SOMBRAS DA VINGANÇA
Sidney Fernandes
Um dos casos mais interessantes narrados por André Luiz, por intermédio de Chico Xavier, ocorreu com antigo legionário de Ugo, o poderoso Duque da Provença, no século X.
Vamos encontrá-lo no início do século XX, buscando vingança contra a mulher que amava, que o induziu a aniquilar os próprios pais e depois o desprezou. O coração transbordante de fel atravessou os séculos, para enfim encontrá-la e lhe impor avassaladora servidão, em processo obsessivo através de terrível cerco hipnótico.
Da mesma forma que eu e você, caro leitor, André Luiz estranhou que o infortunado vingador tivesse se fixado na ideia da desforra, mesmo transcorridos tantos anos. O tempo para ele não caminhou? Prendeu-se na intenção lamentável, como se estivesse imobilizado? Não teve idas e vindas no processo reencarnatório que o demovessem do rancor e do ódio?
Essas dúvidas foram apresentadas ao assistente Áulus, que atenciosamente fez várias ponderações que serviram ao aprendizado de André.
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Áulus começou destacando que, depois da morte, muitos não mudam e podem continuar desenvolvendo os mesmos pensamentos que cultivavam na vida física. Ao se estabelecer uma ideia fixa, pode se operar a estagnação da vida mental no tempo.
Para melhor se fazer entender, Áulus criou metáfora para designar a encarnação como linha de frente de uma batalha pelo aperfeiçoamento individual e coletivo, em que o soldado é a mente em busca da própria sublimação.
Caso se concretize a conquista do objetivo, a morte conduzirá a alma vitoriosa em direção às esferas superiores, onde receberá o galardão da elevação de nível.
Caso se verifique o fracasso, ocorrerá situação muito distinta, cujas causas serão facilmente diagnosticáveis na inércia e na rebeldia. A morte conduzirá o espírito derrotado horizontalmente para a retaguarda, onde residem os neuróticos, os loucos, os mutilados, os feridos, os enfermos e desajustados de toda espécie.
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A respeito da imobilização da alma, o assistente Áulus continuou ensinando:
— O tempo é sempre aquilo o que dele fazemos.
Para melhor compreensão do assunto, é preciso lembrar que as horas não são sempre as mesmas em nossa mente. Quando estamos felizes, não nos damos conta dos minutos, ao passo que, ao lado do sofrimento e da incerteza, parece que o tempo para.
Se isso acontece, passamos a girar em torno do foco dos nossos desajustes. Paixão, desânimo, crueldade, vingança, ciúme ou desespero podem nos conservar por tempo indeterminado nas malhas da sombra.
Quando a morte nos surpreende nessas condições, se nossa alma não se dispõe ao esforço heroico da renúncia, as imperfeições tendem a atravessar anos e anos e, às vezes, séculos de reminiscências desagradáveis.
Estabelece-se, nesses tristes casos, um processo semelhante ao sono letárgico da hibernação. O infeliz não mais ouve, nada mais vê e nada mais sente, além da cápsula desvairada em que se encerrou.
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Aqui está, amigo leitor, a situação exposta por André Luiz, em seu rico diálogo com o assistente Áulus, na obra Nos domínios da mediunidade, a cuja leitura o remetemos. Contudo, nosso interesse principal volta-se, não para a doença, mas para a cura. É disso que, a partir de agora, vamos tratar, sob a sábia orientação dos mentores.
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— Qual o remédio mais adequado à situação? — indagou André Luiz.
Mais uma vez o sábio Áulus esclareceu o assunto, ao informar que muitas dessas almas desorientadas se entediam do mal e procuram a regeneração por si mesmas. Outras acordam para as responsabilidades que lhes são oferecidas, buscando o espontâneo caminho do equilíbrio.
Muitas, no entanto, recalcitrantes e inconformadas, são reencaminhadas, compulsoriamente, a novas e difíceis experiências no corpo da carne, de longa duração, como irrecusável convite de restabelecimento.
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— A reencarnação, nesse caso, será um ato compulsório, em ato de violência?
Áulus sorriu e perguntou:
— Que fazemos na Terra com um louco em nossa casa?
Indagamos suas resoluções ou assumimos a responsabilidade do tratamento?
Foi naquele momento que André entendeu que, diante da irresponsabilidade e da enfermidade, a intervenção se torna obrigatória, ainda que represente longo e doloroso processo de reequilíbrio do enfermo. A reencarnação, nesse caso, funcionará como máquina de atrito, desbastando arestas, para o necessário despertamento e recuperação.
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Infelizmente, quando examinamos desmandos como o do nosso errático vingador, colocamo-nos diante de psicóticos renitentes.
Antes de cogitarmos de supostas injustiças divinas, principalmente as que atingem crianças de tenra idade, conscientizemo-nos de que muitos soerguimentos são longos e vagarosos.
Somente o extremado amor poderá infundir calor e vitalidade a esses entes que padecem de alienação mental, que não raramente se demoram por muitos anos na atmosfera terrestre — os chamados esquizofrênicos e paranoicos —, em sofrimentos aparentemente injustificáveis.
Espíritos envolvidos nessas situações seguem do berço ao túmulo em recuperação gradativa, até aportarem no limiar da reflexão, do arrependimento e da reparação de seus males.
Fonte: Nos domínios da mediunidade, André Luiz.