Um Motorista muito Especial -Sidney Fernandes

UM MOTORISTA MUITO ESPECIAL
Sidney Fernandes

— Quando nos ajudamos, meu filho, a proteção espiritual chega mais depressa.
Quem assim se expressava era Carlos Barbosa, pai de quatro filhos, falando com o mais novo, deficiente auditivo.
— Corra atrás de seus sonhos, Roberto!
Carlos e a esposa Nanci, espíritas de berço, criaram os filhos com muito carinho e respeito, sem qualquer diferença. Roberto nunca teve qualquer privilégio, nem dos parentes, nem dos colegas e amigos, não obstante a surdez, parcialmente amenizada pelo aparelho auditivo. Cresceu com a consciência de que estudo, dedicação e persistência o levariam ao mesmo lugar que qualquer outra pessoa. E mais, com a certeza de que a preservação dos valores morais seria o meio mais eficiente para contar com a proteção divina.
A vida, porém, caro leitor, nem sempre é poética. Manter um bom emprego nunca foi tarefa fácil para o nosso amigo deficiente.
E ele precisava de algo consistente, que o habilitasse a contribuir para a manutenção da casa — assim como os demais irmãos — e ainda manter o sonho de cursar uma faculdade de direito. Um dia se tornaria advogado e, por que não, um grande magistrado.
Foi quando ficou sabendo que o UBER — o tão controvertido e polêmico serviço de transporte — estava precisando de novos motoristas. E no anúncio ainda havia a menção de que algumas vagas estavam reservadas para deficientes físicos.
A regra, na casa de Carlos, era que todos os filhos, assim que completavam idade, tirassem sua carteira de habilitação profissional. E lá foi Roberto atrás do seu sonho, procurando melhorar os parcos ganhos que tinha como auxiliar de vendas, com a boa perspectiva de se tornar motorista, na cidade de Curitiba.
Passou no teste e vamos encontrar nosso amigo, de terno, carro preto reluzente, se virando na vida, para entrar na faculdade.
A coisa estava caminhando bem. Com o apoio tecnológico, embora não fosse totalmente surdo, Roberto nem precisava ouvir, pois o
aplicativo de chamada já indicava o destino do passageiro e, no carro, o GPS fazia o resto. Foi quando aceitou uma chamada de uma turma da cidade, que resolvera experimentar os serviços do UBER na capital do Paraná.
Paulo e os amigos entraram no carro, descontraídos, desejando boa noite, já mandando um — e daí Roberto, tudo certo?
— e não receberam qualquer resposta. Logo perceberam que o motorista não ouvia bem e, provavelmente, só conseguiria se comunicar com o contato visual que possibilitaria a leitura labial, que complementa os meios auditivos, nos casos de deficiência mais severa.
Imediatamente a conversa ficou séria e os passageiros passaram a refletir no que o UBER estava fazendo naquele momento. Não se cogitava mais de uma guerra de serviços, de melhor atendimento ou de uma corrida mais barata. Ali estava um autêntico exemplo de acessibilidade e inclusão. E mais, logo concluíram que Roberto não precisava de comiseração ou condições especiais de trabalho. Apenas de uma oportunidade, que ele estava agarrando com todas as suas forças, para sobreviver e alcançar seus objetivos. Como qualquer outra pessoa deste
mundo...
Mesmo sem poder se comunicar com o concentrado condutor, os passageiros tomaram conhecimento — pelas informações que o
aplicativo UBER fornece de seus motoristas — do seu currículo, histórico e objetivos de sua vida. Sensibilizados, enquanto eram conduzidos para o seu destino, consultaram o Google para aprender como fariam para agradecer, na linguagem da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), ao final da corrida.
Mal sabia o novato motorista que no meio daquela descontraída turma estava o jovem diretor de uma das mais conceituadas faculdades de direito da cidade de Curitiba, Dr. Mauro Cavalcante. A exemplo dos amigos, ficara impressionado com o esforço, a desenvoltura e a postura profissional de Roberto.
E foi ele, ao chegarem ao destino — Bairro Santa Felicidade, localizado na região noroeste da cidade, importante reduto gastronômico de preservação da cultura italiana —, que tentou improvisar uma comunicação na linguagem das libras, com o motorista tão especial.
Para surpresa do pessoal, Roberto, auxiliado por seu aparelho auditivo e pela leitura labial, conseguiu comunicar-se com todos e
principalmente com Dr. Mauro.
— Então você quer ser advogado? — perguntou o jurista.
— Sim, doutor, mas tenho muito chão pela frente, pois além das despesas com os estudos, faço questão de ajudar em casa.
— E depois de formado?
— Ah, doutor, pretendo me esforçar ao máximo para prestar um concurso público, pois meu sonho mesmo é me tornar, um dia, juiz federal. Como este famoso aqui de Curitiba, que está limpando o nosso país.
Impressionado com a manifestação sincera do jovem motorista, de ideias muito semelhantes às suas, Dr. Mauro Cavalcante comoveu-se e fez um irrecusável convite a Roberto:
— Que tal estudar em nossa faculdade?
— Com que recursos, Doutor?
— Mande-me seu currículo e histórico escolar. Vou propor ao meu conselho executivo uma bolsa de estudos para você, com ajuda de custos, por trabalhos a serem prestados à escola.
Roberto olhou espantado, pois era notória a fama da faculdade de direito dirigida pelo Dr. Mauro, da qual saíram os mais renomados juristas e juízes de que o meio jurídico tinha notícias, restrita a poucos, pelos altos custos de manutenção.
Paulo, que havia contratado a corrida, afiançou:
— Meu amigo, não desperdice essa chance, pois Dr. Mauro é muito sério e não está brincando. O que ele está lhe propondo é realmente uma oportunidade imperdível.
Com lágrimas nos olhos, o motorista do UBER de Curitiba apertou as mãos de seus passageiros, especialmente daquele homem que estava lhe oferecendo a chance de sua vida.
***
Quem me contou esta história foi Carlos, o pai de Roberto, admirador de meus livros, que me escreveu, autorizando-me a narrá-la a você, caro leitor.
Roberto Barbosa está, atualmente, cursando a famosa faculdade de direito de Curitiba. Dr. Mauro, seu protetor, nunca se arrependeu de seu investimento e acompanha de perto os seus esforços, vendo-o aproximar-se, a passos largos, de seus objetivos.
***
Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e abrirse-vos-á (Mateus 7:7).
A fé do esforço, da dedicação, da persistência e do trabalho remove montanhas e clareia o nosso caminho. Pedindo forças e, ao mesmo tempo, dando de nós mesmos, recebemos a assistência dos bons Espíritos. Eles nos aconselham e nos guiam para o caminho que nos está reservado.
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Ajuda-te a ti mesmo e o céu te ajudará, bem o sabes. Demais, não é possível que Deus mude a ordem da natureza ao sabor de cada um... Muitas vezes também, as mais das vezes, ele vos sugere a ideia que vos fará sair da dificuldade pelo vosso próprio esforço.
Allan Kardec, O Livro dos Espíritos.
Notas do autor: Os nomes são fictícios. A narrativa, porém, é baseada em fatos reais. Este artigo foi revisado por José Mauro Progiante, em 29 de maio de 2016.