PAULINHO BAMBU
-Sidney Fernandes
— Professor Dudu, há uma pessoa aqui querendo falar com o senhor - informa a secretária Augusta.
— Dona Augusta, não falei para a senhora que hoje não recebo mais ninguém? Preciso fazer o planejamento do ano que vem...
— Eu sei professor, mas ele está insistindo muito e diz que é importante...
— Quem é ele? Algum pai de aluno? O assunto é urgente?
— Não, professor, acho que ele é médico. Está vestido de branco. O nome dele é Paulo da Silva.
— Ah, meu Deus. Mande-o entrar, Dona Augusta.
— Em que posso ajudá-lo - diz o professor Dudu, proprietário de uma das melhores escolas de ensino secundário e do mais conceituado curso para preparação de vestibulares da cidade, dirigindo-se ao visitante.
— Vim para acertarmos nossas contas - diz o jovem médico, de tez morena, sorridente e de fisionomia muito agradável.
— Quem é o senhor?
— Não está me reconhecendo, professor? - continua, sorrindo, o visitante.
Professor Dudu, que durante a vida inteira trabalhou com educação e teve centenas de contatos com alunos, pais e professores, colocou seu óculos e mediu o interlocutor de cima abaixo.
— Não acredito! É você, Paulinho? Você conseguiu?
Formou-se médico?
Sem pestanejar, acionou o intercomunicador e, como costumava fazer sempre, espontaneamente berrou para a secretária:
— Dona Augusta, a senhora não reconheceu quem está aqui? É o Paulinho Bambu!
A secretária irrompe pela sala e carinhosamente abraça o visitante:
— Paulinho, é você? Não o reconheci. Como você está bonito. Também, todo de branco e com o carrão que chegou, como poderia imaginar que era o "nosso" Paulinho Bambu?
— Pois é, dona Augusta, cresci mais um pouco e me formei.
Graças a esse abençoado homem que está aqui na minha frente, hoje sou médico.
Professor Dudu, que não permitiu que o sucesso e o crescimento empresarial mudassem seu jeito de ser, deu a volta na mesa e abraçou Paulinho.
E lembrou-se da primeira vez em que ele havia entrado em sua sala, dez anos atrás...
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José da Silva, pedreiro, vindo do nordeste, estava sentado naquela mesma sala, tendo ao lado um menino franzino e moreno.
— Em que posso ajudá-lo, senhor José? - perguntou solícito o professor Dudu, como costumava fazer com todos que o procuravam, fossem ricos ou pobres, sem distinção de cor, raça ou posição social.
— É o menino, este que está aqui, o Paulinho. Quer estudar na sua escola. E não tenho condição de pagar o ensino dele - disse humildemente o pedreiro, baixando a cabeça.
— Mas existem muitas outras escolas em nossa cidade, boas escolas públicas. Não servem para ele? - disse o professor, jocosamente, tentando minimizar o constrangimento do pai.
— Eu quero ser médico! - adiantou-se corajosamente o menino.
Reparando melhor no garoto, Dudu notou sua altura e seu desembaraço.
— Você sabe no que está se metendo, menino? Sabe os desafios que virão pela frente? E não estou falando só das aulas desta escola. O vestibular é duríssimo e a vida na faculdade de medicina não é nenhum paraíso. Está mesmo disposto a enfrentar essa "barra pesada"?
— Estou. Sei o que me aguarda - falou com energia o alto e magro menino.
Dudu sabia que o índice de inadimplência da sua escola, bem como de todas as particulares, girava em torno de doze a quinze por cento. E ali estava aquele atrevido menino pedindo-lhe mais uma bolsa de estudos.
— Gosta de basquete? - perguntou Dudu.
Paulinho, que de basquete só ouvira falar, respondeu com firmeza: — Adoro e tenho certeza de que serei bom jogador.
Dudu sabia que não era verdade. Arrematou o encontro dizendo:
— Com sua altura será um bom jogador do nosso time e ainda será um excelente porta-bandeira em nossos desfiles. Está contratado, Paulinho.
— Deus o abençoe, seu Dudu - falou comovido o pai do menino. Um dia teremos condição de lhe retribuir a generosidade.
Dudu já se cansara de ouvir essas promessas. Mas, incorrigível, continuava investindo em novos talentos.
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Paulinho abraçou a grande oportunidade de sua vida com toda a sua garra. Entrou para o time de basquete da escola e tornou-se o maior "cestinha" que havia passado pelas quadras do professor Dudu.
E mais, seu jeito carismático, seu rosto simpático e sua responsabilidade, conquistaram os colegas, os professores e, naturalmente, o mantenedor da escola, que reconhecia naquele jovem uma grande conquista.
Porém, estava longe das expectativas de Dudu a possibilidade de Paulinho entrar para a faculdade de medicina.
Não obstante, assim que terminou o terceiro colegial Paulinho já tinha garantida sua permanência no semi extensivo da escola, que
o prepararia para a grande batalha do vestibular.
Na primeira tentativa quase "gabaritou". Ficou entre os excedentes. O próprio Dudu o aconselhou a mais um ano de "cursinho", para obter melhor classificação em boa escola pública. E esta era realmente a única alternativa para Paulinho, a escola pública.
Estava me esquecendo de lhe contar, caro leitor, como surgiu o apelido de Paulinho Bambu. Havia outro Paulo no time de basquete. E como Paulinho não parava de crescer, logo foi comparado com a planta da família das gramíneas, cujo crescimento é subterrâneo durante os cinco primeiros anos de vida, para depois atingir a altura de vinte e cinco metros.
E havia sido exatamente o perfil do novo aluno: nos primeiros tempos ninguém o notara, crescera por dentro. Depois desabrochara e conquistara toda a escola, do mais humilde faxineiro ao mais exigente professor.
Agora o Bambu atingira sua altitude máxima: passara no vestibular de medicina.
Foi uma festa na escola!
Depois disso, nunca mais se ouvira falar do Paulinho Bambu.
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— Como bem o senhor me avisou, professor, a vida universitária foi difícil. Eu precisava trabalhar à noite para sobreviver e pagar meus livros. Meu pai já havia feito o que podia para mim. Mas agora estou aqui para acertarmos nossas contas.
— Que contas? - perguntou o professor Dudu.
— Aquelas que meu pai havia lhe prometido pagar, quando houvesse possibilidade. Quero pagar meus estudos nesta casa. O senhor me ajudou e fez muito por mim.
— De jeito nenhum, Paulinho. Você retribuiu com as glórias que nos deu no basquete. E mais, honrou todas as oportunidades que a escola lhe concedeu, dando o melhor de você. Nada nos deve!
— Eu já esperava por essa resposta, professor. Então, deixe-me patrocinar dez bolsas para alunos sem condições de pagar os seus estudos. À sua escolha...
— Se você quer assim, assim será, Paulinho. Mas, diga-me, como se conservou com o mesmo caráter, a mesma bondade e responsabilidade, nos embates da vida?
— Em primeiro lugar, graças à minha família. Ela foi meu esteio. Embora pobres, meus pais sempre me deram o exemplo de dignidade. Depois, graças ao senhor. Nos cinco anos que passei nesta escola aprendi muito com seus exemplos. E, finalmente, graças à Doutrina Espírita.
— Você se tornou espírita? - perguntou curioso o velho professor.
— Minha família já era espírita. Crescemos fazendo o culto do evangelho no lar. Apenas estudei mais e me integrei em grupos de estudo e trabalho, na cidade em que fiz a faculdade de medicina. No Espiritismo consolidei a minha moral e hoje posso agradecer a Deus tudo que recebi da vida.
Ao final da conversa, o professor Dudu estava visivelmente comovido e emocionado. Saiu pela escola afora, de braços dados com Paulinho, que não era mais o Bambu, mas sim respeitado médico, cria daquela casa.
E Dudu fez questão de percorrer, classe por classe, ostentando Paulinho como o melhor troféu de sua vida.
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Indaga Allan Kardec em O Livro dos Espíritos:
— Haverá quem, pela sua posição, não tenha possibilidade de fazer o bem?
Respondem os Espíritos:
— Não há quem não possa fazer o bem. Somente o egoísta nunca encontra ensejo de o praticar. Basta que se esteja em relações com outros homens para que se tenha ocasião de fazer o bem, e não há dia da existência que não ofereça, a quem não se ache cego pelo egoísmo, oportunidade de praticá-lo. Porque, fazer o bem não consiste, para o homem, apenas em ser caridoso, mas em ser útil, na medida do possível, todas as vezes que o seu concurso venha a ser necessário.
Ensina Emmanuel, no livro Bênçãos de Amor, que a nossa indiferença para com as amarguras do próximo aparecerá por desolada geleira à frente de nossos passos. Por outro lado, o gesto de auxílio aos irmãos do nosso caminho oferecer-nos-á sublime colheita de alegria.
Professor Dudu, inspirado por seus ideais de educação, não vacilou em amparar Paulinho e lhe dar a oportunidade de se tornar o médico Paulo. Ele não foi apenas caridoso, mas sentiu que seu concurso era necessário e confiou naquela promessa de vida.
Aprendamos com esse precioso exemplo, pois todos nós podemos fazer o bem: alguns mais, com grandes possibilidades de realização; outros menos, com limitadas condições; mas ambos sempre revestidos de boas imagens criadas, sustentadas e movimentadas no campo da existência, que serão reveladas de acordo com o amor e a simpatia que semearmos.
Texto inspirado em personagem real, profundamente dedicado à área da educação da cidade de Bauru (SP). O fato descrito é ficcional. Qualquer semelhança, no entanto, com inúmeros casos vividos pelo Professor Dudu na vida real, NÃO é mera coincidência.