Vivi, mas esqueci -Sidney Fernandes –

VIVI, MAS ESQUECI
Sidney Fernandes –


UM ATOR PASSA A TER VÁRIAS PERSONALIDADES?
Um ator pode assimilar intensamente a personalidade do personagem que representa, a ponto de confundir ficção com realidade? Essa influência pode afetar seus sentimentos e sua maneira de ser?
Normalmente não, pois na sua profissão o ator pode assumir os papéis de vilão, velho, moço, herói, pobre, aluno, maestro ou outra identidade qualquer, e continuar a ser ele mesmo. Há casos, no entanto, de desvios, que demonstram confusão entre ficção e realidade.
Nas várias cidades por que passava uma companhia teatral, começaram a surgir casos de estupros e mortes de mulheres.
Infelizmente, constatou-se que o criminoso era um ator que se revestia de tal forma das características de seu personagem a ponto de passar a cometer crimes hediondos. O ator permitia-se encarnar o cruel assassino.
O ESPÍRITO MANTÉM SUA INDIVIDUALIDADE?
O espírito, nas múltiplas existências que vivencia, não obstante encarnar em vários corpos, sempre mantém a sua individualidade, acumulando as várias experiências por que passou.
No suceder das encarnações, embora mudem os papéis relacionados com os níveis evolutivos que o espírito vai alcançando, diferentemente do que acontece com os atores, ele jamais retrogradará. Isto é, o honesto jamais será um ladrão, o virtuoso manterá a sua dignidade e, vencida a fase do egoísmo, o altruísta jamais abdicará de seus valores. Essas experiências conduzirão a alma a estágios mais elevados da escala espiritual.
PODEMOS REVIVER PERCEPÇÕES DE VIDAS PASSADAS?
Da mesma forma que o desequilíbrio pode afetar o ator, a ponto de fazê-lo misturar ficção com realidade, lamentavelmente, muitos alienados mentais, internados em hospitais psiquiátricos, podem reviver personalidades de vidas anteriores.
O que normalmente é diagnosticado pela ciência médica  como insanidade mental ou distúrbio psiquiátrico, muitas vezes representa tão somente o embaralhamento de percepções da vida atual com as de vidas anteriores.
NESSE CASO A BARREIRA DO ESQUECIMENTO NÃO FUNCIONA?
Indivíduos portadores de desordem mental podem romper a barreira do esquecimento do passado. Recordações podem acontecer com crianças, geralmente antes do limiar da puberdade, bem como, às vezes, com adultos.
Uma inglesa chamada Jenny Cockell tinha um sonho recorrente: agonizante em um quarto de hospital, pensava nos filhos que estava deixando sem os seus cuidados. Após uma sessão de hipnose, recordou detalhes de uma vida que havia tido na Irlanda, o que lhe possibilitou o reencontro com a família da qual havia se distanciado há mais de trinta anos. Essa história foi retratada em um livro e depois transformada no filme que, no Brasil, recebeu o nome de Minha Vida em Outra Vida.
Assim como aconteceu com Jenny, hoje em dia começa a se tornar muito comum a hipótese científica da TVP – Terapia de Vivências Passadas, como poderoso indutor de lembranças de vidas anteriores, realizada por responsáveis profissionais da área de saúde mental, devidamente habilitados no processo de forma integral, com precípua finalidade terapêutica, sem preocupações fúteis.
PODE, ENTÃO, O HOMEM LEMBRAR-SE DE VIDAS PASSADAS?
O homem não pode nem deve tudo saber. Pelo esquecimento do passado, ele é mais ele mesmo — advertem os espíritos na questão 392 de O Livro dos Espíritos.
Como se justificam os casos de recordações que alinhavamos nos tópicos anteriores? Ocorreram vazamentos no véu que cobre nossas lembranças?
Ainda que ocorram de forma rara, segundo os mentores maiores, reminiscências do passado nem sempre contribuem adequadamente ao progresso do espírito. O esquecimento poupa o homem de recordações comprometedoras e indesejáveis, em relação às quais ele ainda não está devidamente preparado.
POR QUE ENTÃO OCORREM ESSAS RECORDAÇÕES?
Acessos a vidas anteriores, ainda que vagos e caracterizados por lembranças, dons e habilidades inatos, são inexplicados pela ciência humana e pela própria lógica e ocorrem de maneira excepcional ou temporária.
Por que acontecem? Considerando-se não recomendável qualquer iniciativa em que se revolva o passado, não deveria ser evitada?
MENTORES PODEM AUTORIZAR O DESVENDAMENTO DO PASSADO?
Nem sempre o trauma inicial causador dos desagradáveis sintomas da atualidade — fobias, síndrome do pânico, distúrbios de comportamentos sexuais, transtornos obsessivo-compulsivos (TOC), depressão, ansiedade e outros — encontra-se na infância da vida atual, como defendia Freud. Às vezes remonta a períodos mais distantes do tempo e, às vezes, a vidas anteriores.
EXCEÇÃO à REGRA DO ESQUECIMENTO?
Ocorre o que poderíamos chamar de exceção à regra do esquecimento:
Entrando na vida corporal, o espírito perde momentaneamente a lembrança de suas existências anteriores, como se um véu as ocultasse. Todavia, ele tem alguma vezes uma vaga consciência e elas podem mesmo lhe serem reveladas em certas circunstâncias. Mas, é apenas pela vontade de espíritos superiores que o fazem espontaneamente, com um fim útil e jamais para satisfazer uma vã curiosidade.
Observamos, amigo leitor, que, se por um lado o esquecimento do passado é útil e necessário, por outro, quando existem situações traumáticas, que impedem o paciente de lidar com determinadas situações — a claustrofobia (medo mórbido de permanecer em locais fechados), por exemplo —, é possível o desvendamento parcial do pretérito.
Não com o conhecimento da história completa do sofredor, mas através de flashes, que poderão aliviá-lo de seus traumas e lhe trazer algum alívio ou até, eventualmente, a cura, através do que os psicoterapeutas chamam de catarse, que é a libertação do que lhe é estranho e lhe traz a deterioração de seu equilíbrio.
PRESSENTIMENTO É RECORDAÇÃO DO PASSADO?
Um outro tipo de reminiscência que às vezes passa despercebido do estudante do Espiritismo é o pressentimento.
Embora ele seja quase sempre o conselho íntimo do nosso protetor espiritual, às vezes pode se tratar de nossa intuição.
Normalmente, não temos consciência do planejamento que acordamos junto a instituto de reencarnações, que traça as fases principais da nossa atual existência, isto é, o gênero de provas a que vamos nos submeter. No entanto, essas informações ficam gravadas em nosso foro íntimo. Um pouco antes do evento, pelas vias do sono, ou mesmo em estado de vigília, ouvimos a voz do instinto avisando-nos do que vai acontecer. Na verdade, trata-se apenas de rememoração do que havíamos planejado antes de nascer.
RAZÕES PARA O ESQUECIMENTO
O caro leitor está lembrado do episódio que narramos, no início deste artigo, sobre o ator que passou a misturar ficção com realidade e se tornou o criminoso que encarnava no palco? Ora, se embaralhássemos as experiências de várias vidas, estaríamos arriscados a agir como o ator, cuja simples convivência com um personagem ficcional lhe provocou sérios transtornos e embaraços.
Imaginemos se tivéssemos consciência das múltiplas personalidades que encarnamos no transcorrer de várias vidas. 
Existe também a questão física. Nosso cérebro está programado para suportar as experiências da presente existência e não comportaria a carga de lembranças do passado, que nem sempre nos fariam bem, considerando os inúmeros erros que cometemos. Somente em circunstâncias excepcionais e, assim mesmo, de alcance e tempo limitados, é possível o contato com o pretérito.
O ESQUECIMENTO FAVORECE A RECONCILIAÇÃO COM DESAFETOS?
O recomeço da vida de um sentenciado é muito difícil. A começar pelos seus remorsos e, depois, pela dificuldade em encarar a sociedade depois de desrespeitá-la. Não ficaria tudo mais fácil, se nem o criminoso, nem a sociedade se lembrassem do ato infeliz?
É o que acontece na nossa nova vida. Deus nos dá a bênção do esquecimento, nosso e dos outros, que favorece a reaproximação de desafetos. Imaginemos como um pai poderia abraçar seu filho se nele reconhecesse um inimigo do passado. Sem apagar o pretérito, ficaria muito difícil a reaproximação entre criaturas que ferrenhamente se opuseram em vidas anteriores.
Sem a lembrança plena já fica difícil o relacionamento entre membros da família que, mesmo sem saber exatamente o porquê, conservam, no inconsciente, mágoas do passado.
Com o esquecimento, Deus nos oferece a misericordiosa bênção do recomeço, sem nos afogarmos no burburinho de nossas culpas.
ALZHEIMER – O ESQUECIMENTO EM VIDA
O Alzheimer é uma doença que deteriora as funções cerebrais, com perda de memória, linguagem e, às vezes, o controle de funções básicas que permite ao indivíduo cuidar de si mesmo.
Richard Simonetti considerava-a doença cármica, que, no entanto, não atinge alguns espíritos ou não causa a deterioração cerebral total em outros.
Meu pai, já velhinho, em certa ocasião em que saiu comigo, em dado momento me fez uma pergunta:
— Filho! Por que nesta cidade existem tantos carros com a placa de Bauru?
Em alguns momentos ele voltava ao passado da cidade de Botucatu, onde havia nascido, e perdia a consciência do local onde então se encontrava.
Um jovem acompanhava, ao lado do avô, de 84 anos, a reprise da final de um campeonato de futebol, ocorrida há alguns anos. O idoso sofria da doença de Alzheimer, com perda parcial da memória. Na reapresentação do jogo, ele torceu muito e ficou feliz com a conquista do seu time, embora ela já houvesse ocorrido tempos atrás. Ele se esqueceu de muita coisa, não, porém, do time do coração.
Estudo recente sobre o Alzheimer sugere que, mesmo com problemas de memória, os pacientes não perdem o caráter moral.
Pessoas educadas, gentis e amorosas, não perdem essas qualidades.
As que sempre foram alegres e sempre se preocuparam com os outros continuam dessa mesma forma, do mesmo jeito que indivíduos irascíveis, agressivos e antipáticos, permanecem assim.
EXISTEM PESSOAS IMUNES AO ALZHEIMER?
A presença de placas beta-amiloide afeta, teoricamente, a região do cérebro responsável por nossas memórias. Por que teoricamente? Porque assim concluíram cientistas que durante anos acompanharam idosos com mais de noventa anos e verificaram o estado de seus cérebros, depois que morreram.
Pela presença das placas, todos deveriam ter sido diagnosticados como doentes de Alzheimer. Mas não foi isso que aconteceu. Inexplicavelmente, alguns desses idosos demonstraram o acúmulo de placas beta-amiloide e nunca apresentaram qualquer sintoma do Alzheimer.
Estudos mais profundos concluíram que existe um grande grupo de pessoas que se mantêm imunes ao desenvolvimento da doença. Pesquisadores ainda não conseguiram entender qual é o mecanismo de ação que os protege.
Somente quando se abeberarem dos preciosos ensinamentos que os espíritos nos trazem poderão aprender que doenças, deficiências e dores são efeitos, condicionados às causas que provocamos, nesta vida ou em vidas anteriores.
PORTADORES DO ALZHEIMER PERDEM SUA IDENTIDADE?
Portadores do Alzheimer não estão mais aqui? Perderam algumas de suas capacidades? Sim, mas não perderam a sua essência, pois esse patrimônio é inalienável e nos acompanha além desta vida.
No século XIX, muito antes, portanto, dessas felizes conclusões científicas sobre os portadores do Alzheimer, em O Livro dos Espíritos, Allan Kardec já nos revelava que a alma jamais perde a sua individualidade e continua mantendo em seu perispírito o fluido característico da atmosfera do planeta e a aparência de sua mais recente encarnação.
Jamais perdemos a nossa essência!
PODEMOS ESQUECER NA ESPIRITUALIDADE?
– Não terá ela, contudo, um pai ou mãe, em nossos círculos espirituais, que tome a si o sacrifício de defendê-la?
– Tem um pai que a estima com extremos de afeto – esclareceu o diretor –, no entanto, sofria imerecidamente pela filha leviana e grosseira; e tanto padeceu por ela que os seus superiores, em nossa colônia espiritual, submeteram-no a tratamento para olvido temporário da filha querida, até que ele possa se recordar e se aproximar dela sem angústias emotivas.
***
Esse diálogo foi reproduzido por André Luiz, no livro Missionários da Luz, referindo-se a bondoso pai que estava sofrendo pela dureza e ingratidão de sua filha.
O mentor esclareceu a André que almas queridas podem nos causar sofrimento por persistirem no erro e na incompreensão. O primeiro passo — recomendam os superiores — é o afastamento, para que se disponham a nos acompanhar no bom caminho.
Quando não temos a necessária coragem para esse distanciamento necessário, mentores maiores promovem em nós o tratamento magnético que opera o esquecimento passageiro.
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NO PLANO ESPIRITUAL RELEMBRAREMOS TODO O NOSSO PASSADO?
Em O Livro dos Espíritos encontramos a informação de que o espírito, depois da morte, tendo vivido muitas vezes na Terra, recordar-se-á dessas experiências. Logo deduzimos que bastará morrermos para tomarmos conhecimento de todo o nosso passado.
Não é bem assim que as coisas funcionam. Essas lembranças não ocorrem completa e inopinadamente. A recordação abrupta de existências passadas poderia nos trazer sérios inconvenientes.
Vejamos como foi a experiência de Dona Laura, descrita por André Luiz no livro Nosso Lar.
André estranhou que, até aquele momento, não havia ainda conseguido saber mais detidamente o seu passado espiritual.
Perguntou a Dona Laura, mãe de Lísias, que o adotara como filho e o orientava como verdadeira mãe, se ela havia recordado suas vidas anteriores.
Dona Laura informou que antes de tudo precisou se despojar de suas impressões inferiores da vida física e adquirir maior equilíbrio. Somente depois de adquirir maior segurança é que teve forças para enfrentar os erros do passado.
Explicou que somente depois de longo período de meditação ela pôde ser submetida a determinadas operações psíquicas, com passes de espíritos técnicos, no cérebro, e conseguiu penetrar nos domínios emocionais das recordações. E, mesmo assim, conseguiu acesso a apenas trezentos anos de memória integral. Ela ainda não estava preparada para ter consciência de débitos anteriores, perante a justiça divina.
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NÃO É ILÓGICO PAGAR UM DÉBITO CUJA ORIGEM DESCONHECEMOS?
Perguntei a Richard Simonetti:
— Mas o que me diz do esquecimento do passado? Não é ilógico pagar um débito cuja origem desconhecemos?
Respondeu-me:
— Há várias razões para essa amnésia. Ela funciona em nosso benefício, principalmente quando somos chamados à reconciliação com os desafetos de vidas anteriores. Conseguiria você abraçar um filho sabendo que ele foi odiado inimigo?
— Realmente não seria fácil...
— E considere que o esquecimento nos proporciona a bênção do recomeço, ajudando-nos a superar paixões e fixações que determinaram nossos fracassos. Conservamos apenas a experiência, com aquisições morais e intelectuais que são inalienáveis, a se manifestarem na forma de impulsos e aptidões...
***
QUAL É A ORIENTAÇÃO DE EMMANUEL?
Diz Emmanuel no livro O Consolador:
Se estais submersos em esquecimento temporário, esse olvido é indispensável à valorização de vossas iniciativas. Não deveis provocar esse gênero de revelações, porquanto os amigos espirituais conhecem melhor as vossas necessidades e poderão provê-las em tempo oportuno, sem quebrar o preceito da espontaneidade exigida para esse fim.
Encerremos com suas palavras em Vinha de Luz:
Muito comum observarmos companheiros ansiosos por íntima  identificação com o pretérito, na teia de passadas reencarnações. Acontece, porém, que a maioria dos encarnados na Terra não possui uma vida pregressa respeitável e digna, em que possa recolher sementes de exemplificação cristã.
Quem possua forças e luzes para conhecer experiências fracassadas, compreendendo a própria inferioridade, talvez aproveite algo de útil, relendo páginas vivas que se foram.
Os aprendizes desse jaez, contudo, são ainda raros, nos trabalhos de recapitulação na carne, junto da qual a Compaixão Divina concede ao servo falido a bênção do esquecimento para a valorização das novas iniciativas.


FONTES: Uma Razão para Viver; Reencarnação, tudo o que você precisa saber; Encontros e Desencontros; Suicídio, tudo o que você precisa saber; e Espiritismo, uma nova era, Richard Simonetti; Vinha de Luz e O Consolador, Emmanuel; Missionários da Luz e Nosso Lar, André Luiz