Piorar para Melhorar - Sidney Fernandes

PIORAR PARA MELHORAR
Sidney Fernandes


Por que as coisas não melhoram?
Infelizes que procuram casas religiosas em busca de equilíbrio, amparo, socorro e consolo, são motivados à oração, ao trabalho, à resignação e ao aprendizado. 
Mas, estranho, quando adentram esses locais, em busca do esclarecimento, da fluidoterapia, da aposição de mãos, dos tratamentos espirituais ou do trabalho que equilibra, santifica e afasta as más influências, parece que alguns pioram. Sentem-se aturdidos, cercados e com a sensação de que as dores e os incômodos aumentaram, não obstante terem iniciado os tratamentos recomendados.
Vocação para a tristeza.
A principal causa de nossos sofrimentos encontra-se nas sombras de nossa consciência. Antes de culpar espíritos ou más vibrações, devemos entender que as máculas internas provocam inquietações que, sua por vez, se transformam em doenças físicas e da alma. Pessoas começam atormentando a si mesmas e acabam sendo atormentadas por seres que se afinam com seus desequilíbrios.
Está aí a corporificação do ditado popular quem namora a doença, acaba se casando com ela, que tem, como vítimas preferidas, criaturas que costumam usar óculos escuros e veem somente sombras na vida e nas outras pessoas.
Tristeza tem remédio?
Em 1818, Jacques Auguste Simon Collin de Plancy publicou um livro chamado Dicionário Infernal, com a descrição minuciosa de diversos demônios. A organização desse dicionário teve como objetivo amedrontar mentes com pinturas e gravuras terríveis. Pode-se dizer que alcançou seu objetivo, pois até hoje alguns desavisados procuram, como diria minha querida avó Duzolina, sarna para se coçar, e encontra, em seu interior, os diabos que desejam, de acordo com o figurino que modelam.
Como exorcizá-los? Fui encontrar, em brilhante artigo da escritora Denize Gonçalves, intitulado “Qual é o melhor remédio para tratar a tristeza? ”, excelente recomendação. Diz ela que o melhor remédio para tratar a tristeza não é a alegria, como muitos pensam. A gratidão é que leva a pessoa à alegria. A partir daí a autora discorre sobre a necessidade de agradecermos pelas dificuldades e pelas oportunidades de desenvolvimento de nossas virtudes — mormente na convivência com familiar difícil.
Exalta, ainda, a necessidade de, a cada amanhecer, agradecermos a Deus por mais um dia de vida, com a possibilidade de abrir os olhos, movimentar o corpo, respirar e sentir o sabor dos alimentos (o que faz lembrar um dos mais terríveis sintomas da COVID-19). Denize encerra seu oportuno texto citando Epicuro de Samos: As pessoas felizes lembram o passado com gratidão, alegram-se com o presente e encaram o
futuro sem medo.
Obsessores? Não! Sócios no vício Como vemos, amigo leitor, não nos cabe apenas defenestrar terceiros, atribuindo-lhes a culpa de nossos sofrimentos. O primeiro passo, sem dúvida, é olharmos para dentro de nós mesmos e lavarmos as sombras que imprimimos em nossas
consciências. E os espíritos, são sempre vilões?
Aqueles que chamamos de temíveis obsessores, muitas vezes nada mais são do que sócios no vício. André Luiz, em Sexo e destino, descreve a situação de Cláudio, em que ele não conseguia especificar se o viciado era o encarnado, o desencarnado ou ambos. Não havia violência ou tortura e sim  processo de fusão entre os dois, por deliberação própria.
Como somos livres para tomar decisões lúcidas ou equivocadas, que vão repelir ou convidar companhias que julgamos aceitáveis, resta-nos lembrar que, no caso de Cláudio, seria difícil dizer de quem seria a responsabilidade da fusão vampírica, se do sócio desencarnado ou dele mesmo. A responsabilidade, alerta André Luiz, tem o tamanho do conhecimento.
Processo obsessivo
Pode acontecer, no entanto, que esteja instalado o processo obsessivo movido por espíritos não necessariamente cruéis, nem encarniçados perseguidores. Às vezes, são meros perturbadores, que mais incomodam do que prejudicam. Mesmo assim, remanesce a responsabilidade do enfermo, visto que criou ambiente adequado à atração do desencarnado, por meio de suas feridas morais.
Os vícios, por exemplo, não produzem apenas condicionamentos físicos, pois atingem o âmago de nossa alma.
Todo viciado é um obsidiado em potencial, que acaba atraindo viciados desencarnados. Quando comparece a uma instituição — igreja, templo, centro espírita ou casa de recuperação —, os patrocinadores do seu processo vicioso podem reagir, por não admitir perder a sua presa, e acentuar os seus sintomas.
Ao tentar se desvencilhar das causas de suas perturbações, o paciente pode se sentir nervoso, irritado e exasperado, por reações de seu organismo ou por influência de parceiros invisíveis, que não querem perder a satisfação de suas companhias.
Nessas horas, o passe magnético, a água fluidificada e as reuniões mediúnicas de desobsessão se revestem de fundamental importância, ao lado de tratamentos tradicionais da psiquiatria, que jamais devem ser desprezados.
Os bons podem ser assediados pelos maus?
Não somente os tristes, os nostálgicos, os sócios dos desencarnados ou os portadores de vícios e feridas morais são objeto de ataque de irmãos infelizes. Os que se dedicam ao bem também atraem sua atenção. Vejamos esta análise de um texto do evangelista João:
— E os principais dos sacerdotes tomaram a deliberação de matar também a Lázaro.
Mestre da síntese, o exegeta Emmanuel apresenta a intenção do farisaísmo de destruir Lázaro, para que não se consolidasse o poder do Cristo. Nessa análise, Emmanuel alerta os participantes do Evangelho quanto à ameaça dos fariseus nos dias que passam, que se sentem incomodados e perseguem os que se unem ao amor de Jesus.
Em outras palavras, Emmanuel recomenda cuidado aos que saem da sombra para a luz e do mal para o bem, para que se previnam contra os fariseus dos dias atuais, visíveis e invisíveis, isto é, encarnados e desencarnados, que trabalham contra os valores da fé e a força dos ideais cristãos.
Qual é a melhor defesa?
Diante dos infelizes que querem nos manter afastados do conhecimento e do sentimento, precisaremos agir firmemente, como aconteceu com o personagem desta brilhante página de Richard Simonetti que a seguir resumimos:
O guarda-chuva
Richard Simonetti
Leontino não estava conseguindo...
Espírito desencarnado, assediava José Onofre, pretendendo vingar-se de passadas ofensas.
Localizara-o em nova jornada na carne e pretendia infernizar-lhe a existência, envolvendo-o na obsessão.
No entanto, o antigo desafeto resistia às suas investidas, conservando-se perfeitamente ajustado.
Resolveu apelar para um companheiro mais tarimbado...
Procurou Quirino, especialista em atazanar pessoas, usando de extrema sutileza em suas investidas, alguém que a tradição religiosa definiria como um ser demoníaco.
Nada disso. Era apenas um transviado filho de Deus que não se dera ainda ao trabalho de avaliar a semeadura de espinhos que vinha efetuando, os quais fatalmente colheria um dia, em penosos reajustes.
O experiente obsessor ouviu-lhe as frustrações e indagou:
— Identificou-lhe as fraquezas?
— Sim.
— E quais são?
— Certa tendência à tristeza, caráter introvertido; alguma preocupação com a saúde; eventuais crises de afetividade no lar;
gosta de aperitivos e não é insensível aos encantos femininos.
— Então, não conseguiu puxar esses fios para “enovelá-lo”?
— Bem que tentei, mas sem resultado. Não tem tempo para render-se às próprias mazelas. Vinculado a um centro espírita, ocupa todas as suas horas livres em serviços diversos: visita doentes, atende aos necessitados, cuida de crianças, faz plantão no albergue, aplica passes magnéticos, participa de reuniões mediúnicas. O homem não para! Simplesmente não sobra espaço em sua mente para infiltração de ideias obsessivas.
Quirino franziu o cenho.
— Quando nossas presas encasquetam a ideia de que devem ocupar o tempo ajudando o semelhante fica difícil. Buscou o ataque por vias indiretas?
— Sim, sim, segui fielmente nossos programas. Explorei as tendências neuróticas da esposa, criando-lhe embaraços no lar; provoquei problemas financeiros, complicando seus negócios; envolvi o filho com drogas; semeei desentendimentos no Centro Espírita; acentuei seus males físicos, mas o homem é uma rocha.
Situa-se inabalável, confiando-se à proteção divina.
Leontino suspirou, completando:
— Simplesmente, José Onofre se recusa a uma reação negativa que me dê ensejo para atingi-lo. O que você me aconselha?
— Desista.
— Ora essa! É tudo que tem a dizer?
— Estou apenas sendo realista. O problema é que seu desafeto abriu o guarda-chuva protetor. Você pode fazer desabar sobre ele tempestades existenciais violentas. Não logrará atingilo.
— E o que vem a ser essa proteção?
— A prática do bem aliada à confiança em Deus. É preciso esperar torcendo para que ele se decida a fechar o guarda-chuva.
O remédio infalível.

Se queremos combater a tristeza, desfazer associações infelizes, libertar-nos dos vícios e reunir forças para vencer os adversários da verdade, o remédio infalível será abrir o guardachuva da persistência no bem e da confiança em Deus, praticando a recomendação dos mentores a Allan Kardec, quando ele indagou:
— Como podemos neutralizar a influência dos maus espíritos?
Resposta incisiva dos espíritos:
— Praticando o bem e pondo em Deus a vossa confiança, repelireis a influência dos espíritos inferiores e aniquilareis o império que desejam ter sobre vós.
***
Pode acontecer de as coisas piorarem, por algum tempo, quando resolvermos abandonar velhos vícios e velhos parceiros.
No entanto, ao nos inclinarmos para o lado do Cristo, ele, cheio de abnegação e amor, nos dará forças, na exata medida dos recursos específicos para cada um de nós. Estaremos abrindo o divino guarda-chuva, que nos abrigará e protegerá de todas as intempéries.
Vamos abrir o nosso guarda-chuva?
Referências: Uma razão para viver, Richard Simonetti; Vinha de Luz e Pão Nosso, Emmanuel; Ação e reação e Sexo e destino, André Luiz; Artigo de Denize Gonçalves publicado no Diário de Votuporanga, em 21/8/21; O Livro dos Espíritos, Allan Kardec.