esperando achar consolações em suas respostas. Amarga decepção: pedia um pão, ofereciam-lhe umas pedras; procurava uma afirmação, respondiam-lhe com um talvez.
Incerteza
Essas palavras são do filósofo francês Léon Denis, sobre o despreparo de uma pessoa culta para o problema da morte.
Acrescentou ainda que as instituições podem desvendar os caminhos da ciência, mas não se preocupam com temas fundamentais como a empatia, o amor e a dedicação ao semelhante, argumentando que isso é assunto para templos e casas de oração.
As escolas e universidades são pródigas em conhecimentos, mas pouco ensinam a respeito da alma e de seu verdadeiro destino. A maior parte dos professores e pedagogos não trata do problema da existência. O mesmo ocorre com determinadas religiões, cujas orientações a respeito da vida depois da morte restringem-se a atitudes de resignação, sem explicações claras do porquê da dor.
Nada mais distante das reais necessidades do homem.
Felizmente a história contemporânea começa a assumir postura bem distante desse raciocínio materialista.
Amor - o primeiro sinal
Uma estudante perguntou à antropóloga Margaret Mead sobre o que ela considerava como o primeiro sinal de civilização de uma cultura. Esperava-se que a cientista falasse em anzóis, utensílios de barro ou mesmo fragmentos de armas feitas com pedras amoladas. Apresentou um fêmur que sofrera quebradura e havia sido curado.
— No reino animal — explicou Mead —, quebrar uma perna significa a morte.
Nenhum animal sobrevive com uma perna quebrada durante o tempo suficiente para sua recuperação. Era assim também entre os homens. O indivíduo ficava impedido de correr, ir ao rio para beber, caçar ou ir em busca de suprimentos naturais.
Um fêmur recuperado significa que alguém teve tempo e disposição para ficar com o ferido e cuidar dele. O primeiro sinal evidente de civilização surgiu com a constatação de que alguém teve amor e consideração pelo outro.
Homem civilizado
Como diz Emmanuel, a Terra está repleta dos que creem e descreem, estudam e não aprendem, esperam e desesperam, ensinam e não sabem, confiam e duvidam.
Para que o homem se caracterize como civilizado, precisará se despir do faz de conta e efetivamente partir para a cultura. Não apenas a que abarca o conhecimento material e as artes, mas também a que abrange a moral e o respeito para com a família e a sociedade.
Duas asas conduzirão o espírito humano à presença de Deus: uma chama-se amor, a outra sabedoria, diz Emmanuel.
Somente a partir daí o ser terá condições de saber de onde veio, por que está na Terra e para onde irá depois de sua morte.
De posse dessas informações, não mais se desesperará com a passagem para o outro lado da existência, passando a considerá-la
tão somente como mudança de residência, dentro de sua jornada evolutiva.
Indigência espiritual
Os que se recusarem a tomar conhecimento das realidades da vida e, com isso, não se prepararem adequadamente para as transformações que ocorrerão, ficarão atônitos com a morte de entes queridos e com a sua própria morte.
Serão atirados, de chofre, ao mundo espiritual, e lá chegarão como verdadeiros indigentes. Aportarão em um mundo desconhecido, despreparados para tudo, como relutantes imigrantes subitamente despejados num país assustador.
Pouco lhes servirão as imponentes conquistas da erudição terrena, porque descuidaram dos preparativos para a grande viagem
em direção ao portal da morte.
Castigo?
Por que essa situação dantesca, que nem mesmo Dante se lembrou de descrever? Castigo de Deus?
Na verdade, caro leitor, não há situação desagradável que não possa ser debitada ao nosso descaso, às ações negativas que
provocamos ou à rejeição do conhecimento. Jamais poderemos reclamar daquilo que permitimos que acontecesse. Quem se
habitua à tristeza, ou concorda em conviver com faltas, ou ainda se recusa a melhorar-se, não deve culpar ninguém, pois isso depende
da escolha pessoal.
Fomos criados para o bem e para felicidade e nossa coparticipação, nesse processo, é fundamental.
Meu passado me deprime Ensina-nos a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa que trazemos traumas do passado que infelicitam nossa vida atual. Herdamos, não necessariamente dos pais, porém de nós mesmos, da época em que ainda éramos primatas, passado ancestral que nos manteve em constantes estados de medo, ansiedade e estresse.
Durante séculos os circuitos do medo, do estresse e da ansiedade nos acompanharam na morte e mesmo depois de encarnarmos em novos corpos. Traumatizados, na vida atual temos medo, sem saber exatamente do que.
O cérebro contém muitos outros circuitos, que podem desativar os circuitos negativos. Eles — empatia, gentileza e compaixão — geralmente são pouco utilizados e podem anular os mecanismos que nos incomodam.
Conforto espiritual
Queremos ter melhor qualidade de vida? Desejamos estar preparados para enfrentar as situações de infelicidade? Queremos entender melhor as doenças e, eventualmente, até a própria morte e a de entes queridos?
— A cura jamais chegará sem o reajustamento íntimo necessário — diz Emmanuel.
Naturalmente, ou forçado pela dor, o homem tomará consciência de que somente o conhecimento científico não será suficiente para lhe trazer equilíbrio e competência a fim de enfrentar os mistérios da vida e além da vida.
Nesse estratégico momento, o sol voltará a brilhar e espantará de vez as trevas da alma, conduzindo-a seguramente
pelas veredas do progresso espiritual.
Referências: O Problema do Ser, do Destino e da Dor, Léon Denis; La Mort et l’Au-delà, Carl du Prel; Vinha de Luz e Pensamento
e Vida, Emmanuel; O Brilho do Bronze, Boris Fausto; As Mil Faces da Realidade Espiritual, Hermínio Miranda; Quem Tem Medo
da Morte?, Richard Simonetti.