Sem Tempo para ser Feliz -Sidney Fernandes

SEM TEMPO PARA SER FELIZ
Sidney Fernandes


MOTIVAÇÕES PARA O SUICÍDIO
Sociólogos e psicanalistas estão evitando falar em causas para o suicídio. Entendem que podem existir fatores genéticos, biológicos, psicológicos, sociais, históricos e culturais, que podem interagir durante a vida do indivíduo e o conduzir ao ato infeliz. Admitem, ainda, que existem outras motivações que não podem ser explicadas pela razão humana.
De onde viemos? Qual a razão da existência? Para onde iremos depois da morte? Essas inquietações filosóficas nem sempre são bem administradas por aqueles que não encontram respostas convincentes.
O medo do desconhecido pode ir sedimentando lentamente angústias existenciais, responsáveis pelo esboroamento das poucas certezas humanas em torno da vida e da morte. Raras são as crenças que explicam racionalmente o mistério da existência e, por consequência, o mistério metafísico da morte. As explicações reducionistas são insuficientes, parciais e inconsistentes.
VISÃO ESPÍRITA
O Espiritismo traz novos esclarecimentos sobre esse assunto, ao estudar influências obsessivas, heranças de vivências anteriores e a lei de causa e efeito, fatores determinantes para as condições do desenlace final, muito mais frequentes do que imagina a ciência humana.
Sem preconceitos ou açodamentos, a Doutrina Espírita consegue, se não eliminar, reduzir os questionamentos filosóficos que tanto incomodam e podem criar desencadeantes para a fuga da existência.
Ao explicar o porquê da vida, faz-nos aceitar como transitória passagem pelo mundo físico, permite-nos superar o terrível medo da morte e passar a ter maior amor pela vida e a encontrar novas razões para o ciclo humano.
É o que vamos tentar mostrar, no transcurso de nosso estudo, em análise ampla, não apenas dos fatores humanos, mas também dos que transcendem a visão material da vida.
PRESSÕES SOCIAIS
Fatores culturais e sociais podem estimular atitudes. As taxas de suicídio são mais elevadas em países escandinavos e em civilizações que mantêm ideias rígidas a respeito da honra.
Influências de ancestrais mortos, reais ou fantasiosas, funcionam como gatilhos de suicídios que em outras civilizações não ocorreriam.
As pressões da sociedade, que podem resultar em insuportáveis sofrimentos de desonra e ostracismo familiar, poderão atenuar, sem, porém, anular a responsabilidade do ato reprovável. Embora haja boa intenção de evitar que a vergonha por atos cometidos em vida pelo suicida recaia sobre o grupo familiar, não deixa de existir a transgressão à lei divina.
O desespero e a vergonha não reparam os males consumados e não justificam a fuga da vida. Quem teve coragem de praticar más ações precisa ter a mesma coragem para sofrer suas consequências.
Na mesma linha de suposto ato louvável, na Itália, um pai suicidou-se para livrar o filho de ir à guerra, posto que, tornandose ele único para cuidar da mãe viúva, livrou-o do serviço militar.
Em comunicação, na Sociedade Espírita de Paris, o suicida descreveu seus sofrimentos além-túmulo, malgrado tivesse agido de boa-fé, movido pelo amor paterno. Embora a intenção tivesse atenuado o mal e suscitado indulgência, a deserção da vida não o isentou de suas responsabilidades.
SUICÍDIO ANÔMICO
Anormalidade social pode aumentar taxas de suicídio, principalmente de indivíduos pobres situados na base da pirâmide socioeconômica de um país. Segundo o sociólogo francês Émile Durkheim, quando crescem a concentração de riquezas e o nível de exclusão social, surgem casos do chamado suicídio anômico.
Pessoas com dificuldades de sobrevivência, sem recursos médicos, culturais e profissionais, são descartadas pela sociedade.
Muitos jovens nessas condições, com poucas alternativas de vida, envolvem-se em situações de criminalidade, e assim aumentam consideravelmente o risco de serem assassinados. Agem como suicidas.
Desprovidos dos direitos básicos de cidadania — alimentação, trabalho e estudo —, perdem a dignidade humana e  caminham para a autodestruição. Quando parte da sociedade deixa morrer a outra parte, em vulnerabilidade social, está se suicidando.
Uma sociedade que se baseie na lei de Deus e na justiça deve prover à vida do fraco, sem que haja para ele humilhação.
MORRER — DORMIR, NADA MAIS
Por desinteresse ou por falta de informações consistentes, poucas pessoas têm consciência suficientemente clara a respeito da morte. Geralmente, elas fazem uma confusão maior ou menor sobre os desejos de viver e morrer, que se alternam, acentuando ainda mais as incertezas da existência.
Voz corrente dentre os que sobreviveram é de que não queriam morrer e sim substituir os sofrimentos em que viviam por uma situação prazerosa, como diria Hamlet, em seu famoso monólogo:
— Morrer — dormir, nada mais; e dizer que pelo sono se findam as dores.
Certa vez, Richard Simonetti ouviu de uma senhora da cidade de São Paulo expressão bem semelhante:
— Não é que eu pretenda matar-me. Eu queria apenas desaparecer, sumir, e livrar-me desta horrível sensação de vazio, de inutilidade da existência.
Em respeito ao sofrimento daquela senhora, Richard mediu suas palavras e esclareceu que a ideia de deixar de existir jamais seria concretizada, porquanto todos somos imortais. Disse ainda que ela conseguiria desprender-se do corpo material, mas continuaria consciente de si mesma, em situação bem pior, no mundo espiritual, conforme informam os que buscaram esse ilusório inexistir.
Aconselhou-a a desenvolver atividades de benemerência e colocar toda a sua fé em Deus, além de procurar apoio psicológico.
ALIENAÇÃO E OBSESSÃO
Antigos chineses remetiam para as frentes de batalhas batalhões de soldados que deveriam morrer e, depois, com seus espíritos vingativos, contaminar as retaguardas inimigas.
Semelhante raciocínio revelava ignorância da continuidade da vida, da influência dos espíritos e clara alienação mental da parte dos governantes.
Depois da publicação do livro Os sofrimentos do jovem Werther, de Goethe, ocorreu verdadeira epidemia de suicídios entre jovens de vários países da Europa, que se deixaram seduzir pelo romantismo do personagem principal, que se matou por amor. O próprio autor, Goethe, precisou vir a público para tentar desestimular o suicídio.
Confusão mental, falsa interpretação, busca de situação prazerosa ou desejo de desaparecer são sintomas claros de desajustes psiquiátricos e de perseguições obsessivas, que precisam ser tratados com recursos materiais e espirituais.
Não obstante a compreensão dos mentores espirituais ao afirmarem que o louco que se mata não sabe o que faz, contida em O Livro dos Espíritos, a sociedade que não esclarece, as religiões que não orientam e os indivíduos que não se reequilibram responderão pelas vidas que se perdem inutilmente, em flagrante desrespeito às leis divinas.
REENCONTRO COM PESSOAS QUERIDAS
Amantes que fazem pactos suicidas, pessoas que desistem da vida após a morte de entes queridos e as que querem seguir o caminho dos mortos constroem fantasiosas ilusões de que vão se reencontrar com seus amados.
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Inconformada com a morte do filho, a mãe enforcou-se nos fundos da sua casa, unindo-se ao esquife da criança, que se encontrava na sala. Tempos mais tarde, numa reunião espírita, o filho manifestou-se, lamentando o gesto tresloucado da mãe. Ela havia adiado por décadas o reencontro entre ambos.
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Maria, viúva, não obstante todos os cuidados de amigos espirituais para livrá-la da presença dos fluidos enfermiços do marido Ernesto, desencarnado, ressentia-se da falta dele e ia em sua busca. Achava-se ele em tratamento na espiritualidade, quando, em noite de desdobramento, pela atuação do sono, surgiu Maria, inesperadamente, assim clamando:
— Ernesto, Ernesto! Por que você não está ao meu lado?
Volte imediatamente para nossa casa! 
Em estado de vigília, a viúva demonstrava inconformação, queixando-se de que o defunto a visitava toda noite, convidando-a para acompanhá-la. Nesse estado de desequilíbrio, Maria encasquetou que ela também precisava partir, a fim de lhe prestar assistência.
Esse estranho processo obsessivo — de encarnada sobre um desencarnado — somente foi alterado com a modificação das disposições de Maria, motivada pelos trabalhos da casa espírita que lhe facultou a criação de novos pensamentos e o entendimento de que deveria aguardar, com paciência, o momento da reaproximação com Ernesto.
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Após sete meses de namoro, Luiz, sapateiro, ficou noivo de Vitorina, com casamento marcado. Certo dia, ao jantar, em meio a discussão por motivo fútil, Luiz retirou-se, ameaçando não retornar. Arrependeu-se logo. No dia seguinte veio pedir perdão, mas Vitorina recusou-se recebê-lo. Nem mesmo abriu-lhe a porta da residência. Após várias tentativas, implorando-lhe que o recebesse, ele tomou uma decisão drástica. Vitorina ouviu um gemido abafado e logo após o baque como que de um corpo caindo. Abriu a porta e deu um grito de horror. Diante dela, estendido, estava o noivo com um punhal mergulhado no peito.
Se a jovem houvesse descerrado a porta e conversado com ele, poderia ter evitado a tragédia.
Obviamente ela não pôde ser responsabilizada pelo suicídio do noivo, mas contribuiu para o gesto extremado com sua inconsequência. Faltou sinceridade consigo mesma e com o rapaz.
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Como podemos ver, amores passionais, viúvos que morrem pouco tempo depois de suas parceiras, exagerada identificação com quem partiu e processos de fascinação exigem tratamentos espirituais e, fora de dúvida, de assistência a quadros psiquiátricos.
Atos extremos, em nome do amor, não encontram guarida junto dos protetores espirituais. Diante da inconformação com o afastamento da criatura amada, o melhor remédio é a resignação.
Ao invés de se reunirem àqueles que eram objeto de suas afeições, deles se afastam por longo tempo, até que reparem seus tresloucados gestos.
SOMOS DONOS DA PRÓPRIA VIDA?
Temos direito à vida? Somos livres para abreviar nossos sofrimentos? Richard Simonetti — o escritor que mais escreveu sobre a vida e a morte — costumava responder a essas perguntas lembrando a responsabilidade que temos de cumprir os desígnios divinos, que naturalmente incluem o respeito à vida.
— Pular da frigideira para o fogo! — era a expressão que ele utilizava para alertar os candidatos à autoeliminação, referindo-se à terrível constatação de que o suicida não alcança o seu intento, não morre e não pode ser deletado da vida. Na outra dimensão, poderá experimentar tormentos muito mais acentuados dos que tinha na vida física e, para agravar, em situação traumática e apavorante.
Lembrava ainda Simonetti o destrambelho violento do corpo astral, que será submetido a verdadeiro braseiro, não no sentido literal, mas pelo estado de angústia e de dores do suicida.
Infelizmente, esse inferno perdurará por bom tempo e poderá se refletir em novo corpo com que o fugitivo da vida retornará às lides terrenas, para seus devidos ajustes com as leis da vida.
A VIDA ESPIRITUAL É MELHOR?
A triste fantasia de que a morte trará a concretização dos nossos anseios de felicidade leva muita gente à fuga da vida. É um equívoco perigoso, pois somente será feliz no além quem viveu bem a vida. Muito mais do que o tipo de morte, importará o tipo de vida que tivemos.
Cumprimos da melhor maneira os desígnios divinos?
Cultivamos o bem e a verdade? Fizemos toda a caridade que tivemos ao alcance? Aproveitamos todas as chances de aprendizado? Evitamos o preconceito, respeitamos o semelhante e semeamos felicidade ao nosso redor?
Essas serão as perguntas que faremos a nós mesmos, assim que tomarmos consciência da nova realidade além da vida, quando então faremos a autocobrança do bem que cultivamos em vida.
A VIDA É PRECIOSA E PRECISA SER RESPEITADA
A vida vale a pena, ainda que a todo momento confrontemonos com terríveis demonstrações de horror e crueldade. A história da humanidade nos mostra como a força da vida supera todos os seculares embates vividos pelo homem.
Existe algum antídoto para eliminar de vez a tendência ao suicídio?
Caber-nos-á conhecer os mecanismos que nos fazem sabotar, atacar e destruir a vida, tanto em nível individual como coletivo.
Deveremos aprofundar a reflexão sobre os mistérios da vida e da morte.
Sem especulações, porquanto se baseia nos depoimentos do que morreram e voltaram para contar suas histórias, o Espiritismo demonstra que matar-se não é apenas uma infração à moral divina, mas, sobretudo, uma estupidez. Os fatos, e não teorias preconcebidas, demonstram cabalmente que nada se ganha com o suicídio.
A abençoada Doutrina Espírita nos oferece a oportunidade do conhecimento, da semeadura do bem, e o esclarecimento daqueles que já passaram pelo trauma da morte e voltaram para contar suas dores e o que fizeram para superá-las.
Fiquemos com Emmanuel:
Guarda, pois, a existência como dom inefável, porque teu corpo é sempre instrumento divino, para que nele aprendas a crescer para a luz e a viver para o amor, ante a glória de Deus.
REFERÊNCIAS:
 TOLEDO, J. Dicionário de suicidas ilustres. Introdução. Editora Record. Rio de Janeiro. 1999.
 KARDEC, Allan. O Livro dos espíritos. Questões 948 e 949. Trad. Dr. Guillon Ribeiro – Rio de Janeiro – FEB.
 KARDEC, Allan. Revista Espírita. Agosto de 1860, trad. Evandro Noleto Bezerra.
 KARDEC, Allan. O Livro dos espíritos. Questão 888. Trad. Dr. Guillon Ribeiro – Rio de Janeiro – FEB.
 SHAKESPEARE, William. Hamlet.
 SIMONETTI, Richard. Depressão – uma história de superação. Editora CEAC.
 KARDEC, Allan. O céu e o inferno
 LUIZ, André. Nos domínios da mediunidade. Francisco C. Xavier. Cap. XIV - Caso de Libório e Celina. Rio de Janeiro – FEB.
 SIMONETTI, Richard. Amor de provação. Editora CEAC.
 KARDEC, Allan. O Livro dos espíritos. Questão 956. Trad. Dr. Guillon Ribeiro – Rio de Janeiro – FEB.
 SIMONETTI, Richard. Quem tem da morte? Morte, o que nos espera. Suicídio, tudo o que você precisa saber – Editora CEAC
 EMMANUEL. Religião dos espíritos. Francisco C. Xavier. Lição 48. Rio de Janeiro FEB.