UMA ORAÇÃO JAMAIS SE PERDE
Sidney Fernandes
Desde os primórdios o homem sempre recorreu à divindade.
Pinturas rupestres registraram súplicas de seres primitivos nos momentos de dor e de dificuldade.
Com o tempo, criou-se o mito de que a morte teria o milagroso condão de tornar boas todas as pessoas. Diante dessa falsa premissa, os petitórios passaram a ser dirigidos a qualquer morto, independentemente de como fora sua conduta em vida.
***
Beatriz estava aflita, pois sua casa achava-se completamente desorganizada, seu pai estava preocupado e sua madrasta Isabel mostrava claros sinais de perseguição espiritual. Dirigiu um pedido de socorro, em forma de oração, para sua mãe, Aurora, já falecida.
O que Beatriz ignorava é que o espírito perseguidor de sua desarvorada madrasta era justamente sua genitora, cega de ódio por Isabel, injustamente, pela morte de Júlio, seu irmão, por afogamento.
Com as atenções voltadas para a desafeta Isabel, a mãe de Beatriz estava absolutamente impermeável aos apelos da filha. A comovedora oração, que partira daquela devotada servidora, portadora de créditos em cidade espiritual, chegou até as autoridades do espaço.
Como Aurora não estava em condições nem mesmo de ouvir as rogativas da filha, o impulso luminoso teve sua direção desviada para mentores que se dispuseram imediatamente a lhe prestar assistência. Esses seres luminosos, ligados à organização socorrista a que Beatriz estava jungida, chamaram o espírito protetor Eulália, que conhecia bem o caso de Beatriz.
— Essa menina está passando por terríveis pressões íntimas, que estão sobrecarregando sua saúde e lhe provocando imensas lutas morais, em virtude da obstinada perseguição que a mãe está empreendendo contra Isabel, a desventurada madrasta de Beatriz.
Precisa de urgente socorro de nossa organização.
Beatriz não poderia ficar desassistida. Diante dos oportunos esclarecimentos da protetora Eulália e dos créditos da jovem,
mobilizaram-se imediatamente os círculos superiores para dar sustentação e apoio a Beatriz e à sua família, para que se restabelecesse o clima de paz naquele lar.
Como vemos, amigo leitor, a morte não nos torna imediatamente perfeitos. O espírito materno não se encontrava em condições de atender ao chamado da filha querida. A solicitação de Beatriz, no entanto, não se perdeu, pois encontrou guarida em altos institutos da espiritualidade.
Tenhamos a absoluta certeza de que o amparo divino, ainda que por vias indiretas, jamais falha.
***
Anésia orava por sua mãe Elisa, que estava chegando ao final da vida. Infelizmente, sua situação não era das melhores. Há algum tempo, obcecada em rever o filho Olímpio, que havia tido um desencarne violento, acabara por atraí-lo e a companhia dele não lhe fizera bem. Felizmente, como havia sido boa criatura, fez por merecer uma comissão de especialistas no serviço de libertação, que logo chegaram, assim que Elisa começou a dar sinais inequívocos do fim da vida.
Os irmãos encarregados do desligamento não perderam tempo com divagações e imediatamente afastaram o pobre Olímpio, usando seus avançados potenciais magnéticos. Com isso, Elisa aquietou-se e nela se manifestou o doce fenômeno da revivescência de sua existência que se findava.
Os poucos minutos que se seguiram valeram séculos para Elisa. Como sói acontecer com todos os que passam pelo transe da morte, de repente ela passou a assistir a uma espécie de filme ou série de imagens separadas, com cenas da infância, da mocidade e da maturidade, pinçadas dos recônditos de sua memória, convidando-a a fazer valioso exame de consciência.
Aquele momento de reflexão permitiu que Elisa captasse uma oração cuja origem logo detectou: sua irmã Matilde estava vibrando por ela, augurando-lhe feliz passagem para o mundo espiritual. A agonizante não teve dúvida. Obstinada, partiu volitando em busca da irmã. Precisava despedir-se dela. Venceu dezenas de quilômetros e alcançou o local onde estava a querida parenta. Assim que chegou, impossibilitada de comunicar-se diretamente com ela, com esforço hercúleo, característico de sua personalidade, gritou a plenos pulmões, chamado que atingiu Matilde em forma de vibração magnética:
— Matilde! Matilde!
Mesmo sem escutar qualquer som, a irmã sentou-se imediatamente no leito e entendeu as ondas mentais que rodearam sua cabeça:
— Elisa morreu!
Ondas telepáticas? Fenômeno de premonição? Ou simplesmente a força mental de Elisa, que se concentrou no esforço de falar com Matilde? Todas as pessoas, no momento de sua morte, poderão efetuar semelhantes despedidas, desde que concentrem sua vontade, aliada ao carinho e consideração pelos seus entes queridos.
A espiritualidade não resolve literalmente nossos problemas, mas nos dá forças, energia, determinação, coragem, discernimento e capacidade para que os resolvamos, por nós mesmos. Assim aconteceu com Anésia, filha de Elisa. Suas orações em favor de seus amados familiares não modificaram os fatos em si. A mãe, velhinha doente, aproximou-se da morte e o irmão Olímpio, embora impedido de se aproximar, continuava precisando de esclarecimento. De que adiantaram suas orações?
Com a oração fervorosa, Anésia logrou modificar-se a si mesma. Amealhou expressivo coeficiente de energias para aceitar as dificuldades que lhe cabiam e não poderiam ser modificadas.
Com isso, readquiriu forças para vencer suas dificuldades com paciência e valor. Em palavras simples: modificou-se.
Como assevera André Luiz, no livro Nos domínios da mediunidade:
— Um espírito transformado naturalmente transforma as situações.
SALMO DE DAVI
No trato do tema oração, nada melhor do que encerrarmos com o belíssimo Salmo 23, atribuído ao Rei Davi, que o teria escrito quando estava cercado num oásis, à noite, por tropas inimigas. É uma poderosa demonstração de confiança na Providência Divina, contra perigos e perseguições.
O Senhor é o meu pastor e nada me faltará.
Deita-me em verdes pastos e guia-me mansamente em águas tranquilas.
Refrigera a minha alma, guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome.
Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque tu estás comigo, a Tua vara e o Teu cajado me consolam.
Prepara-me uma mesa perante os meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda.
Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida e habitarei na casa do Senhor por longos dias.
Referências: Nos domínios da mediunidade e Entre a Terra e o Céu, André Luiz; O Livro dos Espíritos, Allan Kardec; Salmos da Bíblia.