O Sumiço da Reencarnação - penas eternas - - Sidney Fernandes

O SUMIÇO DA REENCARNAÇÃO PENAS ETERNAS?

- Sidney Fernandes


Recebi minhas primeiras noções de vida além da morte e de justiça divina aos seis anos de idade, através de uma catequizadora católica que ia uma vez por semana à nossa escola.
Inicialmente Dona Rosinha falou da alma. Usou uma metáfora bem interessante, comparando-a com um círculo branco.
Cada pecado que eu cometesse seria um ponto preto maculando esse círculo. O pior veio depois.
Segundo Dona Rosinha, quem tivesse muitos pontinhos pretos iria, depois da morte, para um local muito desagradável, de sofrimentos, mal cheiroso, um desgraçado submundo composto de fogo, enxofre, esgoto e monstros, com Satanás em pessoa à espera lá no centro.
E lá ficaria PARA SEMPRE!
Passei uma semana com distúrbios intestinais, de medo, pois, segundo as premissas apresentadas por Dona Rosinha, eu estava irremediavelmente desgraçado, considerando os horrendos pecados que eu já teria cometido durante os meus longos seis anos de minha existência.
A salvação apareceu na semana seguinte quando, dando sequência à sua aula religiosa, ela falou de um tal purgatório, uma espécie de zona intermediária, para quem não tivesse pecados muito graves.
Se o céu era impossível para um terrível pecador como eu, o purgatório era factível.
Felizmente hoje não se faz mais essa maldade com crianças.
Mesmo porque, a crítica intensa dos sérios intérpretes da Bíblia tirou dela seu caráter de revelação divina. Muitas criaturas sinceras recusam-se a submeter-se à sua autoridade e, por consequência, aos seus absurdos.
A Doutrina Espírita - que conheci quatro anos mais tarde, aos dez anos de idade - veio me ensinar que aquelas noções de Dona Rosinha de penas eternas representariam a negação da vontade de Deus.
Que os antigos vissem no Criador um Senhor terrível, ciumento, vingativo, emprestando-lhe, por conta própria, as paixões dos homens, até que seria admissível. Mas, não o Deus dos cristãos, que coloca o amor, a caridade, a misericórdia e o esquecimento das ofensas como virtudes essenciais do espírito.
A ideia do inferno eterno, com suas fornalhas ardentes e caldeiras ferventes, poderia ser admitida à época de Dante Alighieri, encarregado de reabilitar a ideia do mundo inferior, caído em descrédito.
Da noite para o dia a obra Inferno, de Dante, a mais lida de sua trilogia, transformou o conceito abstrato de inferno em uma visão nítida, aterrorizante, visceral, palpável e inesquecível.
Depois desse marketing, em plena idade média, houve um extraordinário aumento de fiéis da Igreja Católica, graças aos pecadores  aterrorizados que queriam, a todo custo, evitar a versão atualizada do inferno imaginada por Dante.
Não hoje, quando esse fantasma do medo não assusta nem mesmo criancinhas, como aconteceu comigo.
Como então recolocar nos trilhos os que se desviam dos objetivos da criação? Desde a antiga civilização egípcia o homem já recebia as primeiras noções para obter a resposta dessa secular questão.
REENCARNAÇÃO - INVENÇÃO DOS ESPÍRITAS?
Ao incauto estudioso parecerá, à primeira vista, que a reencarnação foi criada pelos espíritas. Com efeito, do século XIX aos nossos dias, a reencarnação vem sendo estudada e disseminada pela Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec.
Muitos outros cientistas, todavia, de várias partes do mundo, não necessariamente espíritas, estudaram-na e apresentaram sua visão, baseada em décadas de investigação sobre a reencarnação.
Exemplo disso são os médicos Brian Weiss, na Flórida (USA) e os Doutores Bruce Greyson e Jim Tucker, na Virgínia (USA), estes últimos considerados sucessores do dedicado Doutor Ian Stevenson, fundador da moderna pesquisa científica a respeito da reencarnação.
Sem falar, naturalmente, de eminentes parapsicólogos como o indiano Hemendra Nath Banerjee (1929-1985) e o brasileiro Hernani Guimarães Andrade (1913-2003).
O ensino da reencarnação, todavia, remonta a povos e eras muito antigas, milhares de anos antes de Cristo. Arriscaríamos afirmar que, por seu conteúdo coerente com a generosidade divina, teria sido trazida ao conhecimento da humanidade terrestre oriunda de mundos mais evoluídos que a Terra.
Lembrando-nos das lições de Emmanuel, em A Caminho da Luz, localizamos os egípcios, um dos povos originários do Sistema Capela, que foram degredados na Terra. Eles traziam do seu planeta de origem conhecimentos sobre o destino, a comunicação dos mortos e a pluralidade das existências.
Diga-se de passagem que, conforme ainda afirma Emmanuel, a civilização egípcia era a que mais se destacava na prática do bem e no culto da verdade.
Muitos outros, tanto do campo da religião e da filosofia, como do campo científico, aceitaram a doutrina das muitas vidas.
Mas, embora a ciência atual duvide da reencarnação, conforme informa Marcos de Moura e Souza, no artigo Reencarnação:
Memórias de Outras Vidas, publicado pela revista Superinteressante, a humanidade convive com sua crença há muito tempo. O conceito de reencarnação teria chegado ao Ocidente pelas mãos do matemático grego Pitágoras, depois de ouvir histórias e assistir a cerimônias, no antigo Egito.
O mesmo conceito, com algumas variações, fazia parte de religiões orientais como o bramanismo, o hinduísmo, o budismo, algumas religiões africanas e alguns povos indígenas.
E JESUS?
Em várias passagens e oportunidades encontramos manifestações de Jesus, ora muito claras e incontestáveis, ora de forma discreta e velada, em que atesta que a reencarnação era encarada de forma absolutamente natural, tornando-a parte de seus ensinamentos, incorporando-a ao Cristianismo primitivo.
Dentre as inúmeras anotações do Novo Testamento que falam de reencarnação, estas são, com certeza, as mais conhecidas e citadas: O cego de nascença (João 9:2-3),O diálogo com Nicodemos (João 3:1 a 10) e A volta de Elias (Mateus 17: 10 a 13). Esta última é a que mais objetivamente a comprova:
— Por que dizem então os escribas que é mister que Elias venha primeiro?
Os discípulos estavam se referindo às tradições judaicas, que asseveravam que Elias deveria retornar à Terra no advento de Jesus. Seria o precursor, aquele que anunciaria a sua chegada.
Resposta de Jesus:
— Mas, digo-vos que Elias já veio, e não o conheceram, mas fizeram-lhe tudo o que quiseram.
Então entenderam os discípulos que Jesus lhes falara de João Batista.
DEPOIS DE JESUS A REENCARNAÇÃO SUMIU?
A reencarnação estava implícita no Cristianismo primitivo.
E assim permaneceu durante os primeiros séculos da era cristã.
Considerando o Cristo como filho de Deus, antes de encarnar na forma humana, os cristãos admitiam a preexistência da alma de todos os corpos encarnados.
Os manuscritos originais dos Evangelhos desapareceram.
Provavelmente foram destruídos à época em que o Cristianismo era considerado proscrito. Os atuais escritos são cópias. E essas cópias, como afirmaria o teólogo Bart D. Ehrman, autor do livro O que Jesus disse? O que Jesus não disse, foram alteradas por eclesiásticos políticos e copistas ignaros, causando, com isso, enorme impacto na compreensão e interpretação dos textos evangélicos dos dias de hoje.
Pensava-se que, com a adoção do Cristianismo como religião oficial, através de Constantino, as coisas fossem melhorar. Desandaram. A conversão do imperador aproximou a religião cristã dos césares e dos poderes constituídos. Entrou numa era de ligação com os poderes seculares, com forçadas concessões e, por consequência, perdeu a essência dos ensinamentos de Jesus Cristo.
ALGUNS RELIGIOSOS AINDA SUSTENTARAM A IDEIA DA REENCARNAÇÃO
Importantes personagens religiosos, no entanto, sustentaram ainda por algum tempo a pureza da ideia cristã. Destaca-se, dentre eles, Orígenes (185-254) que, segundo São Jerônimo, era, depois dos apóstolos, o grande mestre da Igreja, verdade que só a ignorância poderia negar.
Analisemos o texto a seguir:
Cada alma... vem a este mundo fortificada pelas fraquezas ou vitórias da vida anterior. Seu lugar neste mundo, como um vaso escolhido para honrar ou desonrar, é determinado pelos seus méritos e deméritos. Seu trabalho neste mundo determina a sua vida num mundo futuro.
De onde acha, amigo leitor, que retirei o texto acima? De algum livro espírita? Ou talvez de alguma religião oriental?
Negativo! Estas palavras são de Orígenes, citadas por Edward Wriothesley Russel, repórter norte-americano, em seu livro Reencarnação – o mistério do homem. Orígenes é considerado por esse escritor um dos sábios mais brilhantes das Igrejas Cristãs primitivas e Russel retirou essas palavras do livro Dos Princípios.
Vejamos algumas citações atribuídas a Orígenes, feitas por Martins Peralva, em seu livro Estudando o Evangelho:
As causas das variedades de condições humanas são devidas às existências anteriores.
A maneira por que cada um de nós põe os pés na Terra, quando aqui aportamos, é a consequência fatal de como agiu
anteriormente no Universo.
Elevando-se pouco a pouco, os Espíritos chegaram a este mundo e à ciência dele. Daí subirão a melhor mundo e chegarão a um estado tal que nada mais terão de ajuntar.
Diz Léon Denis, a respeito de Orígenes, em seu livro Cristianismo e Espiritismo:
Dentre os padres da Igreja, Orígenes é um dos que mais eloquentemente se pronunciaram a favor da pluralidade das existências.
Em seu livro célebre, “Dos Princípios”, Orígenes desenvolve os mais vigorosos argumentos que mostram, na preexistência e sobrevivência das almas noutros corpos, em uma palavra, na sucessão das vidas, o corretivo necessário à aparente desigualdade das condições humanas, uma compensação ao mal físico, como ao sofrimento moral que parece reinarem no mundo, se não se admite mais que uma única existência terrestre para cada alma.
SANTO AGOSTINHO (354-430)
Em sua autobiografia Confissões, Santo Agostinho faz a seguinte pergunta:
Não terei vivido em outro corpo, em alguma parte, antes de entrar no útero de minha mãe?
E continua:
Dizei-me, eu vo-lo suplico, ó Deus, misericordioso para comigo, que sou miserável, dizei se a minha infância sucedeu a outra idade já morta, ou se tal idade foi a que levei no seio de minha mãe? (...) E antes desse tempo, quem era eu, minha doçura, meu Deus? Existi, porventura, em qualquer parte? Era Eu, por acaso, alguém?
GABRIEL DELLANE
Gabriel Dellane, em sua obra Reencarnação, faz a seguinte citação, lembrando Orígenes:
Por outra parte, a transmigração das almas, a acreditarmos em S. Jerônimo, foi ensinada por muito tempo como uma verdade esotérica e tradicional, que só devia ser confiada a pequeno número de eleitos.
Orígenes admitia a preexistência da alma como uma necessidade lógica, na explicação de certas passagens da Bíblia, sem o que, dizia ele, poder-se-ia acusar Deus de iniquidade.
Essas concepções, posto que repelidas pelos concílios, foram conservadas, mesmo no clero, por espíritos independentes, tal como o Cardeal Nicolas de Cusa, e, entre os filósofos, pelos adeptos das ciências secretas, que transmitiam uns aos outros essas tradições, sob a chancela do sigilo.
POR QUE SUMIU A REENCARNAÇÃO?
Como vimos, caro leitor, muitos eminentes espíritos da antiguidade admitiam a crença na pluralidade das existências.
Embora uma verdade, se repetida por dezenas de criaturas sérias, tenda a adquirir presunção de veracidade, pelo espírito de síntese deste trabalho ficamos com as citações dos mais conhecidos.
E, pelos depoimentos de inúmeros estudiosos, temos a comprovação de que o Cristianismo aceitava a reencarnação, fato considerado como incontestável pela cultura religiosa oriental, muito antes da era cristã.
Qual teria sido o motivo do sumiço da reencarnação? Por que a ideia foi abolida até chegarmos aos tempos atuais em que a ideia da reencarnação precisa ser novamente ensinada?
TEMPOS ATUAIS
Atualmente já está ocorrendo uma gradativa diminuição do preconceito contra a reencarnação. Basta fazermos uma enquete com pessoas de várias religiões e vamos encontrar um percentual elevado - diríamos acima de cinquenta por cento - de pessoas que a aceitam, mesmo dentre não espíritas.
São pessoas de mente aberta, propensas ao estudo e ao raciocínio, que vão constatando nas múltiplas vidas uma ideia eminentemente racional, que filosoficamente concilia as desigualdades intelectuais, morais e físicas que existem entre os homens, testificando a sabedoria e a justiça divina.
Mas, por que a reencarnação desapareceu do Cristianismo?
A INFLUÊNCIA DA IMPERATRIZ TEODORA
Tudo teria ocorrido como resultado das intrigas de Teodora (500-548). Filha de um guardião de ursos, teria sido atriz e cortesã e seria mais tarde a esposa do imperador bizantino Justiniano.
Nessa época a reencarnação era aceita como parte essencial do Cristianismo. Teodora teria se incomodado com os ensinamentos de Orígenes, que aceitava a preexistência do espírito ao corpo, base fundamental para a Teoria da Reencarnação.
Ela não aceitava a doutrina que poderia trazê-la de volta, em outra vida, em circunstâncias penosas, talvez como escrava negra,
por exemplo.
Imperatriz, Teodora era uma consorte ativa, que tomava parte nos negócios do governo. Defendia os direitos das mulheres. É considerada a mulher mais influente do Império Bizantino.
Ela teria resolvido intervir no Segundo Concílio de Constantinopla, através de seu marido, o Imperador Justiniano, a fim de eliminar o princípio reencarnacionista, no sínodo realizado no ano de 553.
Teodora preocupava-se com a lei do carma e com a reencarnação. Consta que teria um passado um tanto quanto obscuro. Tinha medo das consequências, de ter que prestar contas à maldita lei do carma e queria um céu imediato.
Para resolver esse problema pediu ao marido sua interferência para que se legitimasse uma teologia que negasse a reencarnação.
Suas contas com a divindade seriam acertadas com a purificação através da extrema-unção. Admitia Teodora que talvez tivesse que passar, depois de sua morte, uma temporada no purgatório. Mas depois teria passagem livre para o paraíso.
Reencarnação? Nem pensar!
RICHARD SIMONETTI: FOFOCA HISTÓRICA?
Como os espíritas veem essa eliminação da reencarnação por influência de Teodora?
Segundo Richard Simonetti, teríamos aí autêntica fofoca histórica:
Não há documentos que comprovem essa versão. Improvável que algo tão sério tenha ocorrido por simples influência de uma mulher pretensiosa. Acredito que houve uma fatalidade histórica.
O conceito reencarnacionista era muito avançado para a mentalidade medieval, o que não é de admirar. Os teólogos não conseguiam sequer admitir a idéia de que a Terra se movimenta e não é o centro do Universo…
A verdade é que, com ou sem a influência de Teodora, a partir do Segundo Concílio de Constantinopla, a reencarnação, mesmo
com a aceitação de eminentes religiosas, tornou-se anátema.
PERGUNTA FEITA A RICHARD SIMONETTI EM REUNIÃO PÚBLICA DO CENTRO ESPÍRITA AMOR E CARIDADE DE BAURU:
Os católicos já foram reencarnacionistas?
Resposta:
Até meados do século VI havia uma disputa dentro da Igreja.
Embora grandes teólogos como Orígenes e Clemente de Alexandria admitissem a reencarnação, no Concílio de Constantinopla, em 553, acabou prevalecendo a corrente contrária.
Interessante constatar que, quando isso aconteceu, os textos evangélicos já eram definitivos, conforme a tradução de São Jerônimo, do grego para o latim, dando origem à Vulgata, onde há claras referências à Reencarnação, como na passagem do cego de nascença.
Os discípulos perguntam a Jesus quem pecou para que ele nascesse cego – ele ou seus pais, o que demonstrava que eles admitiam a reencarnação.
Em outra passagem, os discípulos perguntam a Jesus onde estava Elias, que segundo as profecias deveria anunciar o Messias.
Jesus responde que Elias já viera e que os homens fizeram com ele o que lhes aprouve. O evangelista conclui, dizendo: então os discípulos souberam que fora de João Batista que ele lhes falara. Nesse tempo João Batista, Elias reencarnado, fora decapitado a mando de Herodes.
CONCLUSÃO
Vamos nos valer de Gabriel Dellane, que, em sua lúcida obra A Reencarnação, nos apresenta a síntese deste assunto, para seus tempos modernos, perfeitamente aplicável aos nossos tempos.
Diz ele que a liberdade de pensar e discutir publicamente permitiu que a verdade das vidas sucessivas pudesse renascer e
ser analisada na atual era da humanidade.
Dellane cita eminentes filósofos de sua época e indaga:
Quem impede que cada homem tenha existido muitas vezes no mundo?
Expressa a inadmissibilidade do inferno eterno, porque este castigo seria uma vingança cega e implacável, pois que puniria, com uma eternidade de suplícios, as faltas de uma vida, a qual, por mais longa que seja, não passa de alguns instantes em relação á eternidade.
Alerta ainda que a ausência de memória de vidas passadas em nada desabona a vivência de vidas anteriores, acreditando que será possível, na vida espiritual, o gradativo resgate da memória integral.
Nascer, pois, não é começar, é tão só mudar de figura, sintetiza.
A vida desenvolve-se na Terra, mas também em outros mundos espalhados pelo infinito.
A pluralidade dos mundos habitados torna-se corolário lógico da pluralidade das existências, continua Delanne, citando o
pensamento do eminente astrônomo e seu amigo Camille Flammarion:
Se o mundo intelectual e o mundo físico formam uma unidade absoluta, e o conjunto das Humanidades siderais forma uma série progressiva de seres pensantes, desde as inteligências rudimentares, apenas saídas das faixas da matéria, até as divinas potências que podem contemplar Deus em sua glória e compreender-lhe as obras mais sublimes, tudo se explica, tudo se harmoniza; a Humanidade terrestre encontra-se nos graus inferiores desta vasta hierarquia, e a unidade do plano divino está estabelecida.
Gabriel Delanne encerra seus breves comentários citando Allan Kardec, que, com a publicação de O Livro dos Espíritos, em 1857, expôs todas as razões filosóficas que nos conduziram à admissão da teoria das vidas sucessivas, devendo-se a ele toda a propagação dessa grande verdade nos países de língua latina.