VÍTIMAS E ALGOZES
-Sidney Fernandes
"E qualquer que disser a seu irmão: Raca, será réu do sinédrio "
"E, quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; porque desfiguram os seus rostos, para que aos homens pareça que jejuam." Mateus 5:22 e 6:16.
Tanto ao referir-se ao agressor que, em aramaico, usava a palavra “raca” para ofender, como ao jejuador hipócrita, que se postava como vítima, Jesus alertava que ambos os comportamentos eram inadequados.
No livro Vítimas-Algozes, de Joaquim Manuel de Macedo, escrito em 1869, o autor expressa a ideia de que a escravidão transforma perseguidos em perseguidores. De tanto sofrer, as vítimas tornaram-se ou algozes, espargindo ódio e revolta, ou desagregadores, prejudicando a sociedade que o oprimiu.
Infelizmente, as consequências dessa desumanidade perduram até os dias de hoje.
No atual estágio evolutivo em que nos encontramos, transitamos continuamente entre a perniciosa tendência do complexo de vítima e o sedutor autoritarismo. Se nos relacionamos com pessoas bondosas, educadas ou que estejam sob nossa subordinação, podemos, mesmo “sem querer”, passar a tratá-las com agressividade. Por outro lado, se encontramos pessoas poderosas ou voluntariosas, tendemos a nos comportar
com subserviência, como vítimas, ou então passamos a combatêlas como ferrenhas inimigas.
Todos esses comportamentos são perniciosos. Se queremos cultivar um relacionamento saudável, tanto sob o ponto de vista cristão, quanto sob o ângulo social, não devemos nos curvar diante de injustificadas opressões, nem precisamos nos tornar opressores. A postura assertiva é exatamente esse meio-termo.
Em “A Gênese”, Cap.I, Item 55, Allan Kardec afirma corajosamente que o Espiritismo “jamais será ultrapassado”. No mesmo texto admite humildemente que “se uma nova verdade se revelar, ele a aceitará”. Equilíbrio e bom senso do codificador. E é exatamente com essa lucidez que Jesus combate tanto o agressivo quanta a falsa vítima.
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Nos versos do compositor Arlindo Cruz encontramos: “Nem tanto a terra, nem tanto ao mar. Vamos tentar novamente no amor. É ver a luz ascender para clarear nossas vidas, é o fim das mágoas sofridas, e quem sofreu é para sonhar e acreditar totalmente...”.
É preciso ter coragem para ser cristão. Mesmo sob o risco de ser considerado fraco ou ingênuo, jamais deveremos abdicar do altruísmo, conceito que se contrapõe ao egoísmo. É preciso fugir, com todas as nossas forças, dos extremos inadequados da agressão e da submissão.
Empatia é colocar-se no lugar do outro, fazendo por ele exatamente o que gostaríamos fosse feito conosco. E também não foi de Jesus essa proposta ao sugerir que, ao pedirmos perdão às nossas ofensas, considerássemos “ como nós perdoamos os nossos devedores”?