Surpresas da Vida -Sidney Fernandes – 


SURPRESAS DA VIDA

Sidney Fernandes – 


Ainda mesmo nos aspectos mais desconcertantes da Natureza, a vida revela sabedoria.
— Vamos, Antônio, temos hora certa para entrar no pavilhão da penitenciária.
Quem assim chamava era Sebastião, experiente lidador do Grupo Espírita Emmanuel, responsável pelas visitas e palestras ministradas aos reeducandos do presídio local.
— Não sei se vou, não, Sebastião. Será que vale a pena falar para aqueles indivíduos irremediáveis?
Sebastião, que com o passar dos anos passara a colecionar sábias histórias de seus incontáveis trabalhos em favor do próximo, aproximou-se de Antônio e falou, calmamente:
— Meu irmão. Quero lhe contar a história de Ernesto, reeducando que conheci, vinte anos atrás, quando eu tinha a sua idade e me iniciava no trabalho de visitas aos presídios.
— Ele era arredio e raramente assistia às minhas palestras.
Certa vez me abordou no corredor do presídio e me pediu um livro.
— Sabe aquela história que o senhor contou de um tal André, que ficou quase oito anos no purgatório, depois da sua morte?
— Naturalmente Ernesto estava se referindo ao livro Nosso Lar, de André Luiz, do qual eu havia retirado algumas passagens e narrado aos reeducandos. Não me fiz de rogado e, na visita seguinte, trouxe-lhe um exemplar da primeira obra da Coleção A Vida no Mundo Espiritual, psicografada por Francisco Cândido Xavier.
— Na outra semana, Ernesto me pediu mais um livro de André Luiz e, assim, sucessivamente, até ler os treze volumes que compõem a série. Quando terminou, ao final de minha palestra, veio falar comigo.
— Doutor Sebastião: nasci numa favela do Rio de Janeiro, em ambiente convidativo ao crime, onde matar, morrer, roubar e mentir eram coisas absolutamente naturais. Eu estava simulando bom comportamento para me livrar logo deste presídio e voltar à minha vida de crimes.
— Mudei minha cabeça, doutor, depois que li os livros que o senhor me trouxe.
— Para dizer a verdade, Antônio, de tanto ouvir promessas de reabilitação, não levei muito a sério as palavras de Ernesto.
Depois dessa conversa, nunca mais o vi.
— Dez anos mais tarde, a vida me proporcionou uma agradável surpresa. Num cartaz que recebi da Federação Espírita do Estado de São Paulo, revi Ernesto. Seu rosto inconfundível estava numa galeria de fotos de oradores espíritas.
— Ernesto cumpriu sua promessa e se reabilitou. Não sei se lhe dei algum bom exemplo ou inspiração. O que conta mesmo é que se tornou um palestrante honrado e fiel divulgador da Doutrina Espírita.
Ao término da singela história, Antônio enxugou algumas disfarçadas lágrimas e disse, apressadamente:
— Você tem razão, Sebastião. É bom nos apressarmos, pois temos hora certa para entrar na penitenciária.
***
Não fora o próprio autor me contar essa singela história, quase um recorrente folhetim de prisioneiros regenerados, amigo leitor, e eu não a teria levado a sério. Ela me fez lembrar de uma outra história, que aqui reproduzo, sinteticamente.
Trata-se do relato de um viajante que percorria região inóspita, a pé, e se aproximou do mourão de antiga cerca para pegar um crânio de boi, com um chifre fraturado e o outro retorcido, com o claro objetivo de atirá-lo à distância.
— Que coisa lúgubre esta caveira de boi — monologou.
De repente, inesperadamente despontou, de uma das órbitas vazias, pequenina cabeça de um filhote de sabiá, assustado, pipilando, pipilando...
Dentro daquela caixa de ossos havia um mimoso ninho, habitado por vários filhotes.
— Ora, ora — disse em voz alta para si mesmo. — Deus situou aqui o lar dos meus pequenos companheiros.
Respeitando o estranho abrigo, seguiu caminho afora...
***
Encerra Valérium a sábia narrativa, que retirei do seu livro Bem Aventurados os Simples:
Ainda mesmo nos aspectos mais desconcertantes da Natureza, a vida revela sabedoria.
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Aprendamos a respeitar o lado melhor de todas as coisas e de todos os seres, pois a Glória Divina deita raízes de beleza, dignidade e reabilitação nos locais mais estranhos e nos momentos mais improváveis de nossas vidas.