Razão da Vida -Sidney Fernandes – 

RAZÃO DA VIDA
Sidney Fernandes – 


Assim como se fosse uma vibrante sinfonia de Wagner, O Espírito de Verdade abriu a obra O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, de forma calorosa, dando aos homens a extraordinária revelação, já implícita em várias questões de O Livro dos Espíritos, também de Allan Kardec, de que os espíritos do Senhor espalham-se pela Terra, para iluminar o caminho e abrir os olhos aos cegos.
Com efeito, não apenas os sábios ligados ao Espiritismo, como também plêiades de estrelas cadentes, que inspiraram outras filosofias e religiões espalhadas por todo o nosso planeta, traçaram diretrizes para que as almas encarnadas aproveitem, efetivamente, a extraordinária oportunidade da vida. A ordem de comando foi a mesma, interpretada segundo os valores de cada grupamento humano. O convite é o da renovação interior, o da dissipação das trevas e o da edificação dos justos.
Esse imperativo — que precisa tocar o coração do homem para que a sua fé se torne inabalável — está sintetizado nesta magnífica expressão, também contida n’ O Evangelho Segundo o Espiritismo, que poderia ser dirigida não apenas aos espíritas, mas à universalidade dos homens que se disponham a progredir e a burilar seus espíritos.
Parafraseada, assim ficaria:
Reconhece-se o verdadeiro homem de bem pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más.
Como chegar a esse objetivo? Tornar-se realmente homem de bem não é desiderato para o imediato, nem para curto tempo. Alguns de nós, que ainda não nos iniciamos nesse processo, precisaremos de algumas dezenas de encarnações para alcançá-lo.
Começaríamos com um componente fundamental, de exercício necessário, neste mundo recheado de dores físicas e morais: a resignação.
A resignação, sem dúvida, precisa ser intensamente exercitada, considerando-se que todos nossos sofrimentos sempre têm uma razão
de ser e que ninguém sofre injustamente.
Ela é objeto da primeira epístola de Paulo aos Coríntios, quando assim se expressa, em seu capítulo XIII:
Quem tem amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
Então é assim?
Faz parte de nosso processo evolutivo aceitar passiva e apaticamente todos os obstáculos da vida? Não exatamente dessa forma.
— Aqueles que, estando em indigência, recebem recursos para sua recuperação e não os aproveitam, não estão praticando a resignação, e sim a vadiagem.
— Os que somente pedem auxílio, sem cogitar de seus próprios esforços, em busca da autossuficiência, ensaiando mendicância, não estão praticando a resignação, e sim a indolência.
— Religiosos em crises dolorosas, que não se utilizam dos recursos oferecidos pela espiritualidade ou por seus núcleos religiosos capazes de restituí-los à normalidade, não estão praticando a resignação, e sim a volúpia de sofrer.
— Criaturas atendidas, mas que continuam exarando queixas e lamentações, não estão praticando a resignação, e sim o complexo de vítima.
Uma coisa é reconhecer que não fomos santos em vidas passadas e, mesmo sem saber exatamente por que sofremos, entender que merecemos. Outra coisa é encostar o corpo diante das adversidades e nada fazer para superá-las. Cruzar os braços e esperar que os outros, o Estado ou as instituições religiosas ajam por nós, é fazer a pior escolha no processo de recuperação de nossas vidas.
Nós, espíritas, passamos muitas vezes por esse mesmo processo de acomodamento. Consideramos o Espiritismo uma coisa extraordinária, que justifica por que aqui nos encontramos, no planeta Terra, com magníficas oportunidades de progresso e recuperação de faltas passadas, mas nos deixamos seduzir pelos cantos das sereias da materialidade, sem cogitar do significado mais amplo que a Doutrina nos descortina.
Resignação significa aceitar, mas sem o processo de acomodação ou de insulamento, que, não raramente, a dor nos provoca.
Richard Simonetti relata-nos um caso muito expressivo, que aqui reproduziremos de forma breve e sucinta.
Há muitos anos conhecemos simpática senhora, cujo filho fora vitimado, juntamente com outras crianças, em trágico desastre que enlutara dezenas de lares. Dias mais tarde, enquanto as outras mães ainda choravam, em desespero, ela adotava um órfão, entregando-lhe as roupas, o quarto, os brinquedos e demais pertences do querido morto. O filho que partiu nunca sairá de seu coração, mas o carinho que dedica ao filho que ela acolheu é bênção celeste em sua vida.
***
A verdadeira resignação deve fazer parte do nosso esforço evolutivo, aquele mesmo enunciado por Allan Kardec e mencionado no início deste artigo, também aceito e propalado por outros grupos filosóficos e religiosos.
Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida e de resistir à atração do mal?
A resposta de Santo Agostinho a essa pergunta (919) de O Livro dos Espíritos é, sem sombra de dúvida, o texto mais expressivo e de melhor conteúdo capaz de subsidiar nossos esforços em busca da reforma íntima. Por ser longo, poucos o estudam e dele se abeberam.
Alexandre Caldini, escritor e conferencista espírita, resumiu essa extraordinária mensagem e a dividiu didaticamente em dez itens, que passo a compartilhar com você, amigo leitor.
 Consciência: o primeiro passo é tomarmos consciência de que estamos neste planeta para adquirirmos cultura e sentimento para nos livrarmos de nossas impurezas. Há muita gente que passa vida inteira preocupada com suas aquisições materiais e jamais toma consciência da
verdadeira razão da vida.
 Vontade: firmeza de propósitos é ingrediente fundamental para a reforma íntima, porque estamos acostumados a viver dessa forma desde que nascemos.
Aliás, antes de nascermos, pois trazemos nossos defeitos de outras existências. Tudo o que somos hoje vimos formando no transcorrer de vidas anteriores.
 Atenção: aprender a nos concentrar na própria atividade mental, a fim de diagnosticarmos o porquê de nossas más atitudes.
 Autoanálise: — Gosto tanto daquela pessoa, qual a razão de tê-la ofendido? Analisando-nos, vamos descobrindo os pontos vulneráveis, ou seja, as fraquezas que disparam nossos gestos infelizes.
 Honestidade: Tendemos a racionalizar nossas más atitudes, tentando nos enganar durante o tempo todo.
— Fiz isso para fulano, porque ele fez isso comigo.
Sabemos perfeitamente quando cometemos um erro, mas buscamos justificativas, sendo desonestos conosco mesmos.
 Coragem: ter coragem é aprender a nadar contra a corrente. Geralmente participamos de grupos que não agem corretamente, mas não temos coragem de expor nossa discordância. No mais das vezes, damos uma de maria vai com a outras. É preciso ter muita coragem para manter o esforço de melhoria diante de massacrante maioria que age de maneira errada.
 Perseverança: vamos errar muitas vezes, como já erramos no passado. — Nossa, errei de novo, pisei na bola... E agora? Não importa, precisamos nos manter firmes no propósito de errar menos, mesmo que tenhamos que começar tudo novamente.
 Resiliência: ser resiliente é voltar ao que éramos, mesmo com as pressões que venhamos a sofrer. O exemplo clássico é a espuma que, mesmo sendo forçada a perder momentaneamente a sua forma original, consegue retornar ao que era. Quem procura a reforma íntima
sofrerá muitas compressões, mas precisará ser resiliente para retomar sua personalidade anterior à deformação.
 Paciência: levamos séculos para chegar aonde estamos.
Não é porque nos tornamos espíritas que vamos mudar da noite para o dia. Precisaremos de paciência para aprender a dar um passo de cada vez, assim como a natureza, que não dá saltos.
 Automotivação: temos que valorizar cada ganho alcançado. — Nossa! Antes eu era totalmente intolerante e falava palavrões a torto e a direito, hoje estou diferente, mais paciente e um pouco melhor. Assim, reconhecendo cada etapa vencida, nos motivaremos para dar continuidade ao esforço de progresso.
Reforma íntima é conceito básico do Espiritismo que resume a verdadeira razão da vida. A Terra pode ser considerada um hospital,
uma prisão, uma escola ou um campo de trabalho, mas, acima de tudo, é o local concedido pela espiritualidade superior para que os
espíritos adquiram cultura e bons sentimentos, no processo evolutivo.


Fontes consultadas: Dinâmica da Resignação, de Richard Simonetti; Vídeo veiculado por Alexandre Caldini; O Evangelho Segundo o
Espiritismo e O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec.