Vacina contra a obsessão -Sidney Fernandes

Vacina contra a obsessão
Sidney Fernandes


Finalmente Jerônimo encontrou seu velho inimigo, Fabrício, depois de décadas de procura, e agora iria se vingar do mal que ele causara, em vida anterior.
Lembrava-se muito bem dos longos anos que passara na prisão, determinada por Fabrício, ao decretar a longa pena, oriunda de processo criminal.
De nada adiantaram os esclarecimentos prestados pelos mentores espirituais que o acolheram, depois da sua morte, e lhe asseguraram que, como juiz de direito, aquele que considerava seu desafeto tão somente cumprira seu dever jurídico.
Em seu peito, havia apenas a sinistra intenção de desforra, que lhe carreava fortes sentimentos negativos. Durante o tempo de procura, arquitetara detalhadamente o plano de vingança contra o oponente que o havia prejudicado e, sob o seu ponto de vista, provocado seu óbito, depois de longa doença contraída no cárcere.
Entre a teoria e a prática, no entanto, Jerônimo esbarrou em alguns obstáculos. O envolvimento do rival, tão bem planejado, não se mostrou tão fácil quanto esperava.
Deparou-se com um opositor expansivo, otimista, descontraído, honesto e trabalhador. Mais do que isso, por mais que procurasse, não encontrava qualquer brecha moral por onde pudesse se insinuar e perpetrar seus mórbidos planos.
O mais estranho é que Fabrício não apresentava qualquer sinal de remorso, característica de quem carrega vasto complexo de culpa. Seu corpo espiritual, inexplicavelmente, encontrava-se em apreciável condição de equilíbrio, sem sinais do mal que se instala nos recessos do espírito de quem o concretiza.
— Será que os iluminados tinham razão e Fabrício era inocente? — articulava Jerônimo em seus pensamentos.
Impossível, ele haverá de pagar por tudo o que me fez!
A alma de Fabrício, todavia, parecia uma armadura indevassável. Era modelo de virtude e de alegria, cumpridor de seus deveres profissionais, marido atencioso e pai extremado.
Resignado, o velho vingador já estava quase desistindo da empreitada maligna, quando aconteceu o desastre: um flagelo destruidor, de largas proporções, com grande número de vítimas.
Os telejornais não falaram de outra coisa por noites seguidas. As manchetes jornalísticas ocuparam os espaços mais nobres. Os comentários das pessoas somente giraram em torno das dores, das mortes e dos sofredores. O desastre ecológico era noticiário em várias partes do mundo e as pessoas foram cedendo ao bombardeio das sombras, da angústia e da tristeza. E Fabrício contraiu o vírus da amargura.
Levado pela enxurrada da tormenta provocada por inúmeras pessoas lacrimosas e desavisadas, Fabrício acusou o golpe e adquiriu, da noite para o dia, a fragilidade emocional que caracteriza os incautos e invigilantes. Um prato cheio para o obsessor que o aguardava, pacientemente, para lhe incutir suas sugestões macabras.
O fiel trabalhador, agora era um trapo velho em pessoa, tornou-se extremamente vulnerável aos ataques de Jerônimo, que se preparava para desferir o golpe fatal, com a profundidade desejada.
Foi nessas condições que Fabrício adentrou os portais de sua residência, cabisbaixo, triste, negativo e choroso. E então aconteceu o milagre. Esperava-o a amiga e esposa Márcia, mãe dedicada, com o evangelho na mão, para, ao lado de seus filhinhos, realizarem a oração semanal.
Jerônimo ainda esboçou alguma reação, tentando desfazer aquele círculo de luz que se formava no lar de Fabrício, mas era tarde demais. As nuvens escuras que haviam sido cuidadosamente arquitetadas pelo obsessor começaram a se desfazer, como por encanto.
E o pior aconteceu para Jerônimo: a oração inicial do evangelho no lar, proferida por doce criança de apenas sete aninhos, era dirigida aos sofredores da tragédia acontecida e para os infelizes desencarnados. Aquela família estava orando por ele!
Agora fora a vez de Jerônimo acusar o golpe. Mas, diferentemente de seu ataque, era um golpe de luz, de que se utilizaram os protetores daquele abençoado lar para envolvê-lo e, finalmente, fazê-lo entender que sua luta era injusta.
Estranhamente, Jerônimo não se apressou em dali fugir, ao sentir as cálidas vibrações que o envolviam e o faziam sentir-se, depois de muitos anos, pela primeira vez, em paz.
A lição da noite falou do combate à tristeza, aos pensamentos negativos e do incessante combate às raízes da amargura do coração. E foi assim, nesse diapasão de harmonia, que Jerônimo se deixou conduzir pelas iluminadas entidades ali presentes, rumo a um novo destino que ali se iniciava.
Fiquemos com Neio Lúcio:
A projeção destrutiva do ódio morrera, afinal, ali, dentro do lar humilde, diante da força infalível e sublime do amor.