Sofreu,mas não faz sofrer -Sidney Fernandes – 

SOFREU, MAS NÃO FAZ SOFRER
Sidney Fernandes – 


Pagar o mal com bem? Sofrer e não fazer sofrer? Isso é possível ou é coisa para anjos e missionários?
O fato ocorreu na década de setenta. Edson Franco trazia sua esposa, grávida, de delicado exame das vias urinárias, que havia lhe
trazido grande desconforto e provocado muito sofrimento.
Buscando aliviar, o mais rápido possível, as dores por que ela passava, parou em movimentada avenida da cidade em que morava, para adquirir medicamentação analgésica. Ao tentar sair do veículo, grande ônibus abalroou a porta de seu veículo, felizmente sem
provocar lesões no próprio Edson.
Em início de carreira profissional, procurou a empresa de ônibus, buscando o reparo de seu veículo em suas oficinas.
Friamente, o responsável recusou-se terminantemente a auxiliá-lo, alegando, de posse do boletim de ocorrência de trânsito, que a culpa
fora de Edson. Não foram suficientes os argumentos de que seus recursos eram escassos e de que estavam sendo direcionados para a
saúde de sua esposa.
Trinta anos mais tarde ocorreu fato semelhante com Edson, mas de forma inversa. Inadvertidamente, um motociclista invadiu a preferencial e abalroou o seu carro. Socorrido, felizmente o condutor da motocicleta sofreu apenas alguns arranhões. Mas, o seu veículo, seu ganha pão — o jovem era entregador de pizzas — ficou extremamente avariado.
Mesmo coberto de razões, Edson não iria registrar o ocorrido perante as autoridades de trânsito, nem iria exigir qualquer indenização para os estragos em seu veículo. Ao preparar-se para sair do local, percebeu a tristeza do motociclista. O rapaz era casado, tinha filhos para criar e, como autônomo, não iria contar com o auxílio das empresas com as quais trabalhava, para efetuar os reparos em sua moto, a fim de voltar a trabalhar.
Naquele exato momento, voltou à mente de Edson o fatídico dia em que procurara o chefe da oficina do ônibus que destruíra, trinta anos atrás, a porta de seu carro, e que se recusara, friamente a ajudá-lo. E naquela época, Edson precisava muito de ajuda... Como o motociclista que estava ali, na sua frente, desolado.
Ele se tornara religioso praticante e procurava se comportar dignamente e a superar velhas mágoas do passado. Sem pensar muito, imediatamente Edson telefonou para oficina de funilaria, cujo proprietário era seu conhecido, e pediu a ele fosse que até o local, preparado para, talvez, guinchar a moto.
Surpreso, o motociclista acompanhou, encantado, a chegada do mecânico que prometeu — constatando a necessidade da urgência dos reparos — em três dias entregar o veículo consertado.
As despesas correriam por conta de Edson. O pobre entregador de pizzas, chorando de emoção, agradeceu o gesto generoso. Ele poderia, em espaço de tempo relativamente curto, voltar a trabalhar.
***
Hoje a empresa de ônibus não existe mais e o insensível chefe da oficina já morreu. Edson evoluiu em sua vida e passou a desfrutar de confortável situação financeira. O mais importante desta verídica história está no gesto desprendido do benfeitor que, não obstante ter suportado dores no passado, sensibilizou-se, e não permitiu que essas mesmas dores atingissem outra pessoa. Seu gesto mostrou a evolução de um ser humano que sofreu, mas não fez sofrer, e procurou diminuir as dores de seu próximo.
***
Esse fato me fez lembrar história de Hilário Silva, contida no livro Almas em Desfile, psicografado por Chico Xavier, em que Filgueiras recebeu a visita de um amigo que não via desde muito.
Após os cumprimentos, o visitante queixou-se de que, seguidamente, havia sido furtado pelo sócio, traído pelo empregado, abandonado pela esposa, desprezado pela filha e perdido grande irmão, assassinado por fugitivo da prisão.
— Podia ser pior — disse Filgueiras, ponderado.
— Ora essa, Filgueiras. O que podia ser pior do que tudo isso?
Dois ladrões acabam com os meus negócios, dois malandros destroem a minha família e um assassino mata o meu único irmão...
Que podia ser pior, Filgueiras?
O prestimoso amigo respondeu calmamente: 
— Podia ser pior, sim, meu amigo. Podia ser você o autor de tantos crimes. Entretanto, cá está conversando comigo, de consciência purificada e mãos limpas. Sofrer dos outros é uma coisa. Mas, fazer sofrer os outros é outra coisa bem diferente.
O amigo silenciou e, ao despedir-se, pediu a Filgueiras o benefício de um passe.
***
E você, amigo leitor? Guarda ainda alguma mágoa em seu coração pelo sofrimento que sofreu de alguém? E hoje, como você é? Melhorou? Esqueceu o ressentimento? Ao contrário, faz o melhor possível para sua família, seu colega de trabalho ou mesmo para um desconhecido da via pública?
Graças a Deus! Você está começando a trilhar o caminho e a seguir os exemplos do Mestre Jesus.